Deixar de sentir os sintomas característicos de um quadro de covid-19 leve e até mesmo ter alta após um tratamento mais robusto contra a doença nem sempre são sinais de que a batalha contra o Sars-CoV-2 está vencida. Crescem os casos de pessoas enfrentando a chamada covid de longa duração, quando as complicações causadas pela infecção pelo Sars-CoV-2 duram meses. Fadiga, dor de cabeça e falta de ar são alguns dos problemas enfrentados por esses indivíduos. Mas não para por aí. Um estudo da Cardiff University, no Reino Unido, mostra o impacto dessas sequelas em quem vive de perto com os pacientes. Familiares relatam um “fardo secundário enorme” depois da chegada do novo coronavírus às suas casas, marcado por preocupação excessiva, dificuldade para dormir e mudanças na vida sexual, entre outras queixas.
Para traçar esse cenário, a equipe de Cardiff, em parceria com cientistas da University of Hertfordshire, também no Reino Unido, entrevistou mais de 700 sobreviventes da covid-19, além dos(as) parceiros(as) e parentes próximos. Os resultados, publicados na edição de hoje da revista médica BMJ Open, sugerem que a qualidade de vida da família de quem tem covid prolongada é “severamente afetada”, o que demanda um grande sistema de apoio para todos os envolvidos.
“Todos nós vimos o impacto devastador que a covid prolongada pode ter sobre os sobreviventes, mas ouvimos muito pouco sobre como isso pode afetar a vida de seus entes queridos. Nosso estudo revela um efeito dominó desde os próprios pacientes até todos aqueles mais próximos. Esse efeito vai afetando tudo, desde o quão preocupados e frustrados eles se sentem até a sua capacidade de desfrutar das atividades familiares”, enfatiza, em comunicado, Rubina Shah, estudante de doutorado na Escola de Medicina da Universidade de Cardiff e autora principal do estudo.
Shah e a equipe analisaram dados de um questionário on-line respondido por 1.470 pessoas. Dessas, 735 eram sobreviventes da covid-19 e apresentavam complicações cerca de 12 semanas após o diagnóstico da doença, 571 eram parceiros(as) dos(as) infectados e 164 membros da família. O maior impacto sobre o grupo foi “sentir-se preocupado” — 94% relataram o problema. Em seguida, vêm queixas sobre mudanças nas atividades familiares (83%), sentimentos de frustração (82%), tristeza (78%), comprometimento do sono (69%) e da vida sexual (68%). Houve também reclamações ligadas à vida financeira — mais da metade dos entrevistados, 56%, relatou um aumento nas despesas familiares.
A equipe de cientistas também percebeu diferenças da percepção dos impactos da covid-19 prolongada conforme o gênero de quem respondeu ao questionário. As mulheres, por exemplo, relataram se sentir mais tristes, além de perceberem maior comprometimento nos deslocamentos diários e no sono. O impacto na vida sexual foi experimentado mais significativamente pelos homens.
Suporte
Para os pesquisadores, as descobertas sugerem que os formuladores de políticas devem considerar o treinamento e a contratação de uma variedade de serviços de apoio pós-covid, incluindo o aconselhamento de saúde mental. “O impacto dessa doença pode ser profundo e duradouro. Para ajudar a aliviar esse fardo, é preciso haver um sistema de suporte holístico, que seja sensível às necessidades dos sobreviventes e de suas famílias”, afirma Rubina Shah. A cientista lembra ainda que a demanda por esses serviços tende a aumentar. O órgão de estatísticas britânico, o Office for National Statistics, estima que 20% dos infectados apresentam sintomas de covid prolongada cinco semanas após a infecção inicial. O problema acomete uma a cada sete depois de 12 semanas.
Billie-Jo Redman, 27 anos, é uma delas. Após a infecção por covid, a moradora de Essex, um condado da Inglaterra, sofre fadiga e névoa cerebral diariamente. Como, às vezes, a frequência cardíaca aumenta muito, ela precisa usar um monitor cardíaco 24 horas por dia. “Parece que minha vida acabou. Eu costumava sair em aventuras com meu filho. Agora, há dias em que não consigo nem levá-lo para a escola. Isso teve um efeito trágico em nossa vida diária”, lamenta, em comunicado divulgado pela universidade britânica.
A jovem conta que não tinha problemas de saúde. Testou positivo para o Sars-CoV-2 em 9 de janeiro e apresentou os sintomas habituais da covid-19. Depois de 10 dias, estava bem, mas, no fim de fevereiro, sentia como se estivesse “morrendo de pé”. “O hospital simplesmente não sabe o que fazer comigo. Eles podem ver que minha frequência cardíaca está muito alta, mas não sabem o porquê”, reclama.
Rubina Shah reconhece essa limitação entre as equipes de saúde. “Nossa pesquisa é a primeira a examinar o impacto dessa doença devastadora nos parceiros e nas famílias dos sobreviventes. É muito importante que entendamos as necessidades das pessoas mais próximas dos sobreviventes para garantir o bem-estar geral das famílias”, afirma. Os cientistas acreditam que novos estudos são necessários para avaliar a persistência do impacto sobre os membros da família e descobrir se há diferenças na percepção do fardo secundário conforme o grupo étnico de pacientes e familiares.