Logo no início da pandemia da covid-19, surgiram dúvidas se as gestantes teriam um risco maior para o Sars-CoV-2 e, caso infectadas, sofreriam complicações mais sérias da doença. As análises iniciais, ainda na cidade chinesa de Wuhan, onde surgiram os primeiros casos, descartaram a hipótese. Não demorou muito, porém, para que começassem a sair estudos mostrando o contrário. Agora, o maior artigo de revisão já publicado sobre o tema conclui que o vírus é mais perigoso para grávidas do que se imaginava.
O estudo, ainda em andamento, é uma pesquisa global e com publicações sistemáticas, que acompanha dados sobre covid e gestação para avaliar os riscos. Periodicamente, os resultados parciais são divulgados pela equipe do projeto, formada por pesquisadores da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e da Organização Mundial da Saúde (OMS). A atualização mais recente indica que, além de mais suscetíveis à forma grave da doença, quando comparadas às grávidas sem covid, aquelas com o Sars-CoV-2 têm risco maior de desenvolverem a forma grave, de serem admitidas em unidades de terapia intensiva (UTIs) ou de necessitarem de algum tipo de ventilação.
As possibilidades de complicações são ainda maiores quando as gestantes têm comorbidades como hipertensão, diabetes e obesidade, aponta o estudo, publicado no The British Medical Journal (BMJ). A revisão traz dados de 192 estudos mundiais, incluindo cinco do Brasil. Os dados mostraram que, de dezembro de 2019 a outubro do ano passado, uma em cada 10 gestantes atendidas por qualquer motivo em hospitais testou positivo para a covid-19. Em 59 estudos, havia informações sobre óbitos: de um total de 41.664 grávidas cujos dados estavam nessas pesquisas, 339 morreram por qualquer causa (0,02%). A baixa mortalidade materna ou neonatal, porém, pode estar associada à subnotificação, especialmente em países em desenvolvimento.
De acordo com a revisão, gestantes diagnosticadas com covid são menos propensas a apresentarem sintomas, comparadas a mulheres não grávidas em idade reprodutiva, mas, quando eles estão presentes, os mais comuns são febre, encontrada em 40% das sintomáticas, e tosse (41%). Os dados disponíveis indicam que 10% das gestantes tiveram a doença grave — isso é o dobro, comparado à população em geral, segundo estudos epidemiológicos (embora o percentual possa aumentar ou diminuir, conforme faixa etária e presença de comorbidades).
Quatro por cento das gestantes foram admitidas em UTIs, 3% precisaram de ventilação invasiva e 0,2%, de algum tipo de suporte de oxigênio. “Em comparação com mulheres não grávidas em idade reprodutiva com covid-19, os riscos de admissão na unidade de terapia intensiva e a necessidade de ventilação invasiva ou extracorpórea (não invasiva) foram maiores em grávidas”, diz o artigo. “Com base em nossas descobertas, as mulheres grávidas devem ser consideradas um grupo de alto risco, particularmente aquelas identificadas como tendo fatores de risco para a covid-19”, afirma o primeiro autor, John Allotey, do Centro de Colaboração da OMS para Saúde Global da Mulher, sediado na Universidade de Birmingham.
Prematuridade
Os dados levantados pelo estudo inglês condizem com o resultado de outra meta-análise de artigos sobre gravidez e covid-19 publicada, na semana passada, por pesquisadores canadenses. Com base em 42 estudos envolvendo 438.548 grávidas de todo o mundo, os autores, da Universidade de Montreal, concluíram que a infecção por Sars-CoV-2 na gestação está associada a pré-eclâmpsia, natimorto, parto prematuro e outros resultados adversos. O texto foi publicado no Canadian Medical Association Journal.
“Nossos resultados sugerem que grávidas com covid-19 têm um risco aumentado de hipertensão, natimortos e prematuros. Seus recém-nascidos têm maior probabilidade de necessitar de cuidados intensivos”, diz Nathalie Auger, do Departamento de Medicina Social e Preventiva da Escola de Saúde Pública da Universidade de Montreal e principal autora do artigo. Gestantes com sintomas graves da covid-19 têm um risco particularmente alto dessas complicações. Segundo Auger, nas pesquisas analisadas, o risco de parto prematuro foi o dobro, e o de cesária, 50% maior em gestantes com a doença sintomática, comparado às infectadas, mas com covid assintomática. Mulheres com a forma grave da enfermidade tiveram um risco quatro vezes mais elevado de hipertensão e parto prematuro.
Segundo a pesquisadora, a razão para o risco aumentado dos prognósticos adversos não é clara, mas um dos motivos pode ser o fato de o Sars-CoV-2 levar à vasoconstrição e estimular uma resposta inflamatória que afeta os vasos sanguíneos. “Os médicos devem estar cientes desses resultados adversos ao administrar gestações afetadas por covid-19 e adotar estratégias eficazes para prevenir ou reduzir os riscos para pacientes e fetos.”
Infecções
A ginecologista Tatianna Ribeiro, obstetra da Clínica Rehgio, explica que gestantes são, naturalmente, mais suscetíveis a infecções. “O período gestacional compreende um estado imunológico altamente complexo, com possível exacerbação de enfermidades ou alterações preexistentes, além de novas patologias devido à imunossupressão apresentada pela mãe”, diz. Segundo a médica, o organismo da mulher poderia rejeitar o feto, que traz células maternas e paternas. Para evitar isso, o sistema imunológico se adapta com várias modulações celulares e neuroendócrinas que, se, por um lado, protegem a gestação, por outro, enfraquecem as defesas da grávida.
Além disso, Ribeiro observa que alterações fisiológicas no organismo durante a gravidez podem agravar o quadro clínico de mulheres infectadas por qualquer tipo de patógeno, especialmente nos sistemas respiratório, endócrino, psicológico, imunológico e circulatório. “Na avaliação clínica da paciente obstétrica, o aumento fisiológico da frequência cardíaca e da ventilação e a diminuição da pressão arterial podem mascarar os primeiros sinais de infecção grave. A febre nem sempre está presente, mas um aumento de temperatura deve sempre levar à suspeita de infecção”, diz.
10%
das grávidas infectadas pelo coronavírus tiveram a forma grave da covid-19, segundo análise de 192 pesquisas feita por cientistas britânicos. A taxa é o dobro da detectada na população em geral.