A presença do homem no habitat dos animais é uma preocupação constante de ambientalistas. Algumas ações humanas realizadas frequentemente nessas áreas, como a extração de madeira e a intensa urbanização, são consideradas as mais agressivas à natureza. Um estudo australiano mostrou que essas e outras atividades, inclusive recreativas, geram prejuízos intensos violentos aos bichos, fazendo com que eles se movam até 70% a mais para sobreviver. A pesquisa, publicada na revista britânica Nature Ecology & Evolution, tem como objetivo principal contribuir para o desenvolvimento de estratégias que ajudem a diminuir essa interferência no meio ambiente.
“É vital que entendamos a escala do impacto que os humanos têm sobre outras espécies animais”, enfatizou, em um comunicado à imprensa, o biólogo Tim Doherty, pesquisador da Universidade de Sydney, na Austrália, e principal autor do estudo. “As consequências da mudança no deslocamento dos animais podem ser profundas e levar à redução da aptidão, menores chances de sobrevivência, taxas reprodutivas mais baixas e até mesmo extinção”, assinalou.
No trabalho, Doherty e sua equipe analisaram 208 estudos referentes a 167 espécies (77 de mamíferos, 37 de pássaros, 17 de répteis, 13 de peixes, 12 de insetos e 11 de anfíbios), realizados ao longo de 39 anos em todos os continentes. Por meio das observações e cálculos realizados, os investigadores constataram que mudanças de locomoção dos animais, em resposta à perturbação externa, são comuns em mais de um terço dos casos analisados.
Os especialistas verificaram que eventos como caça, uso de aeronaves, atividade militar e recreação (turismo) podem causar aumentos de até 70% no deslocamento da fauna, uma taxa semelhante ao impacto de atividades como extração de madeira ou agricultura. “Esse efeito severo chama a atenção porque o movimento é crítico para a sobrevivência. Os animais alteram seu cotidiano para se ajustar à atividade humana. Para fugir do homem eles viajam mais para encontrar comida, companheiros ou um novo abrigo”, frisou o principal autor do estudo.
De acordo com os pesquisadores, a alteração nos padrões de deslocamento dos bichos também impede que processos essenciais para o equilíbrio do meio ambiente aconteçam. “A locomoção dos animais está ligada a eventos ecológicos importantes, como polinização, dispersão de sementes e renovação do solo. Por isso, a interrupção de um fluxo natural da fauna pode ter impactos negativos em todos os ecossistemas”, ressaltou Doherty.
Controle
Os autores do estudo destacam que as constatações podem ter desdobramentos relevantes em ações políticas para o manejo da biodiversidade animal. “É essencial reforçar medidas de segurança em ambientes que foram menos impactados pela ação do homem, aqueles que definimos como intocáveis até agora”, sugeriu. Segundo o biólogo, outra estratégia que pode ser adotada é o gerenciamento mais cuidadoso de atividades, como caça e turismo em áreas selvagens, especialmente, durante os períodos de reprodução animal. “Onde a modificação do habitat é inevitável, recomendamos que é importante conhecer a rotina de deslocamento dos animais e garantir que ela não seja afetada”, detalhou.
Para a equipe de biólogos, reduzir os impactos negativos da atividade humana no ambiente dos animais será determinante para garantir a biodiversidade em um mundo cada vez mais dominado pelo homem. “Mais pesquisas são necessárias para entender melhor o impacto da modificação do habitat na rotina dos seres vivos. Acreditamos que outros pesquisadores poderão nos trazer ainda mais informações relevantes, que possam ser usadas em conjunto com o nosso trabalho em busca de uma maior proteção à fauna”, observou Doherty.
Gerente de pesquisa da ONG Ampara Silvestre, Mauricio Forlani destacou que o trabalho australiano apresenta informações valiosas, que reforçam a importância de avaliação constante do impacto das atividades humanas. “Muitas dessas ações citadas pelo estudo são consideradas de baixo impacto na natureza, mas vemos pela pesquisa que não é bem assim. Elas podem gerar danos aos animais. É preciso ter atenção quanto a isso”, opinou.
O especialista disse acreditar que as informações coletadas pelos pesquisadores podem ajudar a impedir mais prejuízos ambientais. “O ideal seria não interferir no espaço deles, mas sabemos que isso é impossível. Temos atividades que precisam ser feitas, como a construção de estradas, por exemplo. É importante usar esses dados para manter essas interferências, mas de forma equilibrada, para que elas sejam menos impactantes à fauna”, concluiu.
Palavra de especialista
Reforço importante
“O princípio do estudo é totalmente coerente e semelhante a trabalhos feitos anteriormente. Outros especialistas chegaram a conclusões parecidas. Quanto mais uma região natural for alvo de atividades antrópicas, mais as diversas espécies da fauna são obrigadas a se deslocar para evitar o contato humano, bem como buscar locais seguros para abrigo, alimentação e reprodução. A atividade da caça, por exemplo, quer seja ilegal ou regulamentada, é um reconhecido e significativo agente humano para a dispersão dos animais. É louvável que ocorram novos esforços como o desses pesquisadores, pois eles se aprofundam em uma tema de pesquisa bastante relevante.” Paulo Pizzi, biólogo e presidente do Instituto de Estudos Ambientais Mater Natura.