CIÊNCIA

Covid-19: perda do olfato e do paladar pode durar até cinco meses

Complicações comuns no início da covid-19 são detectadas em infectados pelo Sars-CoV-2 até 150 dias depois da descoberta da doença. Segundo cientistas, o fenômeno reforça a necessidade de um acompanhamento a longo prazo de ex-pacientes

Vilhena Soares
postado em 24/02/2021 06:00
 (crédito: Loic Venance / AFP - 7/5/20)
(crédito: Loic Venance / AFP - 7/5/20)

A perda de olfato e de paladar são alguns dos sintomas mais comuns da covid-19 e também um dos que mais assustam pacientes. Em uma investigação feita com profissionais da área médica que foram infectados pelo Sars-CoV-2, pesquisadores do Canadá observaram que esses danos podem perdurar por ao menos cinco meses após confirmada a doença. A constatação ajuda a entender melhor o efeito dessa enfermidade no organismo humano e acende um alerta para possíveis danos neurológicos que podem ser desencadeados por ela. Dados preliminares da investigação foram divulgados ontem, mas o trabalho será apresentado integralmente em abril, durante a reunião Anual da Academia Americana de Neurologia.

“Embora a covid-19 seja um problema de saúde novo, muitas pesquisas já mostraram que a maioria das pessoas infectadas perde o olfato e o paladar nos estágios iniciais da doença”, explica, em comunicado, Johannes Frasnelli, pesquisador da Universidade de Quebec e um dos autores do estudo científico. “Queríamos ir mais longe e ver por quanto tempo essa perda de olfato e de paladar pode se manter e o seu nível de severidade em indivíduos com o novo coronavírus”, complementa.

Frasnelli e sua equipe recrutaram 813 profissionais de saúde que tiveram o diagnóstico de covid-19 confirmado por meio do exame PCR, considerado o padrão ouro de testagem. Cada um dos participantes preencheu um questionário on-line e fez um teste caseiro para avaliar o desempenho do paladar e do olfato durante cinco meses após o diagnóstico da doença. “Todos os analisados classificaram esses dois sentidos usando uma escala de 0 a 10, sendo que zero significava nenhum gosto ou cheiro e 10, fortes percepções”, detalham os autores do artigo.

Por meio das análises, os cientistas observaram que um total de 580 pessoas (71%) perderam o olfato durante o início da doença, e, desse grupo, 297 pacientes (51%) não recuperaram o olfato cinco meses depois, enquanto 134 (17%) tiveram uma “perda persistente” do olfato, ainda que a condição não comprometesse completamente a habilidade olfativa. “Esse último grupo classificou sua capacidade de sentir odores entre sete até 10 após a recuperação da doença. Antes de adoecerem, essa avaliação era entre nove e 10”, explicam os pesquisadores.

Já em relação ao paladar, um total de 527 participantes (64%) perderam esse sentido durante o início da doença. Desse grupo, 200 voluntários (38%) disseram que ainda não haviam recuperado o paladar cinco meses depois, enquanto 73 (9%) tiveram “perda persistente”. “Nesse caso, os 73 analisados classificaram sentir sabores em uma escala entre oito e 10 após a doença, em comparação com uma definição entre nove a 10 antes”, detalham.

Via de acesso

Especialistas têm sugerido que a perda do paladar e do olfato seja considerada um indicativo precoce da infecção pelo Sars-CoV-2 (Leia Para saber mais). Esse estudo canadense indica a necessidade de olhar para essa complicação em outro momento da doença — segundo os autores, os prejuízos duradouros podem indicar possíveis alterações cerebrais em pacientes. “Nossos dados enfatizam a importância de acompanhar as pessoas que foram infectadas e a necessidade de realizar pesquisas adicionais para descobrir a extensão dos problemas neurológicos associados ao novo coronavírus”, defende Johannes Frasnelli.

Luciano Lourenço, médico clínico geral e chefe da Emergência do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, explica por que problemas no olfato e no paladar são registrados já no início da infecção. “É pelas vias respiratórias que o patógeno consegue ter acesso ao nosso corpo, e isso faz com que ele se instale, primeiro, nas vias superiores, atingindo principalmente o bulbo olfatório. Essa ação inicial já provoca danos na região, o que atinge o olfato. A ausência do paladar também ocorre porque esses dois sentidos usam células sensoriais, e todas elas funcionam de uma forma interligada”, detalha.

Para o médico, a persistência dos sintomas observada no estudo canadense mostra como o Sars-CoV-2 é mais forte do que outros patógenos que também prejudicam o sistema olfativo. “Muitos vírus têm essa capacidade de cessar a nossa capacidade de sentir odores, o que chamamos de anosmia, mas, geralmente, isso dura duas semanas. No caso da covid-19, ficamos surpresos como isso se estende. Vemos, mais uma vez, o quão poderoso é esse agente infeccioso”, enfatiza.

O especialista brasileiro alerta que há estruturas cerebrais envolvidas no paladar e no olfato, o que levanta dúvidas sobre a possibilidade de outros efeitos do Sars-CoV-2 no sistema neural. “Esse é um vírus muito inteligente, ele usa nossas células para atacar o nosso organismo, e isso faz com que tenha essa capacidade de gerar danos em outras áreas, além do sistema respiratório. A perda desses sentidos pode estar relacionada a alterações neurais provocadas pelo patógeno, mas ainda não temos certeza. Só vamos conseguir definir isso aos poucos, com mais pesquisas como essa, que vão nos ajudar a entender melhor qual o comportamento dessa enfermidade e suas consequências ao organismo”, analisa.

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