Há milênios o homem deseja sair da terra firme e ultrapassar os limites da atmosfera do planeta. Desenhos rupestres, da pré-história, já representavam o Universo e fenômenos como supernovas. Em 200 d.C, o romano Luciano de Samósata escreveu Uma história verídica, na qual um navio é levado pelo vento até o satélite natural da Terra. Lá, a tripulação se envolve em uma guerra interplanetária entre o rei lunar e o do Sol. Muito tempo depois, no século 19, Júlio Verne publica a novela Da Terra à Lua, narrando o tour espacial de dois americanos, um francês, dois cães e uma galinha.
Até hoje, esse sonho foi realidade para mais de 700 pessoas — a grande maioria, astronautas e cosmonautas em missão. Porém, em 2001, a era do turismo no espaço foi inaugurada, com a viagem do empresário norte-americano Denis Tito à Estação Espacial Internacional, a bordo da nave russa Soyuz TM32. O bilhete custou US$ 20 milhões.
De lá até o ano passado, sete pessoas pagaram para ver o planeta do alto. A elas juntou-se, na semana passada, Richard Branson, CEO da Virgin Galactic, que inaugurou uma nova era nesse tipo de tour ao voar em um avião espacial desenvolvido para fins civis — as incursões anteriores foram realizadas em naves do programa espacial russo. Agora, é a vez do bilionário Jeff Bezos, dono da Amazon e fundador da Blue Origin, ultrapassar a linha de Kármán, a última fronteira antes do espaço.
Bezos embarca em sua cápsula autônoma na terça-feira, acompanhado do irmão, Mark, e de Oliver Daeme, um jovem de 18 anos cujo pai pagou US$ 28 milhões em um leilão para garantir a passagem. A tripulação vai além de Branson, que chega a 89km de altitude — 11km a menos da linha de Kármán. O magnata da Blue Origin fará um voo orbital, ultrapassando 100km de altitude, o que justifica o preço bem mais alto do que o cobrado pela Virgin Galactic (US$ 250 mil, com lista de espera e todas as vagas preenchidas até 2024).
As reservas dos voos (veja infografia) não são, contudo, garantia de que, finalmente, o turismo espacial decola em grande escala. “Um acidente pode desacelerar qualquer planejamento”, pondera Robert Goehlich, professor da Universidade Mundial Aeronáutica Embry-Riddle, na Flórida. O Congresso norte-americano decidiu, por exemplo, que os turistas espaciais viajam por sua conta e risco. Em 2004, foi aprovada uma lei determinando que a indústria da aviação espacial civil é autorregulatória. No Brasil, país cujo único representante a ultrapassar a linha de Kármán foi o atual ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, em uma missão à Estação Espacial Internacional em 2006, não há legislação a respeito.
Além de segura, segundo Goehlich, para se consolidar, a modalidade precisa ser lucrativa. Apesar da longa lista de gente interessada na viagem, só com o tempo será possível avaliar se os ganhos ultrapassarão os custos altíssimos de se investir no ramo — estima-se que Bezos gaste US$ 1 bilhão por ano com a Blue Origin. Mas, a julgar pela quantidade de agências de turismo se especializando na área, como a Axiom, parceira da Space X (leia mais nesta página), há grandes expectativas de que os ganhos sejam bem maiores do que os investimentos.
Aquecimento global
Por fim, Robert Goehlich destaca a importância de o turismo espacial ser verde. “No longo prazo, pensando em um mercado de turismo espacial de massa, certamente os aspectos de sustentabilidade terão um papel mais dominante.” Em 2010, um estudo publicado na revista Geophysical Research Letters acendeu a luz amarela, ao indicar que as viagens de lazer para fora da Terra poderiam aumentar o aquecimento global.
A pesquisa, financiada pela Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) e pela Corporação Aeroespacial, dos EUA, simulou o impacto de mil lançamentos suborbitais (como o voo da Virgin) de foguetes híbridos de uma única base. Os cálculos indicaram que a ação liberaria 600t de carbono negro — poluente resultante da queima de combustível fóssil — na estratosfera. Como consequência, a temperatura poderia diminuir 0,4ºC nos trópicos, mas aumentar de 0,2ºC a 1ºC no Hemisfério Norte. A camada de ozônio também seria afetada, indicou o estudo.
Está nos planos da Virgin Galactics, por exemplo, fazer 400 voos por ano, mais de um por dia. “O impacto global de 400 lançamentos de foguetes por ano é desconhecido. A série de modelos necessários para investigar esse cenário não foi executada. Na verdade, apenas um modelo detalhado de emissões de partículas de carbono negro por foguetes já foi feito. Esse esforço solitário forneceu pistas surpreendentes, embora ainda não verificadas”, diz Martin Ross, um dos autores do estudo, publicado na Geophysical Research Letters, e pesquisador da Corporação Aeroespacial.
Segundo ele, em 2010, ano da publicação, um cenário com 600t de emissão foi considerado especulativo. “Hoje, esse cenário pode ser considerado razoável. A uma taxa de 400 lançamentos anuais, a emissão estratosférica de carbono negro pode chegar a 800t por ano, e a emissão do composto alumina (assumindo o uso de propelente relativo inalterado) pode se aproximar de 5 mil toneladas por ano”, adverte.