A força e a massa muscular podem reduzir o tempo de internação por covid-19, independentemente de idade e comorbidades, segundo um estudo da Universidade de São Paulo (USP). A pesquisa, feita com 186 pacientes internados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, foi divulgada na plataforma de pré-publicação MedRix e, segundo os autores, tem implicações tanto para medidas preventivas contra a doença causada pelo Sars-CoV-2 quanto para o planejamento da reabilitação dos sobreviventes.
A proteção conferida ao organismo pela saúde muscular já é bem estabelecida. Um dos maiores estudos de revisão sobre o tema analisou 420 artigos que, juntos, incluíram milhares de pessoas em todo o mundo. Os autores, da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, constataram que, para todas as enfermidades incluídas, como câncer e doenças cardiovasculares, a força muscular é inversamente proporcional à mortalidade.
Além disso, também se sabe que o tempo de internação é menor quando o paciente tem uma boa condição muscular. Agora, a equipe da USP quis saber se isso também era verdadeiro para a covid-19, conta Hamilton Roschel, autor do estudo e um dos coordenadores do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Faculdade de Medicina da universidade brasileira.
Para isso, os pesquisadores fizeram dois testes no momento da admissão hospitalar dos pacientes: um de força e outro de massa muscular. O primeiro parâmetro foi medido com um equipamento de preensão manual, o mesmo do teste físico que se faz para tirar a carteira de motorista. Já os músculos foram avaliados por um aparelho de ultrassom. Os pesquisadores, então, compararam o tempo em que cada paciente ficou internado com a performance nos testes.
Mesmo quando os dados relativos à idade e à comorbidade foram ajustados, descobriu-se que pessoas com mais força e massa muscular ficaram dois dias a menos internadas. “Dois dias parece pouco, mas, considerando que o tempo médio de hospitalização foi sete dias, proporcionalmente, é bastante”, observa Roschel. Agora, o grupo investiga o quanto o período no hospital comprometeu a saúde muscular dos pacientes.
Multifuncional
Roschel esclarece que, quando fala de força e massa muscular, não está se referindo ao estereótipo caricato de um halterofilista. “A força e a saúde muscular estão muito ligadas à atividade física, mas tanto faz a atividade”, diz. De acordo com o pesquisador, a proteção conferida pela saúde muscular pode ser explicada por várias importantes funções dos músculos, além da sustentação ao corpo. “O músculo é o maior sítio de processamento e deposição de glicose, sendo muito responsável pela circulação da glicemia. Um sistema comprometido leva a um comprometimento do organismo como um todo”, diz. Fora as funções metabólicas, o músculo também é um reservatório de aminoácidos para a síntese de proteínas que abastecem todos os tecidos vitais.
No caso da covid-19, Roschel explica que quadros infecciosos são acompanhados de processos catabólicos, quando o músculo é degradado para fornecer energia. Pessoas com baixa massa muscular acabam perdendo o pouco que têm, desabastecendo os tecidos vitais. Além disso, diz o pesquisador, os músculos produzem substâncias chamadas miocinas, que ajudam no bom funcionamento do sistema imunológico.
“A primeira mensagem do nosso estudo é: cuidem da saúde muscular antes, para que, em um quadro de infecção, possam se sair melhor. Pessoas fisicamente ativas tendem a ter menos complicações”, diz Roschel. “A segunda mensagem é: o sistema de saúde deve dar uma atenção muito grande para o que estamos lidando agora, as complicações pós-covid. Ou já se prepara, ou não vai conseguir lidar com uma demanda de reabilitação muscular muito grande.”
Idade avançada
A relação entre força, massa muscular e covid-19 também foi estudada por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Genebra, na Suíça. O objetivo do grupo foi investigar os fatores de risco para a hospitalização em um universo de cerca de 300 pessoas com mais de 50 anos que testaram positivo para o Sars-CoV-2. Além de idade avançada, obesidade e doenças crônicas prévias, a fraqueza e a baixa densidade dos músculos foram associadas a mais internações.
A saúde muscular foi medida pelos pesquisadores pelo teste de preensão manual. Pessoas que mostraram maior força tinham risco 35% menor de internação. “A força muscular deve ser considerada como um potencial fator de risco para covid-19 grave”, observa Boris Cheval, principal autor do estudo. “A associação entre a força muscular e a gravidade da covid-19 pode ser explicada pelo papel essencial da musculatura na saúde e na doença. Particularmente, a fraqueza muscular afeta a função motora e respiratória e tem sido associada a deficiências na resposta imune e estresse metabólico quando há infecção aguda. Por isso, pessoas com pouca força muscular podem ser mais vulneráveis à infecção pelo Sars-CoV-2 e apresentarem maior risco de desenvolver as formas graves de covid-19.”