CIÊNCIA

Até 150 anos? Estudos investigam os limites do envelhecimento humano

Estudos trazem novas perspectivas sobre a longevidade humana. Há indícios, por exemplo, de que poderemos viver até os 150 anos

Vilhena Soares
postado em 11/07/2021 06:00
 (crédito: Pacífico/CB/D.A. Press)
(crédito: Pacífico/CB/D.A. Press)

Uma das perguntas que mais intrigam o homem é por quanto tempo podemos viver. Pesquisadores de todo o mundo buscam uma resposta para essa questão — e para outras dúvidas relacionadas à longevidade. Aos poucos, começam a desvendar alguns segredos. Um grupo internacional de cientistas, por exemplo, chegou à conclusão de que podemos chegar aos 150 anos de idade, período limite para que o corpo consiga se recuperar de enfermidades. Já pesquisadores americanos observaram que mais pessoas podem se tornar supercentenárias até o fim deste século e estimam até um possível recorde: 130 anos. Segundo especialistas, esses dados, além de refletir os avanços obtidos na área médica nas últimas décadas, podem contribuir para que um número maior de pessoas viva por mais tempo e com qualidade.

“As pessoas são fascinadas pelos extremos da humanidade, seja ir à Lua, seja a velocidade com que alguém pode correr nas Olimpíadas, seja até mesmo quanto tempo uma pessoa pode viver”, afirma ao Correio Michael Pearce, pesquisador e professor de estatística da Universidade de Washington, nos Estados Unidos. O cientista explica que o número de pessoas que vivem além dos 100 anos está aumentando há décadas, chegando a quase meio milhão em todo o mundo. Mas existem muito menos “supercentenários”, indivíduos que vivem 110 anos ou mais. “A francesa Jeanne Calment faleceu aos 122 anos em 1997 e, atualmente, a pessoa mais velha do mundo é a japonesa Kane Tanaka, com 118 anos”, detalha o pesquisador.

Pearce e sua equipe concluíram que essa longevidade extrema deverá aumentar lentamente até o fim deste século. “Nos deparamos com dados mais animadores do que imaginávamos”, conta. No estudo, publicado na revista Demographic Research, foi avaliado qual seria a maior expectativa de vida humana em qualquer lugar do mundo, até 2100. Os cientistas usaram estatísticas Bayesianas, uma ferramenta matemática para estudos probabilísticos, e informações do Banco de Dados Internacional sobre Longevidade. Criado pelo Instituto Max Planck de Pesquisa Demográfica, na Alemanha, o banco rastreia informações sobre supercentenários de diversos países.

Após análises e cálculos, o grupo estimou que o recorde mundial de 122 anos certamente será quebrado (100% de probabilidade) ainda neste século. Os especialistas também avaliam que é de 13% a probabilidade de alguém viver até os 130 anos, e que é “extremamente improvável” que algum indivíduo consiga chegar aos 135 anos até 2100. “O recorde de idade atual muito provavelmente será quebrado, e também acreditamos que o número de supercentenários vai crescer significativamente. Mesmo assim, pessoas que alcançam longevidade extrema ainda são consideradas raras o suficiente para representarem uma população selecionada, e, por isso, merecem uma atenção extra”, ressalta Pearce.

Henrique Neto, médico com atuação em endocrinologia e longevidade na clínica Viva Mais, em Brasília, acredita que as previsões devem ser cumpridas. “Os limites estabelecidos para a expectativa de vida humana sempre foram quebrados. Vimos isso acontecer com análises feitas principalmente entre o período de 1928 e 1990”, justifica. “Sem dúvidas, a possibilidade de ampliar a idade a esse ponto se deve aos avanços do conhecimento e de tratamentos médicos que tivemos ao longo do tempo.”

O médico relata que as pesquisas que tentam entender melhor o envelhecimento aumentaram nos últimos anos e têm sido bastante reconhecidas. “A longevidade é um assunto que vem sendo mais discutido e estudado. Um ponto crucial para um bom entendimento desse fenômeno está ligado ao estudo dos telômeros e da enzima que os protege, que é chamada de telomerase. As descobertas feitas nessa área até renderam a Elizabeth Blackburn o Prêmio Nobel de Medicina em 2009”.

A expectativa do especialista brasileiro é que surjam outros trabalhos científicos também expressivos, além de um efeito maior dessas descobertas sobre a vida das pessoas. “Essas informações novas nos direcionam para o desenvolvimento de um modelo de vida supercentenário, em que vamos buscar a manutenção constante da nossa biologia. Apesar do imparável avanço da idade cronológica, a medicina da longevidade nos mostra que temos que buscar alternativas que nos garantam uma vida mais ativa, duradoura, abundante e feliz.”

Resiliência

Outro grupo de cientistas apostou em análises do envelhecimento biológico para descobrir até onde vai a longevidade humana. O foco, dessa forma, foram os desgastes do organismo a nível celular, e não pelos anos vividos. Para isso, eles coletaram amostras de sangue de 544.398 pessoas nos Estados Unidos, na Rússia e no Reino Unido e avaliaram marcadores sanguíneos e metilação (alteração) de DNA, entre outras mudanças biológicas.

Os dados levaram ao desenvolvimento de uma única variável para descrever a idade biológica, chamada Indicador Dinâmico do Estado do Organismo (DOSI, em inglês), que aponta a capacidade do corpo de se recuperar de estresses, como as doenças. Os pesquisadores observaram que as flutuações do DOSI aumentam com a idade. Um indivíduo de 80 anos, por exemplo, pode levar três vezes mais tempo para se recuperar de uma complicação, quando comparado a alguém com 40 anos.

O estudo também estima que, em algum lugar entre a idade de 120 e 150 anos, a resiliência humana está completamente perdida, algo observado mesmo em pessoas que não apresentaram doenças graves ao longo do tempo. “Esse trabalho explica por que mesmo a prevenção e o tratamento mais eficazes de doenças relacionadas à idade podem apenas melhorar a média, mas não a expectativa de vida máxima”, afirma, em comunicado, Andrei Gudkov, pesquisador do Centro de Pesquisa Médica Roswell Park, nos Estados Unidos, e autor do estudo, feito em parceria com cientistas de Singapura e da Rússia.

Os autores acreditam que esses dados podem ser usados como base para o desenvolvimento de métodos que ajudem a manter a resiliência do organismo por mais tempo. “O DOSI abre as portas para pesquisas diversas. Nossos dados podem iluminar o caminho quando se trata não apenas de maximizar a expectativa de vida, mas também de buscar por maior qualidade de vida durante esse período”, afirmam no artigo divulgado, recentemente, na revista Nature Communications.

Para Leandro Freitas Oliveira, neuropsicólogo, o trabalho é interessante e inovador — pois apresenta um novo marcador relacionado ao estresse. “Esse estudo abre um novo leque para a ciência. Ele pode nos ajudar a entender melhor o processo de envelhecimento e pensar em estratégias para o manejo clínico. A partir do momento em que temos como acompanhar e quantificar os danos sofridos pelo corpo, conseguimos pensar em intervenções para atenuá-las”, justifica.

O especialista ressalta que as pesquisas na área de longevidade humana caminham com o mesmo objetivo: “Queremos, sim, viver mais, mas precisamos ter qualidade de vida. É isso que todos os especialistas buscam. Por isso que vemos tantas pesquisas que buscam tratamentos para doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson. Compreender melhor o envelhecimento do corpo vai nos ajudar a chegar a esse objetivo.”

Chance de intervir

A escolha se deu devido à descoberta do mecanismo que protege os telômeros, sequências de DNA presentes nas pontas dos cromossomos. Já se sabia que o envelhecimento humano está relacionado à diminuição dessas estruturas, mas Elizabeth Blackburn e dois colegas — Jack Szotak e Carol Greider — estudaram o tema mais a fundo e descobriram a enzima telomerase, que ajuda a proteger essas peças importantes do organismo humano. Com base nessa informação, espera-se que surjam tratamentos que ajudem a impulsionar a produção dessa enzima e, dessa forma, evitar que o corpo se desgaste.

 

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