Se a história da criatividade nos ensina alguma coisa, é que as grandes ideias geralmente surgem quando menos esperamos.
Veja o caso de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), que contava que as melodias chegavam até ele enquanto estava comendo em um restaurante, caminhando para fazer a digestão ou se preparando à noite para dormir.
"Aquelas que me agradam, eu guardo e até murmuro; pelo menos, foi o que me disseram", ele escreveu.
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"Me parece impossível dizer de onde vêm e como chegam até mim; o fato é que não consigo fazê-las vir quando quero."
E não foi apenas Mozart que vivenciou esse fenômeno.
O matemático francês Henri Poincaré (1854-1912) relatou como fez descobertas durante viagens de ônibus ou caminhadas à beira-mar, enquanto a escritora inglesa Agatha Christie (1890-1976) teve muitas ideias para suas histórias de crime enquanto lavava a mão ou tomava banho.
"Não acho que a necessidade seja a mãe da invenção", escreveu ela em sua autobiografia. "A invenção, na minha opinião, surge diretamente do ócio, possivelmente também da preguiça."
Os psicólogos parecem concordar. Há fortes evidências de que os insights criativos têm muito mais probabilidade de ocorrer após um período de "incubação" — no qual você se concentra em algo totalmente diferente do trabalho em questão, enquanto seu cérebro trabalha nos bastidores.
Isso pode incluir dar um passeio, fazer tarefas domésticas ou tomar um banho. Até mesmo nossa procrastinação no trabalho — como assistir a vídeos engraçados no YouTube — pode ser útil para a solução dos nossos problemas, desde que seja feita com moderação.
Pensamento livre
Há muitas razões pelas quais um período de incubação pode levar a ideias inovadoras e criativas.
De acordo com uma das principais teorias, depende do poder da mente inconsciente: quando deixamos nossa tarefa de lado, o cérebro continua a procurar soluções inconscientemente, até que uma solução apareça.
Tão importante quanto, um período de incubação nos permite obter alguma distância psicológica da tarefa em questão.
Quando você passa muito tempo se concentrando em um problema, pode ficar obcecado por certas soluções óbvias.
O período de incubação ajuda a ampliar seu foco mental para que você seja capaz de fazer conexões e voltar ao problema com uma nova perspectiva.
Curiosamente, a incubação pode funcionar melhor quando sua mente está distraída com uma tarefa envolvente, mas relativamente fácil, de modo que tenha espaço suficiente para vagar livremente.
Em 2012, o psicólogo Benjamin Baird e seus colegas colocaram essa ideia à prova com um experimento engenhoso.
Os participantes foram primeiramente solicitados a fazer um teste clássico de criatividade chamado "Tarefa de Usos Incomuns".
Como o nome sugere, o objetivo é encontrar o maior número possível de usos surpreendentes para um objeto comum, como um tijolo ou um cabide.
Depois de alguns minutos de brainstorming, era chegada a hora de um período de incubação. Alguns estudantes tiveram permissão para descansar por 12 minutos.
Outros foram submetidos a um teste pouco exigente, no qual foram apresentados a uma série de dígitos e tiveram que dizer, de forma intermitente, se o número era par ou ímpar.
Isso é semelhante a fazer uma tarefa doméstica, como lavar a louça — requer um pouco de foco, mas ainda permite muito espaço para a mente divagar.
Um terceiro grupo recebeu uma tarefa mais difícil, em que os participantes tiveram que manter os números na memória por um curto período, antes de dar suas respostas.
Em termos de esforço mental necessário, esta última atividade está mais próxima do pensamento concentrado que normalmente temos no trabalho; não deixa muito espaço mental para divagar.
Depois que o período de incubação de 12 minutos terminou, todos os participantes voltaram ao teste de criatividade de usos incomuns — e receberam pontuações pela originalidade de suas soluções.
Os benefícios de realizar uma tarefa pouco exigente durante o período de incubação foram impressionantes — esses participantes apresentaram um aumento de 40% na criatividade de suas ideias para as questões que haviam considerado anteriormente.
É importante ressaltar que não houve benefícios para os participantes que não fizeram nada durante o período de incubação, tampouco para aqueles cujas mentes estavam mais ocupadas com o desafio de memória operacional.
Nenhum desses dois grupos teve um desempenho melhor do que os estudantes que continuaram com o brainstorming sem um período de incubação.
Pode parecer surpreendente que o período de puro descanso não tenha estimulado mais a criatividade, mas Baird suspeita que precisamos de alguma distração para provocar a quantidade ideal de divagação mental.
Segundo ele, se não tivermos literalmente nada para fazer, nossos pensamentos podem se tornar logicamente sequenciais demais (já que você pode pensar em um determinado assunto em detalhes).
Para a criatividade, o que você realmente precisa é de um pensamento mais solto e menos focado — e isso parece vir com um leve envolvimento em uma tarefa pouco exigente.
Procrastinação produtiva
Essa é uma boa notícia para os procrastinadores, uma vez que muitas das atividades que são consideradas uma "perda de tempo" podem oferecer o nível ideal de distração para aguçar a criatividade.
O segredo é usar a distração com moderação, como mostrou um estudo recente dos professores de administração americanos Jihae Shin e Adam Grant.
Os pesquisadores pediram primeiramente aos participantes que refletissem sobre as melhores maneiras de um estudante empreendedor gastar US$ 10 mil para abrir uma nova empresa, que eles teriam que transformar em uma proposta de negócio.
Para induzir a procrastinação, os participantes também receberam links para vídeos engraçados do YouTube do programa Jimmy Kimmel Live, que eles poderiam acessar facilmente durante o exercício.
Os pesquisadores compararam então o quanto eles procrastinaram com a originalidade de suas propostas.
O gráfico resultante parecia com um 'U' de cabeça para baixo.
As pessoas que fizeram algumas pausas curtas para assistir aos vídeos tendiam a ter ideias muito mais criativas do que aqueles que procrastinaram muito ou quase nada, reforçando a ideia de que níveis moderados de distração podem desencadear pensamentos inovadores.
Ao testar o princípio em um ambiente de trabalho, Grant e Shin questionaram funcionários e supervisores de uma empresa de design sul-coreana sobre seus hábitos de trabalho e performance criativa.
Em consonância com os resultados do experimento em laboratório, os procrastinadores moderados tiveram ideias mais originais do que os colegas, que permaneceram concentrados nas tarefas do dia.
Como 'perder tempo' criativamente
Quer você seja um romancista iniciante, um publicitário da área de criação, um estrategista ou um professor que espera criar planos de aula mais originais, vale a pena ter em mente esses resultados.
Diante de um prazo iminente, podemos temer perder tempo ao nos afastar da tarefa em questão.
Mas isso vai ser contraproducente, e você não deve se culpar por ter alguns momentos de distração agradáveis ou deixar a tarefa de lado por completo enquanto permite que uma solução apareça.
Os gestores também podem tomar nota. Em vez de repreender os funcionários por fazerem uma pausa no dia de trabalho, devem incentivá-los ativamente.
Há muitas maneiras de fazer isso. Por exemplo, os pesquisadores Marily Oppezzo e Daniel Schwartz, da Universidade de Stanford, nos EUA, descobriram que caminhar estimula o pensamento divergente, fornecendo novas perspectivas sobre quaisquer questões que ocupem a mente.
Curiosamente, os efeitos da caminhada que induzem a criatividade são semelhantes, seja em ambientes internos ou externos.
As lideranças podem, portanto, projetar um espaço de trabalho que estimule os funcionários a dar mais caminhadas.
A nova sede da Apple, inaugurada em maio de 2017, pode ser o exemplo perfeito disso.
O Apple Park é circular — tem 1,6 km de circunferência e 461 m de diâmetro; e engloba um parque paisagístico de 12 hectares onde os funcionários podem passear quando não estão caminhando até o café, o centro de bem-estar ou o teatro.
Como bônus, esse tipo de layout promove encontros e conversas casuais com colegas, que podem servir como uma distração criativa, e que também podem levar à troca de ideias complementares e projetos de pesquisa de enriquecimento mútuo.
Sem fazer nenhum pedido explícito, a empresa está incentivando a adoção de comportamentos que são conhecidos por aumentar a criatividade — uma meta que era fundamental para a visão de Steve Jobs do parque.
E parece funcionar: a Apple é a empresa mais valiosa do mundo, com valor de mercado de US$ 2 trilhões, e é constantemente citada como a companhia mais inovadora do planeta.
É claro que nem todas as empresas podem bancar um espaço assim — e muitos funcionários agora estão trabalhando remotamente.
Mas os gestores podem promover a procrastinação moderada de outras maneiras, como agendando intervalos regulares para café durante reuniões ou até mesmo investindo em cápsulas para soneca, como pode ser visto nos escritórios do Google.
Há boas evidências de que períodos curtos de sono também podem aumentar a criatividade quando você está pensando em um problema, da mesma forma que a procrastinação.
No mínimo, as lideranças devem evitar repreender os funcionários pelos momentos de distração.
Em um ambiente de trabalho cada vez mais competitivo, precisamos mais do que nunca de pensamento inovador.
Mas isso só será possível se permitirmos que nossa mente consciente se distraia e vagueie livremente de vez em quando.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Work Life.
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