Para entender os efeitos do coronavírus sobre o organismo humano e desenvolver terapias e vacinas, cientistas britânicos pretendem conduzir uma estratégia de pesquisa no mínimo polêmica. Eles vão infectar voluntários com uma pequena dose do agente infeccioso da covid-19 e observar os efeitos causados. O projeto sem precedentes recebeu a aprovação da comissão de ética do país e deverá ter início nas próximas semanas.
Participarão da pesquisa 90 pessoas, com idade entre 18 e 30 anos, que serão acompanhadas em ambiente seguro, conforme comunicado do governo. Está prevista a avaliação constante de médicos e cientistas ao longo do experimento, que será coordenado em parceria com o Royal Free Hospital de Londres.
Inicialmente, pretende-se identificar a menor quantidade de vírus necessária para provocar a infecção e desencadear uma resposta imune do organismo, além de avaliar como ocorre a contaminação de indivíduo para indivíduo. “Essa é a primeira etapa, mas o nosso objetivo final é averiguar quais vacinas e tratamentos funcionam melhor para combater essa doença. Para isso, precisamos de voluntários para nos apoiar nesse trabalho”, explica, em comunicado, Chris Chiu, um dos responsáveis pela iniciativa e pesquisador do Imperial College de Londres.
Os cientistas informaram que pretendem usar a cepa da covid-19 que deu início à pandemia, em meados de março, no território britânico. Até agora, descartam o uso das novas variantes. Em uma segunda etapa, vacinas validadas por ensaios clínicos poderão ser administradas em um pequeno número de voluntários — que, depois, estariam expostos ao vírus covid-19 — para identificar as fórmulas mais eficazes.
“Apesar do progresso muito positivo que tivemos até agora no desenvolvimento de imunizantes, queremos encontrar quais as alternativas mais eficazes a longo prazo e também novas terapias”, afirma Kwasi Kwarteng, secretário de Negócios do Reino Unido e um dos responsáveis pelo trabalho. Ele também acrescenta que o estudo “ajudará a acelerar o conhecimento dos cientistas sobre como o coronavírus afeta as pessoas”.
Dilemas éticos
Para César Carranza, infectologista do Hospital Anchieta, em Brasília, a iniciativa britânica envolve um tema polêmico, que é alvo de discussões éticas constantes entre especialistas da área. “É um tipo de pesquisa que não é aceita em todo lugar. Aqui no Brasil, não temos permissão para esse tipo de análise, por exemplo”, exemplifica. “Mas alguns países já realizaram experimentos semelhantes em relação a outras enfermidades. Por isso, conseguem ter autorização para uma iniciativa nesse molde, apesar das críticas que surgem logo que são anunciadas.”
Carranza também destaca que esse tipo de análise precisa preencher uma série de medidas de segurança antes de ser aprovado. “Sabemos que é um vírus que pode ser letal, o que nos deixa preocupados. Para evitar complicações, é importante que os participantes tenham uma idade adequada, ou seja, não estejam tão vulneráveis à doença, e o ambiente em que permanecerão seja bem controlado, além da necessidade de exames contínuos”, detalha.
O especialista acredita que, caso o estudo consiga cumprir seus objetivos, os dados obtidos poderão ser bastante úteis para a área médica. “O plano é entender como o sistema imune reage ao vírus, além de identificar qual a quantidade do patógeno que é agressiva ao nosso organismo. São dados importantes, que podem nos ajudar a entender melhor o agravamento dessa doença. Mas precisamos esperar para avaliar. É possível também que surjam iniciativas parecidas em outros países”, avalia.