Vírus estão sempre em mutação, mas, durante quase um ano, o acúmulo dessas alterações não pareceu aumentar o potencial infeccioso ou a letalidade do Sars-CoV-2. Até que foram detectadas variantes de rápida disseminação no Reino Unido (B.1.1.7), no Brasil (P.1) e na África do Sul (B.1.135), principalmente. A grande preocupação dos cientistas é saber se elas podem afetar as estratégias que têm sido usadas para prevenir ou tratar a covid-19.
Enquanto testes com as vacinas disponíveis indicam que os anticorpos produzidos em resposta a elas conseguem neutralizar as novas cepas — embora com eficácia reduzida no caso sul-africano —, ainda não se havia investigado a interação das mutações que estão presentes nessas variantes e outro importante componente do sistema imunológico: as células T, que eliminam as células infectadas. Um estudo norte-americano traz uma perspectiva animadora: o trabalho desses soldados imunológicos não parece afetado pelas variantes.
Divulgada na plataforma de pré-publicação (ainda não revisada pelos pares) bioRXiv, uma pesquisa da Universidade da Califórnia estudou a resposta de dois tipos de células T — a CD4 e a CD8 — às variantes do Brasil, do Reino Unido e da África. O estudo, que utilizou soro convalescente de pacientes que se recuperaram, assim como amostras de pessoas vacinadas com o imunizante da Pfizer ou da Moderna, concluiu que as novas cepas não interferem na capacidade de esses agentes do sistema imunológico lutarem contra o Sars-CoV-2.
Os autores explicam que há grande preocupação com a interferência das variantes na produção de anticorpos porque algumas pesquisas sugerem que as novas cepas reduzem o potencial dessas substâncias de responder às vacinas. Mas os anticorpos não são os únicos soldados imunológicos: enquanto eles se acoplam diretamente aos vírus para torná-los inofensivos, as células T reconhecem fragmentos de proteínas virais nas células infectadas e, posteriormente, as matam para interromper a produção do vírus. Portanto, mesmo que os Sars-CoV-2 mutantes enfraqueçam os anticorpos, a eficácia dos tratamentos pode ser assegurada pelo bom funcionamento das células T.
“Os dados fornecem algumas notícias positivas à luz da preocupação justificada sobre o impacto das variantes do Sars-CoV-2 nos esforços para controlar e eliminar a atual pandemia. Sem dúvida, muitas das variantes estão associadas ao aumento da transmissibilidade e também à diminuição da suscetibilidade a anticorpos neutralizantes de indivíduos infectados ou vacinados”, conclui a autora correspondente, Alba Grifoni, do Centro de Doenças Infecciosas e de Pesquisa de Vacinas do Instituto La Jolla de Imunologia, na Universidade da Califórnia.
Por outro lado, afirma, o estudo demonstrou que as células T não são afetadas pelas mutações. “Assim, a resposta celular pode contribuir para limitar a gravidade da covid-19 induzida por variantes que, parcialmente ou amplamente, escapam de anticorpos neutralizantes.”
Anticorpos
Nos Estados Unidos, uma equipe da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington em St. Louis sugere que as novas variantes — do Brasil, do Reino Unido e da África do Sul — reduzem a proteção conferida por vacinas ou pela infecção prévia pelo Sars-CoV-2. A pesquisa, publicada ontem na Nature Medicine, se refere à capacidade de os anticorpos reconhecerem e neutralizarem o vírus. Segundo os autores, à medida que essas cepas se tornarem dominantes, mais anticorpos serão necessários para enfrentá-las.
Os autores, porém, não sugerem que as vacinas não funcionam — apenas que serão necessárias adaptações para enfrentar variantes. “Não sabemos exatamente quais serão as consequências dessas novas cepas”, disse, em nota, o autor sênior, Michael S. Diamond. “Os anticorpos não são a única medida de proteção; outros elementos do sistema imunológico podem ser capazes de compensar o aumento da resistência aos anticorpos. Isso será determinado ao longo do tempo, epidemiologicamente, à medida que vemos o que acontece enquanto essas variantes se espalham.”
O estudo baseia-se em experimentos em laboratório e foi feito com as novas variantes mais preocupantes: do Reino Unido, da África do Sul e do Brasil. Os pesquisadores testaram as cepas contra anticorpos no sangue de pessoas que se recuperaram da infecção ou foram imunizadas com a vacina Pfizer. Também testaram anticorpos no sangue de camundongos, hamsters e macacos que foram vacinados com uma vacina experimental desenvolvida na Universidade de Washington, que pode ser administrada pelo nariz. Em ambos os casos, a cepa britânica foi neutralizada com níveis de anticorpos semelhantes aos necessários para combater o vírus original. Mas as outras duas exigiram de 3,5 a 10 vezes mais anticorpos para a neutralização.