Ciência e Saúde

Como a pandemia de covid mudou nossas vidas sexuais

Ficar confinado em casa permitia aos casais desacelerar e dedicar mais tempo a momentos íntimos juntos — pelo menos no início.

BBC
Jessica Klein - BBC Work Life
postado em 23/05/2021 07:52

Antes da pandemia, muitos casais viviam como "dois navios que se cruzavam durante a noite", diz a terapeuta sexual Emily Jamea de Houston, no Texas.

Antes sobrecarregados com compromissos fora de casa, alguns viram os lockdowns impostos pela pandemia de covid-19 como uma pausa um tanto quanto necessária.

Ficar confinado em casa permitia aos casais desacelerar e dedicar mais tempo a momentos íntimos juntos — pelo menos no início.

"Inicialmente, a pandemia deu às pessoas a oportunidade de... se reconectar de uma forma que antes talvez só conseguissem fazer nas férias", diz Jamea.

À medida que a pandemia avançava, no entanto, começou a afetar os relacionamentos íntimos.

"Para a maioria dos casais, o desejo sexual meio que despencou", revela.

Estudos realizados no mundo todo mostram uma história semelhante.

Pesquisas conduzidas na Turquia, Itália, Índia e Estados Unidos em 2020 indicam um declínio na atividade sexual dos casais, assim como em atos individuais, em decorrência do lockdown.

"Acho que grande parte da razão para isso é que muitas pessoas estavam estressadas demais", avalia Justin Lehmiller, psicólogo social e pesquisador do Instituto Kinsey, que conduziu o estudo nos Estados Unidos.

Para a maioria, os lockdowns impostos pela pandemia criaram uma atmosfera de incerteza e medo.

Muitos vivenciaram uma ansiedade sem precedentes relacionada à saúde, insegurança financeira e outras mudanças significativas na vida.

O estresse causado por esses fatores — para não mencionar os problemas que surgem quando se passa muito tempo com outra pessoa em um espaço fechado e apertado — contribuiu para o declínio notável na vida sexual dos casais.

De certa forma, a covid-19 provou ser tóxica para a sexualidade — mas será que seremos capazes de voltar ao nosso "eu" sexual depois que o estresse pandêmico se dissipar? Ou nossos relacionamentos vão sofrer danos de longa duração?

Um declínio no desejo

Como Jamea observou, muitos casais desfrutaram de um pequeno impulso em suas vidas sexuais no início do lockdown.

Rhonda Balzarini, psicóloga social e professora assistente da Texas State University, nos Estados Unidos, descreve esse pico inicial no desejo sexual como uma fase de "lua de mel", quando as pessoas reagem de forma mais construtiva ao estresse.

"Nessa fase, as pessoas tendem a cooperar. É como quando você vai até a porta da casa do seu vizinho e dá ele papel higiênico se ele estiver em falta", diz Balzarini.

"Mas, com o tempo, à medida que os recursos se tornam mais escassos, as pessoas ficam mais estressadas, a energia se esvai, e a desilusão e a depressão tendem a se instalar. Quando isso começa a acontecer, podemos começar a ver casais em apuros."

Balzarini observou esse padrão em participantes — com 18 anos ou mais, provenientes de 57 países — de um estudo que ela e os colegas conduziram durante a pandemia.

No início, eles observaram fatores, como a preocupação financeira, associados a um maior desejo sexual entre os casais.

No entanto, ao longo do tempo, conforme as pessoas relatavam o aumento de fatores de tensão e depressão relacionados à pandemia, incluindo solidão, estresse em geral e preocupações específicas com a covid-19, elas também relatavam a diminuição do desejo sexual pelos parceiros.

A grande conclusão deste estudo, de acordo com Balzarini, é a relação entre estresse, depressão e desejo sexual.

No início da pandemia, os fatores de estresse podiam não estar "desencadeando a depressão" ainda. Mas quando esses fatores de estresse se tornaram prolongados, as pessoas ficaram exaustas.

O estresse está correlacionado com a depressão, e "a depressão afeta negativamente o desejo sexual", diz ela.

Além dos fatores de estresse diários causados ??pela pandemia, a ameaça maior do vírus despontava, à medida que as taxas de mortalidade e hospitalização aumentavam no mundo todo.

Esse perigo constante certamente ajudou a acabar com o clima entre os casais.

"Você vai ouvir terapeutas sexuais dizerem algo como: 'Duas zebras não acasalam na frente de um leão'", diz Jamea.

"Se houver uma ameaça enorme bem ali, isso enviará um sinal para nossos corpos de que agora provavelmente não é um bom momento para fazer sexo."

Por esse motivo, "o estresse acentuado leva ao baixo desejo ou dificuldade de excitação", acrescenta.

Excesso de convivência

Embora Balzarini tenha ouvido falar de casais tomando banho ou nadando juntos no meio da tarde no início da pandemia, essas experiências mais sensuais do que o normal acabaram "perdendo seu encanto", diz ela.

E deram lugar às crescentes demandas diárias, como casas mais bagunçadas, e os casais começaram a se criticar.

Lehmiller descreve isso como "efeito da superexposição", que oferece a oportunidade para "pequenos hábitos do parceiro começarem a te irritar".

Balzarini se lembra de alguém contar a ela que nunca havia percebido quanto barulho seu parceiro fazia ao mastigar até que começaram a fazer todas as refeições juntos durante o lockdown.

Esse tempo maior juntos também pode diminuir seriamente o apetite sexual.

"Um dos segredos para manter o desejo em um relacionamento no longo prazo é ter algum senso de mistério em relação ao parceiro e alguma distância", diz Lehmiller.

"Quando vocês se veem o tempo todo... a sensação de mistério vai embora."

Afastadas de suas vidas sociais e profissionais pré-pandemia, as pessoas também podem começar a perder o senso de identidade, o que pode afetar a confiança e o desempenho sexual.

As mulheres, sobretudo, tiveram que deixar suas carreiras em segundo plano durante a pandemia, uma vez que as tarefas domésticas, a criação dos filhos e as demandas do ensino remoto recaíram desproporcionalmente sobre elas.

"Isso foi muito, muito difícil para muitas mulheres", afirma Jamea.

"(As carreiras) são uma grande parte da identidade, e levamos tudo o que somos para o quarto. Se não sabemos quem somos, de repente, pode parecer que não há nada para levar."

Há salvação?

Mas o sexo não está necessariamente condenado. Pesquisadores do Instituto Kinsey sugerem um comportamento específico para melhorar a vida sexual dos casais: sacudir as coisas.

Um em cada cinco participantes do estudo experimentou algo novo na cama e isso ajudou a reacender o desejo e a intimidade.

"Pessoas que tentaram coisas novas eram muito mais propensas a relatar melhorias", diz Lehmiller.

Entre as atividades que ajudaram a melhorar a vida sexual dos casais, estavam "experimentar novas posições, realizar fantasias, praticar BDSM (sigla em inglês para bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo) e fazer massagem", de acordo com o estudo.

Mas para aqueles em relacionamentos em que a atividade sexual diminuiu durante o ano passado e não foi retomada, haverá danos duradouros? Depende, dizem os especialistas.

Alguns podem não se recuperar "porque tiveram uma falta de conexão tão prolongada", avalia Lehmiller.

A pesquisa dele também mostrou que algumas pessoas traíram seus parceiros pela primeira vez durante a pandemia — uma indiscrição da qual os parceiros podem ter dificuldade de se recuperar.

Outros continuarão a sofrer com as perdas de emprego relacionadas à pandemia, assim como com fatores de estresse financeiro que pairam sobre os relacionamentos e podem causar atritos.

Mas, para muitos, há esperança. Com cada vez mais pessoas sendo vacinadas, as empresas estão reabrindo, e alguns profissionais estão voltando ao escritório.

"As pessoas estão começando a voltar à sua velha rotina", diz Jamea.

Ela está vendo os efeitos positivos disso nos casais que frequentam sua clínica.

Qualquer tipo de retorno à "normalidade" é um bom indicador para parceiros cujas dificuldades começaram durante a pandemia.

"É possível que alguns desses casais, assim que a pandemia estiver sob controle... voltem a ser como eram antes", diz Lehmiller.

"Quando esse fator de estresse for removido, sua vida sexual vai melhorar."

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Work Life.


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