O autismo não tem cura, mas é tratado por meio do acompanhamento de diversos especialistas, como psicoterapeutas e fonoaudiólogos, em um processo que costuma ser árduo para o paciente e familiares. Na tentativa de auxiliá-los, pesquisadores têm buscado alternativas que ajudem a diminuir, com mais eficiência, os sintomas desse distúrbio. Estudos que focam no diagnóstico precoce e em alterações na microbiota intestinal são algumas das apostas recentes.
Nos últimos anos, muitos cientistas têm voltado os olhos para ligações entre a microbiota humana e enfermidades — entre elas, o transtorno do espectro autista (TEA). Alguns estudos recentes revelam ligações intrigantes entre a composição da microbiota intestinal e o TEA. “Essas pesquisas mostram uma composição anormal de bactérias em pessoas com esse transtorno e também em cobaias que sofreram modificações para apresentá-lo”, afirma Rosa Krajmalnik-Brown, pesquisadora da Universidade do Arizona e especialista no tema.
Com base nessas descobertas, Krajmalnik-Brown e sua equipe resolveram testar o efeito de intervenções na microbiota intestinal de autistas. Eles realizaram a transferência de micróbios saudáveis para o intestino de 18 pessoas com TEA por um período de sete a oito semanas. Após o tratamento, observaram redução de 80% nos problemas gastrointestinais dos participantes, além de uma diminuição considerável em outros sintomas do transtorno.
Os cientistas também detectaram aumento da diversidade microbiana, algo considerado benéfico, principalmente de duas espécies: Bifidobacteria e Prevotella. “No sistema digestivo, estão presentes vastas colônias de bactérias, que desempenham funções que vão desde a digestão dos alimentos e o controle do peso corporal até os efeitos no cérebro e no comportamento. Por isso, mudanças nessa população podem, sim, gerar efeitos terapêuticos”, explica a autora do trabalho, apresentado no American Association for the Advancement of Science (AAAS) Meeting 2021.
Carlos Guilherme Figueiredo, psiquiatra e vice-presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília, explica que o estudo mostra dados que condizem com o que já se sabe sobre a ligação entre o autismo e problemas gastrointestinais. “Alterações no estômago são comuns em pessoas que apresentam esse transtorno, como refluxo, constipação e desconforto abdominal, e estão relacionadas com a piora de outros sintomas, como a impaciência e a ansiedade, gerando um desconforto ainda maior”, detalha. “Ter observado melhoras com esse tipo de intervenção é algo muito animador, até porque é uma intervenção fácil de ser feita. Caso se confirme como uma opção eficaz, o transplante de microbiota poderia ser uma alternativa adotada para tratar muitos pacientes”, aposta.
Atlas neural
Outra aposta dos cientistas para tratar o autismo com mais eficácia é o diagnóstico precoce. Essa missão foi assumida por pesquisadores da Universidade do Texas que apostam na possibilidade de identificar o TEA já nos seis primeiros meses de vida. No estudo, a equipe recrutou 75 crianças, que foram submetidas a um monitoramento neural minucioso para a identificação de possíveis marcadores do transtorno. “O objetivo desse projeto é identificar o autismo o mais cedo possível e tratar os sintomas antes que eles progridam”, enfatiza, em comunicado, Leslie Neely, professor-assistente de psicologia educacional na instituição americana.
Os cientistas seguem conduzindo as análises, mas adiantam que já obtiveram resultados iniciais que ajudarão no desenvolvimento de uma espécie de atlas neural do distúrbio. “Avaliações iniciais já nos mostraram que é possível chegar ao nosso objetivo final. Acreditamos que também poderemos usar esses dados para apontar qual o melhor tipo de terapia a ser usada e até retardar o aparecimento dos sintomas”, diz Neely.
Prudência
Para o psiquiatra Cargos Figueiredo, todas as ferramentas desenvolvidas com o intuito de auxiliar e adiantar a identificação do TEA são bem-vindas, pois podem contribuir severamente para o tratamento do distúrbio. “Quando conseguimos observar o problema cedo, melhoramos consideravelmente o prognóstico do paciente e evitamos comorbidades, ou seja, outras doenças que surgem ao mesmo tempo. Ainda está cedo, mas esses estudos nos trazem a esperança de intervenções precoces mais efetivas.”
Apesar dos dados positivos, o médico destaca que é necessário ser prudente, já que novas alternativas de diagnóstico e de tratamento precoce ainda estão em testes iniciais. “É importante deixar claro que são opções que poderão ser usadas apenas mais para frente, caso se confirmem como eficazes. Vemos, muitas vezes, famílias que se desesperam em busca de tratamentos e se decepcionam. São trabalhos animadores, mas que ainda precisam ser estudados antes de serem postos em prática.”
João Armando, psiquiatra do Instituto Castro e Santos (ICS), em Brasília, também destaca que os esforços científicos para entender e lidar melhor com o autismo são importantes e merecem destaque. Mas, no momento, enfatiza ele, não há opção que esteja próxima de reverter a síndrome como um todo. “É importante destacar que ainda não temos grande conhecimento sequer de todos os fatores da etiologia do autismo. Por isso, é sempre necessário cautela quando falamos de novos tratamentos. Penso que ainda não estamos perto da cura ou do controle completo da doença”, reforça.
Raízes complexas
O transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio neurobiológico complexo, cujas raízes ainda são desconhecidas. Pesquisas mostram uma possível predisposição genética relacionada a ele, além de infecções durante a gravidez e fatores ambientais, como a poluição. O diagnóstico é feito no início da infância, por meio da desconfiança dos pais, que podem notar problemas de atenção dos filhos. A partir daí, são feitos testes para ter a confirmação com a ajuda de especialistas,
como pediatras.
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