A vacinação é uma das ferramentas mais eficazes no combate à propagação de doenças. Durante a pandemia da covid-19, ganhou ainda mais importância. Mas também críticos. Apesar da busca pelos fármacos protetivos contra a covid-19 ter sido intensa nos últimos meses, com filas imensas em postos de saúde, há indivíduos que se negam a recebê-los.
Para ajudar a convencer esse grupo, especialistas tentam traçar um perfil dos antivacinas, o que auxiliará, acreditam, a definir melhores campanhas de conscientização. Com base nos dados obtidos até agora, eles defendem que as mensagens expliquem como os imunizantes protegem o organismo humano e sejam direcionadas, principalmente, a moradores de áreas menos desenvolvidas economicamente.
“Estamos em um momento em que é essencial entender por que as pessoas se recusam ou atrasam indefinidamente a sua vacinação”, enfatiza, em comunicado, Katarzyna Stasiuk, pesquisadora da Universidade Jagiellonian, na Polônia. Em busca de dados sobre os antivacinas, a cientista e sua equipe entrevistaram 492 indivíduos que se identificavam como hesitantes ou totalmente contrários à imunização. As respostas indicaram que o segundo grupo acreditava que as fórmulas imunizantes causam sérios efeitos colaterais, não protegem, nem foram suficientemente testadas.
Os argumentos foram coletados durante uma conferência em que opositores à vacinação apresentaram seu posicionamento sobre o assunto. De acordo com os especialistas, embora, muitas vezes, os antivacinas relatassem que a postura se baseava na própria experiência ou na de conhecidos, quando questionados sobre seu raciocínio, eles eram bastante vagos nas explicações. “Muitos relataram que não se lembravam da fonte da informação, enquanto outros atribuíam autismo, alergias ou doenças em crianças às vacinas, apesar da ausência de evidências dessa correlação”, conta Stasiuk.
De acordo com os autores, esses casos podem ser explicados pela tendência das pessoas de se lembrarem de dados negativos, mesmo que eles pareçam frágeis, como muitos dos compartilhados em grupos de mensagens instantâneas. “Esse efeito é comum e consiste em um indivíduo buscar ativamente informações consistentes com suas hipóteses preexistentes e evitar informações indicativas de explicações alternativas”, detalham.
Já o grupo hesitante à vacinação pareceu mais confiante na eficácia da abordagem, apesar de ter se apresentado menos conhecimento sobre os imunizantes e de ser suscetível às declarações do movimento antivacinas, como riscos de efeitos colaterais graves e teorias de conspiração. “Essa parcela dos analisados se mostrou menos resistente a mudar a opinião.
Acreditamos que ajudar essas pessoas a entenderem como os imunizantes funcionam pode ser uma tarefa mais simples. Outro ponto importante é frisar a importância dessa medida para o bem coletivo, isso pode contribuir para uma mudança de postura mais rápida”, indicam os autores do artigo. Para os cientistas, convencer antivacinas radicais é uma tarefa mais complexa, que precisa ser construída com resultados de pesquisas futuras.
Gabriel Gomes de Luca, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Projeto Avalie! Não seja Fake, destaca que o estudo polonês traz informações estratégicas para o combate às mensagens antivacinas. “É comum pensar que existem só dois grupos, aqueles que se vacinam e os totalmente contrários, mas não é isso que acontece. Temos um número bem menor de radicais e um grande grupo de hesitantes”, justifica.
“É muito mais eficaz dar foco a esses indivíduos que estão no meio, pois, como mostra a pesquisa, convencê-los pode ser uma tarefa mais fácil.” No caso dos mais radicais, “por mais que sejam mostrados dados, eles tendem a se agarrar a notícias falsas e as histórias de pessoas próximas”, diz o especialista. “Isso faz com que muitos sentimentos estejam envolvidos e pesem na escolha dessas pessoas. O fator emocional é mais difícil de ser combatido nesse cenário”, explica.
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Risco das estatísticas
Outro estudo mostra que o combate aos antivacinas deve levar em consideração o fator econômico. Os especialistas chegaram a essa conclusão após os resultados de uma pesquisa com respostas de 12 mil adultos chineses em questionários sobre imunização. A coleta dos dados foi feita em janeiro, um pouco antes do início da campanha de imunização da covid-19 ser iniciada no país.
Os indivíduos com renda ou níveis de educação mais baixos se mostraram menos dispostos a serem vacinados. Os especialistas também observaram que, quanto mais baixos eram os níveis de conhecimento sobre como funcionam as vacinas nesse grupo, maior a hesitação.
“Além da questão econômica que precisa ser considerada na hora de difundir mensagens de conscientização, nossos resultados sugerem que compartilhar informações sobre como a vacina age no nosso corpo pode ser mais eficaz do que dados estatísticos de sua eficácia, por exemplo. A mensagem enviada precisa dar foco aos mecanismos que geram a imunização”, defende Haiyang Yang, coautor do estudo e professor-associado da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
Em um estudo sobre o mesmo tema, pesquisadores da Universidade de San Francisco, nos EUA, observaram o comportamento de uma faixa etária específica da população estadunidense para entender os motivos relacionados à negativa às vacinas. Os especialistas entrevistaram, em março, 5.082 pessoas com 18 a 25 anos sobre a imunização contra a covid-19. Do grupo, 83% relataram não terem recebido os fármacos. Entre os não vacinados, 10% disseram que definitivamente não receberiam a vacina e 14%, que provavelmente não. Mais da metade dos não vacinados revelou estar preocupada com possíveis efeitos colaterais, e a outra parcela declarou que planejava esperar para ver se a vacina era segura.
Os autores da pesquisa defendem a construção de campanhas focadas nesse público, enfatizando principalmente a existência de riscos à saúde também entre os infectados pelo Sars-CoV-2 com menos idade. “Jovens adultos que tiveram a covid-19, independentemente dos sintomas, podem ser vulneráveis a complicações de longo prazo e sintomas debilitantes, como dificuldades respiratórias e perda do olfato”, afirma, em comunicado, Sally Adams, pesquisadora da Universidade da San Francisco e uma das autoras do estudo.
Para Alexandre Cunha, infectologista e diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, os estudos recentes sobre negativas à imunização, além de extremamente bem-vindos, podem ajudar a otimizar campanhas a favor da prevenção contra outras enfermidades. “Todos esses dados são importantes e os detalhes envolvidos nesse comportamento podem nos ajudar a lidar com outras enfermidades e campanhas de imunização que teremos no futuro.”
Palavra de especialista
Fontes confiáveis
“Uma estratégia fundamental é reforçar as campanhas de vacinação nos meios de comunicação e nas redes sociais, com o propósito de oferecer uma fonte de informação confiável e enfraquecer as notícias falsas. As pesquisas mostram que a população precisa ser educada e esclarecida sobre o papel e a importância das vacinas, o que já foi feito no Brasil em relação a outras doenças, como a poliomielite, que chegou a ser erradicada. Estratégias que levem as pessoas a desenvolverem um pensamento crítico, baseado na ciência, e a verificarem a fonte das notícias antes de difundi-las são oportunas para combater a desinformação que vem sendo propagada pelo movimento antivax.”
Vladimir Melo, doutor em Psicologia
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Cuidados para evitar fobias
Como você lida com uma criança durante o processo de imunização pode influir na forma como ela vai vivenciar futuras experiências semelhantes, mostram cientistas canadenses. No estudo, publicado na revista PAIN, os especialistas avaliaram o que os pais diziam aos menores antes e após a aplicação do medicamento protetivo. Dessa forma, os investigadores chegaram ao que acreditam ser as melhores estratégias para evitar fobias.
Foram avaliadas 760 crianças em idade pré-escolar (com pelo menos 4 a 5 anos) e seus pais. Notou-se que frases de incentivo não renderam resultados positivos antes da imunização. “No primeiro minuto antes do uso da agulha, quanto mais os pais diziam afirmações de promoção de enfrentamento, como ‘Você pode fazer isso’ e ‘Isso vai acabar em breve’, ou tentavam distraí-los falando sobre outras coisas, mais angustiadas as crianças ficavam. Isso realmente nos surpreendeu”, relata, em comunicado, Rebecca Pillai Riddell, professora do Departamento de Psicologia da Universidade de York.
Logo após a injeção ser aplicada, palavras com o mesmo objetivo ajudaram a acalmar os pequenos mais rapidamente. Com base nas descobertas, os pesquisadores recomendam que, antes da aplicação da vacina, os pais recorram a estratégias físicas, como abraços, afagos ou estar de mãos dadas com os filhos. Os cuidados seguem depois da imunização. “Nessa idade, é importante evitar as reações mais traumáticas pós-agulha porque fobias, em geral, começam entre os 5 e os 10 anos de idade. Portanto, ajudar a reduzir o estresse causado pela vacinação é algo fundamental”, ressalta Riddell.