Em 3 de novembro de 1906, um psiquiatra e neuroanatomista do Hospital Psiquiátrico de Frankfurt subiu à tribuna do 37º Encontro Anual de Psiquiatras Alemães, em Tubingen, para relatar um caso acompanhado por ele em 1901. Uma mulher de 50 anos, Auguste D., foi admitida na instituição com sintomas de paranoia, sonolência, perda de memória, agressão e confusão.
A autópsia da paciente, morta cinco anos depois, revelou acúmulo de placas e emaranhados de fibras no cérebro. A apresentação, chamada “Um processo peculiar de doença grave do córtex cerebral”, não despertou interesse e, sem receber nenhuma pergunta, o Dr. Alois Alzheimer desceu do palco, sem saber que, 115 anos depois, a doença que leva seu nome seria uma das mais estudadas no mundo. E que, passado tanto tempo, a ciência ainda não teria uma cura para ela.
O que Alzheimer viu nas amostras de Auguste D. e de outros quatro pacientes estudados por ele é o que, até hoje, está sob os microscópios dos pesquisadores que buscam freneticamente um tratamento eficaz para a doença (Veja infográfico). As placas se formam quando a proteína beta amiloide sofre modificações moleculares e passa a se acumular pelo cérebro. “Imagine uma lasca de vidro afiada e pegajosa ao mesmo tempo. Essa substância se deposita entre as células, formando placas”, descreve o médico geriatra Otávio Castello, presidente da regional DF da Associação Brasileira de Alzheimer. Isso reduz a comunicação dos neurônios, provocando a morte e a disfunção deles.
Já os emaranhados de fibras acontecem dentro das células e estão associados a outra proteína, a tau. Ela é o esqueleto de uma estrutura do neurônio chamada microtúbulo — “uma espécie de esteira rolante que transporta coisas por distâncias longas”, na definição de Castello. Na doença, uma desorganização da proteína faz com que o microtúbulo se desfaça, provocando a morte neuronal. Juntas, as anomalias na beta amiloide e na tau são as características fisiológicas mais marcantes da doença e, há 30 anos, os principais focos dos testes de medicamentos que, porém, têm decepcionado. Entre médicos e pesquisadores há, hoje, o entendimento de que a peça-chave para se chegar à cura da doença pode estar em outro lugar.
“Do ponto de vista clínico, temos as mesmas medicações há praticamente duas décadas”, destaca Maísa Kairalla, especialista em geriatria pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “E são medicações que, na verdade, não modificam o curso da doença. Elas são sintomáticas, acima de tudo para tratamento das alterações comportamentais, que são extremamente comuns durante a evolução da doença de Alzheimer. Não há nada realmente curativo”, diz.
Para se ter uma ideia, entre 2002 e 2012, 412 substâncias foram testadas e 255 chegaram à fase 3, a última antes da aprovação de um medicamento. Dessas, nenhuma funcionou. Atualmente, há 126 agentes em 152 estudos para a enfermidade. Desses, 28 na fase 3; 74, na 2; e 24, na 1. A maioria das drogas nos ensaios foca a biologia por trás da doença, com a intenção de modificar seu curso, segundo um artigo da Universidade de Nevada, em Las Vegas. Recentemente, uma decisão polêmica do Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, aprovou o primeiro remédio com indicação para tratar a doença, e não apenas os sintomas. Porém boa parte da comunidade médica ficou insatisfeita devido aos resultados insatisfatórios que levaram a essa decisão, e os funcionários responsáveis pela aprovação foram afastados do órgão (Leia entrevista).
Células da glia
“Os médicos hoje estão estudando os efeitos terapêuticos da amiloide e da tau, mas participei de um estudo no qual o resultado sugere outra participação importante: a das células da glia, que estão envolvidas em cada etapa do processo. A compreensão aprimorada das células da glia e de seus papéis na neurodegeneração progressiva pode fornecer novas oportunidades para o tratamento dessa doença”, diz Forest White, do Centro de Pesquisa Neurodegenerativa ASU-Banner, nos EUA. Ele é coautor de um estudo recente, publicado na revista Nature Aging, que explora o perfil molecular detalhado de mudanças em níveis proteicos e alterações conhecidas como fosforilação de proteína em uma coorte de pacientes com tecido cerebral bem preservado.
A análise dos pesquisadores destaca a associação entre o acúmulo das proteínas tóxicas, a neurodegeneração e as células gliais, que sustentam e protegem os neurônios no cérebro. Em particular, eles encontraram uma ligação intrigante entre marcadores de destruição neuronal e dois tipos de células gliais: oligodendrócitos e microglia. Alterações progressivas nessas células podem ser a chave para a compreensão das causas da neurodegeneração, sustenta White.
“Embora a hipótese da amiloide e da tau sejam apoiadas por consideráveis estudos genéticos e de biomarcadores, os dados de ensaios clínicos fracassados sugerem que outros alvos potenciais devem ser explorados”, destaca Jiong Shi, professor da Clínica Cleveland, em Nevada, e autor de um artigo publicado na revista British Medical Journal chamado Doença de Alzheimer além da amiloide: estratégias para intervenções futuras. “Precisamos explorar áreas promissoras de pesquisa que visam às mudanças patológicas associadas à doença de Alzheimer e afetam o desempenho cognitivo, como fatores de risco vascular e inflamatório. Se isso se correlaciona ou não com a deposição de biomarcadores é algo que requer uma investigação mais aprofundada.”