CIÊNCIA

Covid-19: cientistas identificam mecanismo do vírus que evita resposta imunológica

Cientistas norte-americanos descobrem como o Sars-CoV-2 tem evoluído de forma a evitar a detecção pelos anticorpos. Segundo o estudo, um erro apaga pedaços do RNA que podem ser "enxergados" pelas estruturas de defesa

Paloma Oliveto
postado em 04/02/2021 06:00
 (crédito:  AFP / National Institutes of Health / Handout)
(crédito: AFP / National Institutes of Health / Handout)

Quando o mundo comemorava, aliviado, a chegada das esperadas vacinas, foi surpreendido pela identificação, inclusive no Brasil, de variantes aparentemente mais infectantes — com potencial maior de transmissão — e, ao menos no caso da B.1.1.7, detectada originalmente no Reino Unido, possivelmente mais letal. Em um estudo publicado on-line, ontem, na revista Science, cientistas do Centro de Pesquisa de Vacinas da Universidade de Pittsburgh, nos EUA, identificaram um padrão de evolução do Sars-CoV-2, que evita a resposta imunológica do organismo ao excluir, seletivamente, pequenos pedaços da sequência genética do vírus.

Segundo os pesquisadores, a parte do RNA viral apagada no processo é a que codifica a forma da proteína spike, a chave que o coronavírus usa para se encaixar na fechadura da célula e, assim, conseguir entrar no núcleo. Acontece que a spike é justamente o foco dos anticorpos neutralizantes que, ao identificá-la, orquestram o ataque ao Sars-CoV-2. Esse também é, naturalmente, o alvo das vacinas em desenvolvimento, que, segundo os especialistas, vão ter que ser adaptadas com o tempo, uma vez que o vírus criará resistência.

Paul Duprex, diretor do Centro de Pesquisas de Vacinas e principal autor do estudo, destaca que existem moléculas especializadas em detectar erros durante a replicação do coronavírus, mas elas não enxergam as deleções no genoma. Assim, essas mutações passam despercebidas e, seletivamente, vão modificando a estrutura viral. Em consequência, surgem variantes como as três mais recentemente identificadas — do Brasil, do Reino Unido e da África do Sul.

Duprex esclarece que o erro de deleção não pode ser consertado naturalmente. “Depois que ele (o pedaço apagado) desaparece, desaparece. E se ele for deletado em uma parte importante do vírus que o anticorpo ‘vê’ (como é o caso aqui), não há o que se fazer; ele desaparece para sempre”, observa. Segundo o cientista, as variantes do Reino Unido e da África do Sul têm essas deleções na sequência genética do vírus. Ele não sabe dizer se a brasileira também, pois, para isso, é preciso sequenciar uma quantidade suficiente de amostras.

Resistência

O grupo de pesquisa norte-americano detectou, pela primeira vez, as deleções resistentes à neutralização — processo pelo qual o anticorpo inativa o vírus — na amostra de um paciente da covid-19 que morreu da doença 74 dias depois. Esse tempo é suficiente para que a interação entre o sistema imunológico e o vírus resultarem em uma evolução que dará origem a variantes potencialmente perigosas.

Depois, o professor de biologia e genética molecular da Universidade Kevin McCarthy, especialista no vírus da gripe — considerado um “mestre” em enganar o sistema imunológico — comparou as deleções com outras sequências do Sars-CoV-2, contidas em um banco mundial de amostras. Embora mais estável do que outros micro-organismos do tipo, como a própria influenza, o coronavírus mostrou que também evolui para cepas mais preocupantes. McCarthy visualizou a deleção do pedaço do RNA viral em lugares onde o vírus pode sofrer mutações sem que isso impeça que invada células e fazer cópias dele mesmo.

“A evolução estava se repetindo”, diz, em nota, McCarthy. “Olhando para esse padrão, poderíamos fazer uma previsão. Se aconteceu algumas vezes, é provável que aconteça novamente.” Entre as sequências nas quais o cientista identificou as deleções estava a chamada variante do Reino Unido. Porém, naquele momento — outubro do ano passado — ela não parecia importante e sequer tinha nome.

Duprex esclarece, embora preocupante, a descoberta das variantes não é motivo de alarde, porque há um arsenal disponível para lidar com elas, como plasma convalescente, vacinas, combinações de anticorpos. “O escape mutacional não é tudo ou nada. E isso é importante perceber quando se trata de projetar ferramentas para combater o vírus. Ir atrás do vírus de várias maneiras diferentes é como o derrotamos. Combinações de diferentes anticorpos, combinações de nanocorpos com anticorpos, diferentes tipos de vacinas. Se houver uma crise, queremos ter essas ferramentas”, ressalta.

Segundo ele, em algum momento, o Sars-Cov-2 escapará das vacinas existentes — o que, provavelmente, não ocorrerá agora, embora seja difícil cravar uma data certa. Pode ser dentro seis meses ou em cinco anos, palpita o cientista. “Até que ponto essas exclusões corroem a proteção ainda está para ser determinado. Em algum momento, teremos que começar a reformular as vacinas.”

Por enquanto, as fabricantes dos principais imunizantes no mercado afirmam que suas fórmulas são capazes de lidar com as novas cepas, ainda que oferecendo um grau menor de proteção, comparado às variantes comuns. Na semana passada, por exemplo, a Janssen, da Johnson & Jonhson, anunciou que a eficácia global de seu imunizante foi menor na África do Sul do que nas amostras globais.

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Eficiência assegurada

O ministro da Saúde do Reino Unido, Matt Hancock, garantiu, ontem, que a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a AstraZeneca oferece boa proteção a idosos. Nas últimas semanas, países europeus, como França, Polônia, Suécia, Áustria e Alemanha afirmaram que o imunizante britânico será ofertado à população, porém apenas para pessoas com menos de 65 anos. Na Itália e na Bélgica, até os 55. A justificativa é a de que, segundo eles, há poucos dados sobre a eficácia do imunizante nos mais velhos.

“Minha opinião é que devemos ouvir os cientistas ... e o consenso da ciência sobre essa vacina já estava bem claro. Com o a publicação de um novo estudo, na terça-feira à noite, ficou evidente que a vacina de Oxford não só funciona, mas funciona bem”, disse Matt Hancock à rádio BBC. Ele se refere à divulgação de resultados de um trabalho (ainda não publicados em revistas científicas), mostrando que uma dose única da vacina não apenas reduz a gravidade da doença, mas corta em dois terços a capacidade de transmissão, algo não visto até agora nos demais imunizantes.

A Agência Europeia de Medicamentos recomendou o uso da vacina de Oxford para idosos, embora concorde com as agências regulatórias de alguns países, no sentido de que o número de pessoas mais velhas incluídas nos estudos do fármaco foi pequeno até agora. Os estudos do imunizante britânico incluíram 660 pessoas com mais de 65 anos e, dessas, apenas duas foram contaminadas, o que dificulta tirar conclusões sobre a efetividade nessa faixa etária.

“Algumas pessoas estão confundindo ausência de evidência com evidência de ausência”, disse o médico Peter English, ex-editor da revista Vaccines in Practice. Ele enfatizou que, “por razões muito compreensíveis”, demorou mais tempo para acumular evidências de eficácia em pessoas mais velhas.

“Os ensaios não incluíram, originalmente, pessoas mais velhas (porque queriam ter certeza de que a vacina era segura nos jovens). “No entanto, as evidências diretas que existem e as evidências indiretas (como respostas de anticorpos e células T) sugerem, claramente, que a vacina será eficaz em grupos de idade mais avançada”, concluiu (PO).

 

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