Uma minúscula molécula do sistema imune se mostrou promissora no combate à covid-19 em testes laboratoriais. Pesquisadores americanos aplicaram um nanocorpo, uma espécie de anticorpo monoclonal de tamanho reduzido, diretamente nas vias nasais de ratos infectados pelo Sars-CoV-2. A estratégia terapêutica deu certo: o medicamento reduziu em um milhão de vezes as partículas do vírus presentes no organismo das cobaias e impediu a ocorrência de danos severos. Os resultados foram detalhados na última edição da revista Science Advances e, segundo a equipe de cientistas, abrem as portas para o desenvolvimento de uma terapia eficaz e mais barata contra o novo coronavírus.
De acordo com os autores do estudo, o experimento é o primeiro a testar o uso de nanocorpos por inalação como um tratamento da infecção pelo Sars-CoV-2 em um modelo pré-clínico (em cobaias não humanas). Antes dos experimentos, eles avaliaram um grupo de mais de 8 mil nanocorpos que, em testes in vitro, se mostraram eficazes no combate ao agente da covid-19. Chegaram ao melhor elemento, o Nb21, e o modificaram, com ferramentas da bioengenharia, para potencializar ainda mais sua ação antiviral. “Após aperfeiçoá-lo, batizamos nosso produto final de PiN-21. Podemos dizer que ele é, de longe, o nanocorpo antiviral mais potente contra o Sars-CoV-2 visto até agora”, enfatizam.
Doses baixas de PiN-21 em formato aerossol foram aplicadas nas vias nasais de ratos infectados pelo Sars-CoV-2. O medicamento reduziu o número de partículas de vírus infecciosos presentes nas cavidades nasais, na garganta e nos pulmões das cobaias em um milhão de vezes, em comparação a animais tratados com um nanocorpo que não consegue neutralizar o coronavírus (placebo). “As cobaias que receberam nanocorpos de PiN-21 em aerossol também tiveram alterações mais leves na estrutura do pulmão e um menor grau de inflamação do que aquelas que receberam o placebo”, relatam os cientistas.
A terapia também protegeu os roedores de uma severa perda de peso, que é tipicamente associada à infecção grave pelo Sars-CoV-2. Ao contrário, os animais tratados com placebo perderam até 16% do peso corporal após uma semana de infecção. “Para o ser humano adulto médio, a taxa de perda de peso corresponderia a perder cerca de 9kg por semana”, comparam.
Os resultados iniciais animaram a equipe. “Ao usar uma terapia de inalação que pode ser administrada diretamente no local da infecção — no trato respiratório e nos pulmões —, podemos tornar os tratamentos mais eficientes”, afirma, em comunicado, Yi Shi, professor-assistente de biologia celular na Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo. “Estamos muito empolgados e encorajados com os dados sugerindo que o PiN-21 pode ser altamente protetor contra doenças graves e também prevenir a transmissão viral de pessoa para pessoa”, complementa.
Baixo custo
Até chegar à administração do nanocorpo pelas vias nasais, os cientistas tiveram que superar vários desafios técnicos. Para serem aplicadas no nariz, as partículas precisam ser pequenas, mas não ao ponto de se agruparem, o que enfraqueceria o seu efeito. Também têm que ser fortes o suficiente para resistir a pressão usada durante a aplicação. “Os nanocorpos PiN-21, que são aproximadamente quatro vezes menores do que os anticorpos monoclonais típicos, apresentam essas valiosas características e são perfeitamente adequadas para a tarefa”, afirmam os autores.
Outra vantagem é que eles são de baixo custo e, por isso, podem ser produzidos em escala industrial. Há ainda a possibilidade de modificá-lo sem muitas dificuldades — para adaptá-lo, por exemplo, às prováveis mudanças na estrutura do novo coronavírus. Os investigadores acreditam que esses fatores são essenciais para gerar terapias que contribuam para o combate ao Sars-CoV-2.
Para Claudia França Cavalcante Valente, membro do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), a forma de administração é um dos principais destaques da pesquisa. “É algo que já rendeu resultados positivos no tratamento de outras doenças. Hoje em dia, a maioria das terapias para asma é feita dessa forma, com corticoides aplicados por via nasal. Com o uso desse método, os efeitos colaterais foram reduzidos e os efeitos esperados, mais fortes. Isso porque você vai direto para o órgão mais atingido, que é o pulmão”, explica. “No caso da covid-19, os maiores danos gerados ao organismo são respiratórios, então faz muito sentido usar esse mesmo caminho.”
A médica acredita que o uso de anticorpos criados em laboratório será cada vez mais explorado em pesquisas médicas diversas. “No início, era uma terapia voltada quase exclusivamente para o câncer, mas, agora, ela é usada no tratamento de outras enfermidades, como as doenças reumatológicas, a dermatite atópica, entre outras. Faz muito sentido que isso seja testado para a covid-19, mas é preciso criar estratégias tendo em mente o valor de produção, que precisa ser baixo. Essas terapias precisam ser acessíveis.”