O câncer de mama é o tipo de tumor que mais acomete as mulheres, e, apesar dos avanços no tratamento obtidos nos últimos anos, muitas pacientes enfrentam o problema mais de uma vez. Especialistas buscam uma saída para impedir esse retorno, que costuma ser ainda mais severo. Uma das apostas é o uso de um medicamento focado em mutações relacionadas à doença. Resultados dessa abordagem foram apresentados na última edição do Congresso Anual da Sociedade Americana de Oncologia (Asco), que se encerra hoje. No encontro, o maior evento do tipo no mundo, os especialistas também detalham os efeitos de uma nova droga no combate ao mesmo câncer, mas em estágio de metástase.
No estudo que visa evitar a recidiva, testou-se o medicamento olaparibe em pacientes com tumores de mama provocados pelas mutações BRCA1 e BRCA2, que têm causa hereditária e aumenta o risco de recidiva. “Estudos anteriores mostraram que esses genes são semelhantes a mutações relacionadas também a outros tumores, como o de próstata e o de pâncreas, em que esse medicamento já é usado. Isso justifica a nossa suspeita e a razão de avaliarmos o medicamento”, relatam os autores do estudo, que foi liderado por Andrew Tutt, do King’s College London, no Reino Unido.
Foram selecionadas 1.836 pacientes em 420 centros de pesquisa de 23 países. Após passar por tratamentos como cirurgia, imunoterapia e radioterapia, metade das participantes recebeu, durante um ano, o medicamento olaparibe. A outra parte, placebo. Ao fim, os especialistas observaram redução de 42% na recorrência do tumor nas pacientes que tomaram o remédio. “É a primeira vez que um medicamento dessa classe, que chamamos de inibidor de PARP, reduziu significativamente o risco de retorno do câncer de mama em pacientes de alto risco após a conclusão da quimioterapia, da cirurgia e da radioterapia padrão”, enfatizam os autores do estudo, também publicado revista especializada New England Journal of Medicine.
Embora o olaparibe também tenha sido associado a 27 mortes a menos, quando considerado o grupo placebo, os pesquisadores frisam que é necessário um acompanhamento mais longo da abordagem para avaliar o impacto dela na sobrevida global. O grupo avalia que dar foco aos genes associados ao tumor é o maior ganho do estudo atual. “Isso nos mostra que usar esses biomarcadores como alvo é algo que pode fazer diferença no tratamento do câncer de mama”, ressaltam.
Para Max Mano, oncologista do Grupo Oncoclínicas, em São Paulo, os dados do estudo são relevantes e chamam a atenção pelo perfil avaliado. “É uma pesquisa revolucionária, principalmente pela grande dificuldade de selecionar as pacientes. Esses genes causam apenas 10% dos tumores de mama e identificá-los exige uma minuciosa testagem genética, uma tarefa que é bastante cara e difícil”, justifica. O médico ressalta que, caso seja aprovada, a terapia pode ser uma boa estratégia. “Esse é um medicamento que já é usado para tratar outros tumores quando estão em fase avançada. Uma vez aprovado para esse tipo de câncer, seria um grande ganho porque, quando o tumor de mama retorna, isso acontece já com metástase, e nosso objetivo é evitar que isso ocorra.”
Bruna Zucchetti, oncologista clínica do Hospital Nove de Julho, em São Paulo, também avalia que os resultados são animadores, mas lembra que, para que o medicamento possa ser usado, algumas barreiras precisam ser vencidas. “É uma supercarta na manga. Porém, aqui no Brasil, ainda temos um grande entrave: poucas pacientes são testadas para essas mutações. O exame é caro e não coberto pelo SUS. O ideal seria testar todas as pacientes para saber qual delas podem usar esse medicamento e ter esses benefícios”, explica.
Quimioterapia
Além do sucesso no combate à reincidência do câncer de mama, outro medicamento apresentando no Asco indica efeitos significativos para tratar tumores metastáticos. Trata-se da molécula dalpiciclibe, que faz parte de uma classe de medicamentos chamados inibidores de ciclina. Ao ser “silenciada”, essa proteína impede que as células tumorais se dividam e propaguem com velocidade no organismo humano.
No estudo, os cientistas selecionaram 361 pacientes que foram submetidas a um tratamento de 21 dias. “Obtivemos um aumento da sobrevivência sem progressão da doença e uma redução em 53% da necessidade de recorrer à quimioterapia, que é um tratamento mais severo”, relata a equipe liderada por Binghe Xu, pesquisador da Academia Chinesa de Ciências Médicas.
Bruna Zucchetti avalia que a abordagem, mesmo que interessante, precisa ser testada em uma quantidade maior de pessoas. “Já temos no mercado esse mesmo tipo de droga, e alguns estudos do Asco reforçaram que o uso de duas delas, a ribociclibe e palpociclibe, tem gerado resultados positivos. É bom termos uma outra opção, mas os dados são ainda pequenos. Precisamos de mais informações para ter certeza desses ganhos, com mais de mil pessoas pelo menos”, diz.