A partir desta semana, os chilenos com mais de 55 anos já poderão tomar uma terceira dose das vacinas que protegem contra a covid-19.
O anúncio foi feito no dia 5 de agosto pelo presidente Sebastián Piñera. Ele confirmou que o programa de reforço na imunização começa dia 11/8 e, por enquanto, estará disponível apenas para os cidadãos que receberam antes de 31 de março as duas doses da CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac.
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Com 65% da população já completamente vacinada, o Chile é um dos países com a campanha de proteção contra o coronavírus mais adiantada do mundo.
Segundo a subsecretária de Saúde do país, Paula Daza, indivíduos com mais de 55 anos receberão uma terceira dose da AZD1222, de AstraZeneca e Universidade de Oxford. Já para aqueles que estão abaixo dessa idade, será oferecida posteriormente a Comirnaty, de Pfizer e BioNTech.
Por ora, os chilenos que tomaram duas doses da AZD1222 ou da Comirnaty não serão contemplados com o reforço. Mas eles configuram uma minoria: a CoronaVac foi aplicada em 90% dos vacinados do país.
A decisão do governo vem como uma resposta aos estudos e orientações dos cientistas de instituições locais, que observaram uma diminuição da eficácia da vacina da Sinovac com o passar dos meses.
A nação sul-americana também passa por um momento de relativa estabilidade da pandemia, com quedas nos números de casos e mortes por covid-19. Mas a chegada da variante Delta ligou o sinal de alerta das autoridades sanitárias locais e acelerou a discussão e a decisão sobre a necessidade de uma terceira dose.
Por enquanto, ainda não há nenhuma definição sobre o reforço vacinal no Brasil, mas tanto o Ministério da Saúde quanto o Instituto Butantan (responsável por finalizar a produção da CoronaVac no país) admitem que avaliam e consideram essa possibilidade.
Na dúvida, melhor garantir
De acordo com o painel da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, o Chile contabiliza até o momento 1,6 milhões de casos e 35 mil mortes pela covid-19.
O pior período da pandemia por lá ocorreu entre junho e julho de 2020, quando o país alcançou uma média móvel de 240 óbitos por dia.
A nação também registrou uma segunda onda entre março e junho de 2021 e ultrapassou a média de 7,3 mil diagnósticos diários da infecção pelo coronavírus.
É curioso notar que, nesse segundo período de maior gravidade, não houve um aumento proporcional na taxa de mortes (embora elas tenham subido), o que reforça a ideia de que as vacinas estão cumprindo na prática o que foi visto nos estudos clínicos: uma proteção contra os casos mais graves, que exigem intubação e podem matar.
Falando na imunização, o Chile é o terceiro lugar no mundo com a campanha mais adiantada (só fica atrás de Emirados Árabes Unidos e Uruguai), em que 65% da população está com as duas doses e 8% com a primeira aplicação.
Todos esses dados vêm do Our World In Data, portal que reúne estatísticas e informações sobre a pandemia.
Com um cenário relativamente tranquilo, o governo local decidiu aliviar as políticas restritivas e colocar em marcha o plano de retomada das atividades econômicas e sociais.
Mas dois acontecimentos criaram uma preocupação nas autoridades sanitárias e deram força aos projetos de distribuir a terceira dose.
Primeiro, a confirmação da chegada da variante Delta em território chileno, que já foi detectada inclusive em pessoas que não viajaram ao exterior (o que confirma a transmissão comunitária dessa linhagem).
A experiência de outros países, como Israel, Reino Unido e Estados Unidos, mostra que essa nova versão do coronavírus é mais transmissível e está por trás do descontrole nos números de casos confirmados, mesmo nos lugares com a vacinação bem encaminhada.
O segundo fator decisivo foi a divulgação em julho de um estudo da Universidade Católica do Chile e do Instituto Milênio de Imunologia e Imunoterapia com mais de 2 mil voluntários, que observou uma queda na produção de anticorpos e na imunidade celular seis meses após a aplicação das duas doses da CoronaVac.
A boa notícia é que a vacina continua tendo uma eficácia considerável mesmo após esse tempo. Os autores ainda destacam que foram poucos (menos de 3%) os participantes que tiveram covid-19 grave após estarem completamente imunizados.
Mesmo assim, os especialistas recomendaram que o Ministério da Saúde do Chile avaliasse a possibilidade de oferecer uma terceira dose, para garantir que o sistema imunológico continue "antenado" para evitar um ataque bem-sucedido do coronavírus.
A bioquímica e imunologista Marcela Gatica, da Universidade de La Serena, localizada no norte do Chile, chama a atenção para o fato de a pesquisa, que ganhou muito destaque, ainda não ter sido publicada em periódicos científicos, o que dificulta uma avaliação mais aprofundada sobre seus resultados.
Ela também critica a falta de critérios ou explicações para definir os tipos de vacinas que serão aplicadas em cada faixa etária.
"De forma geral, uma parte da população recebeu a informação da terceira dose com alegria e tranquilidade. Mas, por outro lado, uma parcela também ficou em dúvida sobre o que isso significa e o que realmente se sabe sobre essa questão", analisa.
"Também há um sentimento questionando se é certo dar uma terceira dose enquanto outros países não têm vacinas", completa.
E no Brasil?
Com pouco mais de 52 milhões de doses aplicadas (36% do total), a CoronaVac é a segunda vacina contra a covid-19 mais utilizada no Brasil — ela só fica atrás da AZD1222, com 68 milhões de unidades (48%).
A discussão sobre a necessidade de reforço, porém, está menos avançada por aqui. Até o momento, o assunto foi mencionado por cima em discursos e entrevistas de políticos e gestores de saúde.
Foi o caso, por exemplo, do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Ele disse recentemente que "tudo indica que precisaremos de uma terceira dose".
O diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, seguiu uma linha de raciocínio parecida e declarou que algumas vacinas demandarão esse reforço.
Por outro lado, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) declarou que ainda não acredita na necessidade da dose adicional.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, parece concordar. Ao reclamar sobre anúncios adiantados feitos por representantes de Estados e municípios sobre esse tópico, ele reafirmou a urgência de focar e avançar na vacinação com duas doses.
Do ponto de vista oficial, o Ministério da Saúde vai iniciar um estudo para avaliar a necessidade de reforço para quem tomou a CoronaVac.
"A pesquisa, que será realizada em parceria com a Universidade de Oxford e deve começar em duas semanas, vai verificar a intercambialidade dessa vacina com outros imunizantes disponíveis para a população brasileira", afirma a assessoria de imprensa do ministério, após um pedido de esclarecimentos feito pela BBC News Brasil.
De acordo com a pesquisadora Sue Ann Clemens, que vai coordenar a investigação direto de Oxford, na Inglaterra, o objetivo é vacinar pessoas que já tenham tomado as duas doses da CoronaVac há pelo menos seis meses.
Os 1,2 mil voluntários serão divididos em quatro grupos: um receberá um reforço da própria CoronaVac, enquanto os outros tomarão os imunizantes Comirnaty, AZD1222 ou Ad26.COV2-S (da Janssen).
A partir desses resultados, as autoridades públicas brasileiras poderão decidir até o final do ano se adotam a mesma estratégia do Chile ou não.
O médico Jorge Elias Kalil Filho, professor titular de imunologia clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, revela que esse assunto também está sendo debatido pelo comitê técnico que assessora o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, do qual ele faz parte.
É possível que esse grupo faça novas orientações e recomendações sobre a questão ao longo das próximas semanas.
A reportagem da BBC News Brasil também procurou o Instituto Butantan, responsável por finalizar a produção da CoronaVac a partir da importação dos insumos da China.
"Já temos estudos iniciados no Brasil e em outros países que preveem a necessidade de uma dose de reforço anual contra a covid-19, assim como acontece hoje em relação à influenza (gripe). Essa hipótese vem sendo amplamente discutida, especialmente diante do avanço da variante Delta", responderam os representantes da entidade, por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa.
"Vale ressaltar que o avanço da Delta [no país] está sendo acompanhado por meio da Rede de Alertas das Variantes do Sars-CoV-2 [o coronavírus responsável pela pandemia atual], coordenada pelo Butantan e, por enquanto, não foi considerado representativo do ponto de vista populacional", completam.
O momento certo entre a precipitação e o atraso
O resumo da ópera, portanto, é que o Brasil avalia a possibilidade de um reforço na vacinação contra a covid-19 no futuro, mas ainda estamos longe de qualquer definição sobre esse tópico.
Do ponto de vista científico, esse compasso de espera até faz sentido: não temos evidências suficientes e um consenso entre os especialistas de que a dose adicional será realmente necessária.
A imunologista Ana Karolina Marinho, do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), entende que é importante que especialistas e gestores discutam esse assunto e se planejem para o futuro.
"Nós não sabemos ainda quanto tempo dura a imunidade pela vacina ou pela infecção natural. Temos estudos mostrando que ela se mantém por pelo menos seis ou até oito meses, mas ainda precisamos de dados mais sólidos", contextualiza.
Já Kalil acredita que é necessário começar a aplicar uma terceira dose agora nos grupos vulneráveis, como indivíduos com mais de 80 anos, aqueles que fizeram ou que têm algum problema no sistema imunológico.
"Muito provavelmente essa população se beneficiaria dessa estratégia, especialmente se aqueles que tomaram a CoronaVac lá atrás receberem agora uma dose da Pfizer ou da AstraZeneca", diz.
"Nós temos que fazer projeções das hospitalizações e mortes por covid-19 daqui para frente e pensar em proteger aqueles que mais precisam", completa o professor, que aponta a chegada de uma boa quantidade de lotes de imunizantes ao Brasil ao longo dos próximos meses, segundo o planejamento do Ministério da Saúde, como um caminho para suprir essa possível demanda extra.
Enquanto não temos uma definição, é importante que, do ponto de vista individual, todo mundo continue fazendo a sua parte e vá ao posto de saúde nas datas estipuladas. Todas as vacinas contra a covid-19 usadas no PNI foram aprovadas pela Anvisa e têm a segurança e a eficácia comprovadas em estudos rigorosos.
E, claro, mesmo com qualquer definição sobre o reforço, todas as pessoas (incluindo os vacinados) precisam continuar se cuidando e respeitando as orientações de distanciamento físico, uso de máscaras, preferência por lugares bem arejados e higiene das mãos.
Moratória global
Ainda dentro desse debate, a Organização Mundial da Saúde (OMS) pediu recentemente que os países esperem pelo menos até o fim de setembro antes de iniciarem qualquer programa de reforço vacinal.
A entidade entende que o momento é de resguardar as pessoas mais vulneráveis, como os idosos e os profissionais da saúde, das nações mais pobres, cujas campanhas de imunização contra a covid-19 caminham em ritmo lento.
"Não podemos aceitar que os países que aplicaram a maior quantidade de doses usem ainda mais vacinas, enquanto as pessoas mais vulneráveis em outras partes do mundo permanecem desprotegidas", declarou o biólogo etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.
Mas os apelos parecem não ter surtido resultado. Além do Chile, a Alemanha já anunciou que vai dar o reforço em todo mundo que não recebeu as vacinas de mRNA, fabricadas pelas farmacêuticas Pfizer/BioNTech e Moderna.
Outras nações, como Israel e França, pretendem fornecer nas próximas semanas a terceira dose para idosos ou indivíduos com a imunidade comprometida. Os Estados Unidos também estudam essa possibilidade para agosto ou setembro.
"Num momento em que não temos vacinas disponíveis para o mundo inteiro, é preciso pensar nessa aplicação extra com muita cautela", acredita Marinho, da Asbai.
"Diante da escassez, a urgência agora é garantir o esquema básico com duas doses, que é o que temos planejado e bem documentado na literatura científica", finaliza a imunologista.
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