Desde o início da pandemia da covid-19, as doenças pulmonares crônicas despontaram como um dos principais fatores de risco para a gravidade da infecção por Sars-CoV-2. Um estudo publicado na edição de hoje da revista Nature Communications aponta, pela primeira vez, uma conexão genética que ajuda explicar por que o coronavírus consegue se replicar mais e provocar maiores danos em pacientes que sofrem de males respiratórios.
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma condição inflamatória que causa obstrução do fluxo de ar dos pulmões. Os sintomas incluem dificuldade para respirar, tosse, produção de muco e respiração ofegante. Geralmente, é causada pela exposição prolongada a partículas irritantes, como fumaça de cigarro. As duas principais condições que contribuem para a DPOC são bronquite crônica, uma inflamação do revestimento dos brônquios devido ao acúmulo de muco, e enfisema, quando os pulmões perdem a elasticidade.
Segundo o novo estudo, coliderado pelo Instituto de Pesquisa Genômica Translacional (TGen), nos EUA, em pacientes de DPOC, as células que compõem o aparelho respiratório, incluindo as epiteliais que revestem os pulmões e as vias aéreas, têm mutações genéticas que acabam facilitando a entrada do Sars-CoV-2 no corpo, assim como a replicação do vírus. Dessa forma, é desencadeada a resposta imunológica fora de controle (a “tempestade de citocinas”) que faz com que o órgão se encha de fluidos, resultando na necessidade de respiradores e hospitalizações prolongadas.
Uma metanálise publicada na revista Plos One constatou que, entre os pacientes com DPOC diagnosticados com covid-19, 63% dos que tinham sintomas os relataram como graves, em comparação com 33,4% daqueles sem DPOC também infectados pelo Sars-CoV-2. Além disso, estudos recentes mostram que os pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica têm um risco quatro vezes maior de precisar de cuidados intensivos e/ou ventilação mecânica.
Fragilidade molecular
No novo estudo, os cientistas utilizaram a tecnologia de sequenciamento de RNA de célula única para decifrar o código genético de 611.398 células que integram mais de 80 bancos de dados mundiais. Os tecidos eram tanto de pessoas saudáveis (controle) quanto de pacientes de DPOC. A análise permitiu identificar as características moleculares que podem ser responsáveis pelos piores prognósticos da covid-19.
Segundo Nicholas Banovich, professor da Divisão Integrada de Genômica do Câncer da TGen e um dos autores do estudo, os resultados sugerem que pacientes de DPOC são “molecularmente preparados para serem mais suscetíveis à infecção por Sars-CoV-2”. Outros fatores de risco respiratórios para a gravidade da doença, lembra Banovich, são doença pulmonar intersticial (DPI) e fibrose pulmonar idiopática (FPI), uma cicatriz progressiva que vai causando o endurecimento do tecido pulmonar.
“Foi reconhecido, no início da pandemia, que os pacientes com doenças pulmonares crônicas apresentavam risco particularmente alto de covid-19 grave, e nosso objetivo era obter informações sobre as mudanças celulares e moleculares responsáveis por isso”, conta Jonathan Kropski, professor de medicina e biologia celular e do desenvolvimento no Centro Médico da Universidade de Vanderbilt, também nos EUA, e coautor do estudo. Para isso, os cientistas buscaram especificamente alterações nas AT2, um importante grupo de células epiteliais pulmonares, com foco nas vias celulares e nos níveis de expressão de genes associados à covid-19. Eles, então, estabeleceram uma “pontuação de entrada viral”, sendo que as mais altas estavam entre as células de pacientes com DPOC.
Além disso, os cientistas investigaram as mudanças nas células do sistema imunológico e descobriram a expressão gênica desregulada associada à hiperinflamação dos tecidos e à produção desordenada de citocinas, dois sintomas característicos da infecção grave por Sars-CoV-2. As chamadas “tempestades de citocinas” em pacientes com covid-19 desencadeiam uma cascata de células imunológicas que inundam os pulmões, causando danos graves ao órgão.
“As mudanças genéticas nas células imunes, especialmente em glóbulos brancos especializados conhecidos como células T, podem diminuir a resposta imune do paciente à infecção viral e levar a um maior risco de doença grave, além de prognósticos ruins em pacientes com doença pulmonar crônica”, disse, em nota, Linh Bui, pós-doutorado no laboratório de Banovich e um dos principais autores do estudo. “Nossos dados sugerem que o microambiente imunológico em ambos os níveis, molecular e celular, em pulmões danificados por doenças crônicas pode promover covid-19 grave.”
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