Quando o assunto envolve os prejuízos gerados pelo consumo excessivo de álcool à saúde, é comum pensar, quase que imediatamente, no fígado como o órgão mais atingido. Porém, os danos também se estendem, de forma significativa, ao cérebro. Estudos internacionais identificaram três períodos da vida em que a ingestão desse tipo de bebida é mais prejudicial às células nervosas. Os pesquisadores defendem campanhas de conscientização baseadas nesses dados, principalmente, diante da pandemia da covid-19. Médicos na área de saúde mental alertam que a solidão e ansiedade, enfrentadas durante o longo período de isolamento social, podem aumentar os casos de abuso.
A ingestão de bebidas alcoólicas é um hábito comum e, geralmente, bem aceito pela sociedade, o que assegura aos cientistas um farto material a ser analisado. Pesquisadores ingleses e australianos resolveram investigar essa enorme quantidade de dados disponíveis mais a fundo e revisaram mais de 100 estudos que exploraram a relação do consumo de álcool e o comportamento cerebral.
Como resultado, os pesquisadores observaram três fases da vida em que os danos gerados por esse tipo de bebida são mais nocivos ao sistema neural: gestação (da concepção ao nascimento), adolescência (15-19 anos), e maior idade (acima de 65 anos).
“O cérebro humano é uma ferramenta complexa, que passa por transformações constantes ao longo da nossa jornada. Acreditamos que esses períodos-chave podem ser os mais perigosos para a saúde quando somos expostos ao álcool, principalmente, em grandes quantidades”, conclui o trabalho, liderado por Louise Mewton, pesquisadora no centro de pesquisa neural da Universidade de South Wales, na Austrália.
Distúrbios psicológicos
No artigo publicado na revista British Medical Journal (BMJ), os especialistas destacaram que cerca de 10% das mulheres grávidas ingerem álcool, um dado preocupante, já que a investigação também revelou como essa substância pode gerar prejuízos aos bebês, independentemente da quantidade consumida. “A ingestão excessiva pode causar transtorno do espectro alcoólico fetal e redução do volume cerebral de bebês. Nossos dados sugerem que, até mesmo, o consumo baixo ou moderado de álcool durante a gravidez está associado a distúrbios psicológicos e comportamentais nas crianças”, assinala a publicação.
Em relação à adolescência, os pesquisadores explicaram que mais de 20% dos jovens de 15 a 19 anos, de países de alta renda, ingerem quantidades excessivas de álcool frequentemente (pelo menos, uma vez por semana). “Estudos indicam que a transição para o consumo excessivo dessa substância na juventude está associada a um volume cerebral reduzido, desenvolvimento mais pobre da substância branca (crítico para o funcionamento eficiente do cérebro) e deficits pequenos a moderados em uma série de funções cognitivas”, frisaram os autores do trabalho.
João Armando Santos, psiquiatra do Instituto Castro e Santos (ICS), em Brasília, e especialista em dependência química, considera que as conclusões são relevantes, sobretudo porque corroboram suspeitas antigas na área de pesquisa cognitiva. “Ainda não tinha sido possível bater o martelo sobre essas constatações, pois não contávamos com dados suficientes sobre os efeitos do álcool nessas fases da vida, com exceção apenas do período de gestação, que é bastante estudado. Em relação à adolescência, a maioria das análises feitas até agora focou apenas nos danos neurais provocados pela maconha”, observou o especialista. “Sabemos que esse período da juventude é repleto de mudanças cerebrais intensas, pois o cérebro se prepara para a vida adulta, e o álcool tem o poder de interferir nesse funcionamento. É algo para ficarmos bastante alertas”, opinou.
Alerta aos idosos
Embora os transtornos por uso de álcool sejam relativamente raros em adultos mais velhos, os pesquisadores enfatizam que, mesmo o consumo moderado, está associado a uma perda pequena, mas significativa, de volume cerebral na meia idade. Eles ressalvam, porém, que mais estudos serão necessários para confirmar esses dados. De acordo com os especialistas ingleses e australianos, pesquisas feitas em alguns países europeus já apontam um aumento no consumo da bebida na população acima de 65 anos nos últimos cinco anos.
Um estudo americano, publicado recentemente na revista Addiction, mostra o mesmo cenário. Os pesquisadores analisaram dados de 100 mil pessoas, com 50 anos ou mais, em 17 nações da Europa, além da China, México, Israel, Coreia do Sul e Estados Unidos. Os cientistas observaram que a quantidade de álcool consumida, semanalmente, pelo grupo analisado era maior que duas unidades padrão (dois copos de 300 ml de cerveja, por exemplo), em praticamente todos os países, com exceção do México.
“Esse consumo, visto por nós, é considerado alto, e semelhante a pesquisas feitas em outras nações, revelando uma tendência global”, advertiu Esteban Calvo, pesquisador da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo. “É importante registrar, também, que os transtornos por uso dessa substância entre adultos na faixa dos 60 anos mais do que dobraram nos últimos 10 anos”, acrescentou o cientista.
Para o psiquiatra João Armando Santos, os danos gerados pelo consumo de álcool em excesso por adultos mais velhos são motivo de grande preocupação de especialistas da área. “Quando estamos em uma idade mais avançada, nosso cérebro começa a reduzir de tamanho. É algo natural, que ocorre mesmo que a pessoa não tenha um problema cognitivo, como Alzheimer, por exemplo”, frisou, acarescentando: “Por isso, é necessário cuidado no consumo, é importante poupar a capacidade cognitiva. Temos alertado bastante esse público sobre esse problema.”