PANDEMIA

Covid-19: pesquisadores desenvolvem ferramenta capaz de prever mutações

Método criado nos EUA pode identificar cepas com potencial para enganar o sistema de defesa e infectar, com mais facilidade, as células humanas

Vilhena Soares
postado em 11/08/2021 06:00
 (crédito: Universidade do Colorado/Divulgação)
(crédito: Universidade do Colorado/Divulgação)

Um dos maiores entraves na luta contra a covid-19 são as mutações que o vírus causador da doença sofre à medida que se propaga. Para ajudar a amenizar esse problema, que pode até comprometer a efetividade das vacinas, pesquisadores dos Estados Unidos desenvolveram uma ferramenta capaz de prever o surgimento de novas cepas do Sars-CoV-2. O resultado do trabalho, publicado no periódico científico Cell Reports, também pode ajudar no desenvolvimento de imunizantes para outros micro-organismos, como o da influenza (gripe) e o HIV.

Os cientistas se concentraram nas proteínas de pico do novo coronavírus, descritas por eles como pequenas protuberâncias presentes na superfície do Sars-CoV-2. “Sob um microscópio, elas podem aparecer como uma coroa. É daí que vem o nome corona. Todas essas proteínas se ligam às células humanas como uma chave em uma fechadura. Quando os anticorpos as reconhecem, eles se fixam nelas e impedem que se conectem às células do nosso organismo. Assim, previnem a infecção”, detalham os autores do estudo.

Porém, quando as proteínas de pico sofrem mutação, as reações das células de defesa do corpo humano podem não ser tão eficientes. “Existem mutações na proteína spike, a principal estrutura do coronavírus, que impedem um anticorpo de entrar e reconhecê-la. Assim como cortar o cabelo, você parece uma pessoa diferente. Parece um vírus diferente para o anticorpo”, ilustra, em comunicado, Timothy Whitehead, professor-associado de engenharia química e biológica da Universidade do Colorado e um dos autores do estudo.

Os responsáveis pela pesquisa acreditam que isso aconteceu com a cepa considerada a mais transmissível do Sars-CoV-2. “É o caso da variante Delta, que tem atrapalhado o combate ao vírus nos últimos meses. As mutações nas proteínas do pico tornaram-na mais contagiosa e reduziram a eficácia de algumas terapias com anticorpos”, relatam.

A fim de evitar esse problema, eles desenvolveram uma levedura geneticamente modificada para expressar algumas proteínas de pico do Sars-CoV-2. Tiveram a ideia da estratégia a partir de resultados obtidos por outro grupo de cientistas. “Descobriram em 2020, enquanto faziam experiências com massa fermentada, que a levedura cresce muito rapidamente”, contam.

Devido a esse crescimento acelerado, a equipe americana pôde observar uma grande variedade de mutações se desenvolverem na mesma velocidade em que a levedura, em taxas mais rápidas do que as mutações emergem em tempo real. “Isso nos dá uma vantagem inestimável”, enfatizam.

A aposta é de que, com o uso do método, seja possível acelerar medidas para combater o novo coronavírus, principalmente as voltadas para o desenvolvimento de imunizantes. “Nós criamos uma ferramenta preditiva que pode dizer quais anticorpos serão eficazes contra as cepas circulantes do vírus”, afirma Whitehead.

A equipe chegou à Delta antes de ela se disseminar pelos países e relata que já identificou outras cepas que têm se mostrado como possíveis encalços para o sistema imunológico humano, mas não deram detalhes sobre elas. Há a intenção de divulgar esses dados para pesquisadores que trabalham em busca de terapias contra a covid-19.

Reforço artificial

Segundo José Eduardo Levi, virologista da empresa GeneOne e do Laboratório Exame, em Brasília, a ferramenta pode ser bastante útil para o desenvolvimento de abordagens mais eficazes contra o Sars-CoV-2. “O mais interessante desse método é que, ao conseguir prever quais as mutações que os anticorpos não respondem, você pode usar essa informação para a criação de anticorpos monoclonais mais eficientes. Essa é uma terapia que tem sido bastante testada para o tratamento da covid-19: células de defesa são criadas em laboratório para combater o vírus”, detalha.

O especialista também ressalta que as vacinas podem se tornar ainda mais eficientes com a ferramenta. “É algo que pode ser adaptado com facilidade principalmente no desenvolvimento de imunizantes de RNA, que usam essa informação genética do vírus como base da proteção. Você apenas usaria os dados observados na levedura e os copiaria para as vacinas, refinando esse direcionamento e gerando a proteção”, explica.

Mas José Eduardo Levi lembra que há o risco de mutações vistas em laboratório não se repetirem no mundo real. “É algo que não podemos ter certeza. Talvez, o que acontece na levedura não se repita no organismo humano. Temos que cogitar essa possibilidade também”, diz.

Os criadores do método cogitam o uso dele também para ajudar no combate a outras enfermidades. “Quando a pandemia começou, vimos que essa nossa técnica poderia ajudar a combater a covid e também doenças que já nos atrapalhavam bastante”, conta Irene Francino-Urdaniz, coautora do artigo. “Você pode usá-la para mapear as futuras mutações do vírus influenza, do HIV, para outras doenças virais e até para pandemias futuras”, ilustra Whitehead.

Jose Eduardo Levi concorda com a ampliação das possibilidades. “Essa estratégia de usar o RNA como base para as vacinas é algo que vai crescer. Com certeza, teremos análises mais refinadas quanto às mutações que tomarão conta dessa área e englobarão outros vírus.”

 

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Exame diferencia danos pulmonares

Pesquisadores americanos adaptaram aparelhos de raios X para ajudar a distinguir os danos causados pela covid-19 ao sistema respiratório de outros tipos de lesões pulmonares. O recurso tecnológico foi apresentado na última edição da revista especializada Journal of Clinical Medicine e pode ajudar no tratamento de infectados pelo Sars-CoV-2.

Os cientistas equiparam aparelhos de radiografia comum com um modelo de inteligência artificial (IA) construído a partir de biomarcadores de diagnóstico do novo coronavírus. Primeiro, eles coletaram as “pistas” relacionadas à enfermidade ao avaliar 704 radiografias de tórax e dados médicos de mais de 1.500 pessoas com perfis distintos: saudáveis, com pneumonia e com covid-19.

A ferramenta, então, aprendeu a diferenciar se há problema respiratório e qual o tipo. “Esse modelo de inteligência artificial altamente avançado vai ampliar a nossa capacidade de detectar com precisão os pacientes com covid-19 e aplicar os tratamentos adequados a eles com mais rapidez”, afirma Samad Ahadian, pesquisador do Terasaki Institute for Biomedical Innovation (TIBI), nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo.

Em testes, os resultados da nova ferramenta foram animadores, mas os cientistas avaliam que mais análises serão necessárias até o uso da solução em hospitais e centros clínicos. Samad Ahadian também acredita que o dispositivo poderá ser usado para o enfrentamento de outras doenças. “Esse modelo poderá ser aplicado para o diagnóstico de outras doenças usando diferentes marcadores. Essa tecnologia pode levar a inúmeras aplicações no campo biomédico e na clínica.”

 

 

Estados insulares pedem ao mundo que se proteja

 (crédito: Jewel Samad/AFP)
crédito: Jewel Samad/AFP

A divulgação do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), indicando que algumas consequências do aquecimento global já são irreversíveis e sem precedentes, levou dezenas de pequenos Estados insulares a fazer um apelo por uma reação mundial. O grupo pediu para que a humanidade se proteja do preocupante cenário traçado pelas Nações Unidas. O documento também foi tema de um artigo opinativo publicado na última edição da renomada revista Science, em que cientistas reforçam a importância de usar os dados como guia para as decisões que serão tomadas em novembro, durante a 26ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre o tema, a COP26.

No relatório, os especialistas da ONU concluem que o ser humano é, “de maneira indiscutível”, o responsável pelas mudanças climáticas e alertam que não há outra opção a não ser reduzir drasticamente as emissões de gases causadores de efeito estufa. A Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), grupo composto por 39 nações — como Cuba, Jamaica, República Dominicana, Antígua, Fiji, Maldivas e Timor-Leste — insiste na necessidade de se adotar medidas radicais para limitar o aquecimento a 1,5°C, conforme estabelecido no Acordo de Paris, em 2015.

De acordo com o IPCC, o mundo atingirá esse nível em 2030, ou seja, 10 anos antes do que previam cálculos feitos em 2018. O relatório analisa cinco cenários de emissões, do mais otimista ao mais pessimista, e, em todos eles, a temperatura do planeta alcançaria o limite de +1,5ºC por volta de 2030. Ainda que se consiga limitar o aquecimento, ondas de calor, inundações e outros eventos extremos sofrerão aumento “sem precedentes” tanto em sua magnitude e frequência quanto local e época do ano de ocorrência, também adverte o documento.

O relatório também enfatiza que algumas consequências do aquecimento global são irreversíveis, como a elevação do nível do mar, com expectativa de maiores impactos nos Estados insulares. O fenômeno é associado ao degelo, especialmente das calotas polares. Segundo o IPCC, o nível do mar subiu 20cm entre 1901 e 2018. E saltou de 1,35mm por ano entre 1901 e 1990 para 3,7mm por ano entre 2006 e 2018.

Último alerta

No artigo da Science, os autores destacam alguns temas de preocupação trazidos pelo IPCC, como a dificuldade do planeta em lidar com as emissões altas de gás carbônico nos próximos anos. “O CO2 atmosférico atingiu concentrações não vistas há pelo menos 2 milhões de anos, e o novo relatório expressa grande confiança de que os oceanos, as plantas e os solos se tornarão menos eficientes na absorção de futuras emissões”, enfatizam, no texto, Steven Sherwood, professor de meteorologia física da Universidade de South Wales, na Austrália, e Brian Hoskin, professor de ciências naturais no Imperial College London, no Reino Unido.

A dupla também destaca que uma próxima avaliação tão detalhada e bem-feita não deve surgir antes de 2030, sendo, então, o novo relatório o último que pode influenciar significativamente a política para manter as metas climáticas do Acordo de Paris ao alcance. “Esse documento é de extrema relevância, e todas as decisões da COP26, que acontecerá em novembro, precisam ser construídas com base nesses dados. Nossos filhos e netos estão esperando para ver o que vai sair disso”, afirmam.

 

 

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