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PESQUISA

Pandemia reduz exercícios físicos e diminui o bem-estar mental

Estudo com moradores de 14 países, incluindo o Brasil, mostra que, com o isolamento social, dois terços das pessoas não conseguiram manter o nível habitual de atividades físicas, e 73% passaram a sentir prejuízos psicológicos, como desânimo e falta de energia

Pesquisa feita em 14 países, incluindo o Brasil, mostra uma redução na prática de atividades físicas durante a pandemia e também uma diminuição significativa no bem-estar psicológico. A equipe internacional de cientistas analisou os dados de milhares de pessoas que responderam a um questionário on-line com itens sobre saúde física e mental. De forma geral, mais de dois terços dos participantes não conseguiram manter o nível habitual de atividades físicas durante o isolamento, e 73% afirmaram que o bem-estar psicológico piorou. Detalhes do trabalho foram publicados na última edição da revista especializada Frontiers in Medicine e, segundo os autores, devem ser usados por autoridades para evitar que os prejuízos se repitam em crises sanitárias semelhantes.

“Os governos e os responsáveis pelos sistemas de saúde devem levar nossas descobertas a sério”, enfatiza, em comunicado, Jan Wilke, pesquisador do Instituto de Ciências do Esporte da Goethe Universidade de Frankfurt, na Alemanha, e principal autor do estudo. Os questionários foram respondidos, entre abril e maio de 2020, por moradores de Austrália, Áustria, Argentina, Brasil, Chile, França, Alemanha, Itália, Holanda, África do Sul, Cingapura, Suíça, Espanha e Estados Unidos. As conclusões sobre a prática de atividades físicas se referem às respostas de 13.500 participantes. As sobre bem-estar físico e mental envolvem dados de 15 mil pessoas.

Por meio das análises, os pesquisadores observaram que mais de dois terços dos avaliados não conseguiram manter o nível habitual de exercício físico. A prática de exercícios moderados — que inclui qualquer atividade que aumente a frequência cardíaca e a respiração, como caminhada rápida, corrida, ciclismo e até mesmo jardinagem — diminuiu, em média, 41%. A proporção de exercícios vigorosos — em que as pessoas suam e ficam sem fôlego — caiu de forma semelhante: 42%.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda pelo menos 150 minutos de atividade física moderada ou 75 minutos de atividade física intensa por semana. Antes da pandemia, 81% dos participantes conseguiam cumprir essa meta. Durante o isolamento, a taxa caiu para 63%. O declínio foi particularmente notável entre as pessoas com mais de 70 anos — na pandemia, elas estão de 56% a 67% menos ativas. “Sabemos que a inatividade física, especialmente em pessoas mais velhas, pode levar a mudanças difíceis de reverter depois de apenas duas semanas. Por exemplo, no percentual de gordura corporal ou na sensibilidade à insulina”, alertam os autores.

A equipe sugere investimentos em educação e oferta de programas eficazes de exercícios em casa como medidas a serem adotadas para evitar que o problema se repita. “Infelizmente, a atividade física e os exercícios não têm um lobby forte e, geralmente, são negligenciados no discurso público”, diz Wilke. “Os decisores governamentais e de temas ligados à saúde precisam desenvolver estratégias para mitigar a perda de atividade física e mudar esse cenário enquanto há tempo”, defende a equipe.

Anderson Dornelas, educador físico, também avalia que as políticas públicas são essenciais para reverter o cenário atual. “Apenas com uma orientação de base, feita nas escolas, podemos quebrar um paradigma antigo, de que a atividade física é usada apenas para cunho estético. O exercício é terapêutico, ele nos permite ter uma vida saudável, nos protege. Temos visto pesquisas que mostram que quem não é sedentário corre menor risco de ter covid-19 grave, esse é um bom exemplo”, enfatiza. “Com esse tanto de tecnologia disponível, precisamos nos movimentar menos cada vez mais, e isso é algo que precisa ser combatido.”

Mulheres

O especialista lembra que os ganhos ao se exercitar também chegam à saúde mental. “Quando nos movimentamos, isso atua na produção de hormônios que ajudam o cérebro a funcionar melhor. Então, temos dois ganhos essenciais para vivermos períodos como o atual”, explica. A segunda parte do estudo internacional mostra a necessidade desses benefícios. Os pesquisadores concluíram que 73% dos participantes afirmaram que o bem-estar piorou durante o isolamento.

De acordo com os investigadores, as pessoas relataram que se sentiam menos “ativas e cheias de energia” e que levavam uma vida menos “cheia de coisas interessantes”. A proporção de pontuações muito baixas, indicando um possível risco de depressão, triplicou: de 15% para 45%. “Esses efeitos foram mais fortes entre mulheres e pessoas mais jovens. Mais atenção deve ser dada às necessidades das mulheres em particular, já que elas são significativamente mais vulneráveis”, defendem. Por outro lado, de 14% a 20% dos entrevistados afirmaram que a saúde melhorou. Os autores observaram que essa avaliação estava ligada ao fato de eles terem ganhado mais tempo para a família e maior autonomia no trabalho, além de terem reduzido as viagens de trabalho.

Os autores avaliam que os resultados desse primeiro estudo multinacional são relevantes para mais 4 bilhões de pessoas que foram afetadas pelas restrições da primeira onda da covid, em 2020. Por isso, eles defendem a realização de novos estudos a fim de avaliar o tema mais a fundo. A equipe também considera que o estudo tem limitações, já que os dados foram coletados predominantemente por meio de mídia eletrônica, o que fez com que populações sem internet não fossem incluídas e impediu a diferenciação com base em fatores como ambiente de vida, educação e posição social. “Além disso, os dados foram colhidos por meio de autoavaliações, não em medições, o que pode distorcer percepções retrospectivas em particular. Mesmo assim, nossos resultados mostram que as questões de atividade física e bem-estar mental precisam fazer parte da agenda política”, enfatiza Wilke.