Senso Comum

7 mitos e meio sobre o cérebro derrubados

No século 4 a.C., Aristóteles (384 a.C. — 322 a.C.) considerava o cérebro um órgão secundário que servia para resfriar o sangue que o coração usava para funções mentais

Cada vez mais, ciência faz novas revelações sobre órgão com o qual pensamos, mas às vezes permanecem ideias erradas que geram confusão
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Existem ideias que duram porque têm o potencial de revelar conceitos surpreendentes, enquanto outras não sobrevivem ao rigor científico.

No século 4 a.C., Aristóteles (384 a.C. — 322 a.C.) considerava o cérebro um órgão secundário que servia para resfriar o sangue que o coração usava para funções mentais. Mas era também um lugar onde o espírito circulava livremente e onde estava, em sua visão, o sensus communis (ou "senso comum").

Séculos de pesquisa depois, o médico romano Galeno de Pérgamo (c.130-c.210 d.C.) concluiu que o cérebro era o grande responsável por nossas funções mentais e não o coração, como Aristóteles havia sugerido.

O sensus communis, no entanto, sobreviveu. No século 16, quando Leonardo da Vinci (1452 - 1519) estava desenhando e estudando o cérebro, um de seus objetivos era encontrar sua localização; filósofos como Tomás de Aquino, Locke e Kant o exploraram; a psicologia o acolheu, e os cientistas continuaram a testar o conceito daquele sexto sentido que refina a informação percebida por nossos cinco sentidos até hoje.

Mas há outras noções que, embora a ciência já tenha determinado que estão erradas, permanecem teimosamente ressoando, não graças às evidências, mas à repetição e à crença.

O cérebro, aquela "obra-prima da criação", como disse o cientista dinamarquês Nicolaus Steno em 1669, é um daqueles campos minados de tais falsos conhecimentos e imprecisões.

Como não estamos imunes a isso, consultamos a renomada neurocientista Lisa Feldman Barrett, autora do livro Seven and a Half Lessons About the Brain" ("Sete lições e meia sobre o cérebro", no qual ela desmistifica "aquela grande massa cinzenta entre nossas orelhas".

Perguntamos a ela se é verdade, por exemplo, que nascemos com um certo número de neurônios, que eles não se renovam, já que não se reproduzem como as outras células do corpo.

½. Neurônios limitados

Isso é quase verdade.

"Os humanos perderam a capacidade de regenerar neurônios... exceto em alguns lugares do cérebro", assinala a neurocientista.

E não apenas nós.

"Animais de vida longa tendem a perder essa capacidade porque, quando novos neurônios substituem os antigos, as memórias são perdidas".

"Não é que cada neurônio guarde uma memória, mas se trata de um conjunto que se comunica, ou seja, se um falta, essa relação molecular se perde e com ela parte do que foi aprendido".

O engraçado é que outros animais regeneram neurônios constantemente ao longo de sua vida.

"Os pássaros são animais muito interessantes porque há partes do cérebro deles, nas quais os neurônios se regeneram a cada ano para aprender novas canções para atrair parceiros. Na verdade, foi assim que a plasticidade (do cérebro) foi descoberta".

"Na Universidade Rockefeller (Estados Unidos), pesquisadores notaram que o tamanho dos núcleos cantantes — os núcleos em seus cérebros que são responsáveis por controlar sua respiração e seu aparelho vocal e seus corpos para que possam cantar — estavam se expandindo e diminuindo a cada ano, e constataram que eles estavam criando novos neurônios naquela época do ano".

"Os pesquisadores presumiram então que a criação de neurônios só ocorria nas aves, mas não nos mamíferos. Na verdade, ela não só ocorre nos mamíferos, mas também nos primatas e até nos humanos, embora apenas em partes específicas do cérebro como o hipocampo, por exemplo".

Em todo caso, você já deve ter ouvido falar que só usamos parte dos neurônios daqueles que temos. Isso é verdade?

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É verdade que nossos neurônios não se renovam? Ou que desperdiçamos muitos deles?

1. Neurônios desperdiçados

"A ideia de que usamos apenas 5% ou 10% dos nossos neurônios simplesmente não é verdade.

"Entre outras coisas, seria metabolicamente ineficiente. Seu cérebro é seu órgão mais dispendioso: responde por cerca de 20% de seu gasto metabólico diariamente. Imagine desperdiçar 90% de sua capacidade!

"Isso é um absurdo e não faz o menor sentido".

"Usamos o cérebro o tempo todo e não um neurônio, mas milhões e milhões a cada momento."

Claro, armazenando tudo que nossos sentidos percebem, não?

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Vemos com os olhos, ouvimos com os ouvidos e sentimos com a pele... certo?

2. Seus olhos veem, seus ouvidos ouvem, sua pele sente

Não exatamente.

Todas as nossas sensações são interpretações do cérebro.

"Você precisa de algum tipo de superfície sensorial, algum tipo de receptor, para levar informações para o cérebro", como as orelhas, a pele, o nariz, os olhos.

Mas esses sinais — ondas de luz, som — que eles captam não fazem sentido até que o cérebro os processe.

"É por isso que existem condições como a cegueira cortical, em que os olhos funcionam bem, mas há danos nas partes do cérebro que são importantes para criar a visão."

Você não vê com os olhos, nem ouve com os ouvidos, nem sente com a pele: você o faz com o cérebro, que combina o que está na sua cabeça e os dados sensoriais detectados pelos seus órgãos.

Mas não é só isso...

3. Suas emoções estão em seu coração

Quando a emoção o invade, "quando você sente o batimento cardíaco, não o sente no peito, mas na cabeça".

"É difícil de entender, mas você não sente nada em seu corpo, tudo o que você sente está em seu cérebro."

A dor, a alegria... tudo, porque o cérebro é quem escreve a história, ele é o narrador.

E abriga as paixões nas profundezas de sua parte mais antiga...

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Temos realmente uma 'besta interior' que explica nossas ações irracionais?

4. Você tem uma 'besta interior'

Bem... não é assim.

É verdade que existe um modelo conhecido como "cérebro trino", que consiste no complexo reptiliano, no sistema límbico e no neocórtex, sendo que o primeiro controla o comportamento e o pensamento instintivo para a sobrevivência, o segundo encarrega-se de regular as emoções, a memória e as relações sociais, e o terceiro é responsável pelas funções mais sofisticadas.

"Por anos, os cientistas pensaram que a parte reptiliana envolvida no circuito límbico era o lar de nossa besta interior, a parte mais reativa de seu ser que tinha que ser controlada pela razão".

"Segundo essa hipótese, seu cérebro é um campo de batalha entre sua besta interior e seu eu racional superior. Quando a racionalidade vence, você é moral, virtuoso e saudável, mas quando sua besta interior vence, você é imoral, porque não se esforçou o suficiente ou você está doente, porque a racionalidade não conseguiu controlar sua besta interior".

"Toda essa narrativa é um mito completo".

"Mas o que é realmente interessante é que as regiões do cérebro que foram marcadas como sua besta interior são, na verdade, aquelas que controlam seu corpo — seus pulmões, seu coração, seu sistema imunológico, seu metabolismo... seu corpo físico inteiro. E alguns de eles estão no centro da memória, tomada de decisão, racionalidade e percepção".

"Essas regiões estão praticamente envolvidas em tudo que seu cérebro faz."

Então, elas estão envolvidas na função principal do cérebro, o raciocínio?

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Cérebro é feito para pensar?

5. O cérebro é para pensar

Se você se pergunta para que o cérebro é importante, pode responder "pensar" ou "sentir" ou "a capacidade de perceber o mundo".

"Na verdade, a tarefa mais importante do seu cérebro é mantê-lo vivo. Pense, sinta e perceba para controlar os sistemas internos do seu corpo para que você sobreviva, se mantenha saudável e, eventualmente, procrie — do ponto de vista evolutivo — e/ou prospere — do ponto de vista individual".

O curioso é que para fazer isso...

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Nosso cérebro reage sempre a situações imediatas?

6. Seu cérebro reage

Uma das coisas que mais surpreendeu Lisa Feldman Barrett foi aprender que o cérebro funciona por meio de previsões.

"Não pude acreditar porque não gasto meu tempo fazendo previsões e depois reagindo a elas, mas experimentando algo e reagindo naquele momento".

"Mas a verdade é que você não reage às coisas do mundo".

"Seu cérebro está executando um padrão interno que aprendeu, contingências dos sinais sensoriais aos quais foi exposto ao longo de sua vida, e está constantemente adivinhando o que vai acontecer".

"Ele faz isso automaticamente, disparando sinais de seus próprios neurônios para antecipar os dados dos sentidos de seus serviços sensoriais. Então, quando os dados chegam, ele faz comparações".

"Não é que você nunca encontre coisas novas, mas você não sai por aí se surpreendendo a vida inteira".

"Quando há uma surpresa, o que acontece é que seu cérebro tenta prever, como sempre, mas os sinais não são previstos, e essa é uma oportunidade de aprender algo novo."

E finalmente...

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Nosso cérebro trabalha sozinho?

7. Seu cérebro trabalha sozinho

Acontece que seu cérebro trabalha secretamente com o de outras pessoas.

Sua família, amigos, vizinhos e até estranhos contribuem para a estrutura e função de seu cérebro e ajudam a manter seu corpo funcionando.

Experimentos mostraram que mudanças no corpo de uma pessoa frequentemente causam mudanças em outra, quer os dois estejam romanticamente envolvidos, sejam apenas amigos ou estranhos se encontrando pela primeira vez.

Quando você está com alguém de quem gosta, sua respiração e seus batimentos cardíacos são sincronizados. Esse tipo de conexão física ocorre entre bebês e seus cuidadores, entre terapeutas e seus clientes e entre pessoas que fazem uma aula de ioga ou cantam juntas em um coral.

Se, por outro lado, as pessoas não se bicam, seus cérebros são como parceiros de dança que não param de pisar em seus pés.


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