“Se apresentar algum sintoma, fique em casa por 14 dias e só procure um médico caso tenha falta de ar.” Todo mundo deve se lembrar de uma das primeiras recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), adotada globalmente em março de 2020, no início da pandemia da covid-19. Até então, quase nada se sabia sobre o Sars-CoV-2, que, ainda hoje, não foi completamente decifrado. Pedir às pessoas que não fossem aos hospitais era uma forma de não sobrecarregar os sistemas de saúde, ao mesmo tempo em que se imaginava que os sintomas leves passariam naturalmente, como acontece com uma gripe.
Quase um ano depois de a pandemia ser declarada, porém, já se sabe muito bem que a covid-19 não é apenas uma gripe. Até 20% dos pacientes evoluirão para casos graves, com manifestações críticas, como pneumonia. Estudos demonstram que, se tratada desde o início, evita-se a evolução da doença — quadros severos, que exigem internação e cuidados intensivos, têm prognósticos piores. Intervenções precoces, como demonstrou uma pesquisa divulgada na última quinta-feira sobre uso de plasma convalescente, podem reduzir a mortalidade à metade. “Se você tiver febre, tosse ou dificuldade de respirar, procure um médico imediatamente.” Essa passou a ser a recomendação da OMS.
Agora que se sabe disso, cientistas lutam contra o tempo para descobrir as melhores intervenções para evitar que a covid-19 evolua. “A prevenção de hospitalizações e das sequelas crônicas da doença não só salvará vidas, mas também ajudará a restaurar os sistemas de saúde e outras instituições, sobrecarregadas pelos efeitos da pandemia”, diz um artigo de opinião publicado na revista médica Jama e assinado pelo infectologista Anthony Fauci, o chefe da força-tarefa norte-americana para o enfrentamento da doença. “Tratamentos eficazes e precoces também mitigarão lacunas deixadas por estratégias de prevenção anteriores e atuais e reduzirão a transmissão direta. É encorajador que tratamentos ambulatoriais eficazes para a covid-19 inicial estejam no horizonte. Esses esforços merecem o total apoio da comunidade médica e do público.”
Hoje, não há tratamentos específicos para a covid-19, nem na forma branda, tampouco na grave. Quadros severos, porém, se beneficiam de corticosteroides: a dexametasona foi testada em diversos estudos mundiais, incluindo no Brasil, e mostrou-se eficaz para a redução de mortalidade de pacientes que precisam de suporte de oxigênio. Porém, não é uma droga indicada para os casos leves. Ela age com foco na chamada tempestade de citocinas, quando o organismo desencadeia uma resposta exagerada à presença de um invasor — nesse caso, o coronavírus —, causando o quadro hiperinflamatório que caracteriza a covid-19 grave.
O antiviral experimental remdesivir, originalmente desenvolvido para o ebola, mostrou-se eficaz em casos leves a moderados, mas não é indicado para uso laboratorial, apenas para pacientes internados, porque requer infusões diárias por até 10 dias. Além disso, tem um custo altíssimo, o que desencoraja a adoção da droga. Vários medicamentos, como a hidroxicloroquina e a ivermectina, apontados inicialmente como um “coquetel anticovid” foram reprovados em estudos clínicos.
No momento, há antivirais aprovados ou em desenvolvimento para outras infecções do tipo, como HIV, vírus da hepatite C e ebola, sob investigação para o tratamento precoce da covid-19. Embora as pesquisas ainda não tenham produzido resultados clinicamente promissores, ainda há muitos ensaios clínicos em andamento. Um exemplo é a molécula MK-4482, originalmente desenvolvida para a influenza. O antigripal, em testes laboratoriais, mostrou-se eficaz para impedir a progressão da covid-19, além de evitar a transmissão do coronavírus. “Essa é a primeira demonstração de um medicamento já disponível, e administrado por via oral, para bloquear rapidamente a transmissão da Sars-CoV-2”, comemora Richard Plemper, autor de um artigo sobre a substância publicado recentemente na revista Nature Microbiology.
“Como o medicamento pode ser tomado por via oral, o tratamento pode ser iniciado cedo, com um benefício potencialmente triplo: inibir o progresso do paciente para a doença grave, encurtar a fase infecciosa para aliviar o custo emocional e socioeconômico do isolamento prolongado e silenciar rapidamente os surtos locais”, destaca Plemper.
Em 24 horas
De acordo com ele, o medicamento age diminuindo a quantidade de partículas virais, o que, consequentemente, reduz o impacto da doença nas pessoas infectadas, assim como o risco de transmissão. O estudo foi feito em furões, mas, caso os dados se traduzam para humanos, pacientes tratados com o medicamento podem se tornar não infecciosos em 24 horas depois do início do tratamento. Atualmente, o MK-4482 está em estágio avançado no estudo de fase 3, o último antes de um medicamento receber autorização das agências regulatórias.
Uma outra esperança para a terapia precoce da covid-19 é o estudo ACTIV-2, que investiga a ação dos anticorpos monoclonais BRII-196 e BRII-198 e está nas fases 2 e 3 de pesquisa (com humanos). Segundo os autores, por enquanto, tudo indica que a combinação dessas substâncias melhora a eficácia do tratamento e reduz a probabilidade de o vírus desenvolver resistência.
“Estamos entusiasmados”, diz Judith Currier, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. “Embora estejamos empolgados com a disponibilização de vacinas para prevenir a covid-19, continuaremos a precisar de tratamentos para aqueles que desenvolverem a doença. Nosso objetivo é aumentar a compreensão sobre as melhores maneiras de tratar a covid-19 precocemente”, afirma. Os participantes serão randomizados para receber BRII-196 ou placebo.
“A covid-19 continua a ter um efeito devastador nas pessoas ao redor do mundo”, diz Eric Daar, um dos líderes da pesquisa. “Estamos fazendo tudo ao nosso alcance para inscrever participantes das mais variadas comunidades para garantir que os tratamentos sejam seguros e eficazes para as populações mais afetadas pela doença.”
Em três dias
Uma outra linha de tratamento precoce em investigação é a do uso de plasma de convalescentes. Desde o início da pandemia, a estratégia tem sido usada experimentalmente, mas com resultados inconclusivos. Na semana passada, um estudo argentino publicado na revista The New England Journal of Medicine mostrou que a técnica de transferir os anticorpos do sangue de uma pessoa que se recuperou da doença para outra é eficaz, caso seja realizada até 72 duas horas depois do início dos sintomas.
Segundo o autor, o infectologista Fernando Polack, dentro dessa janela de tempo, a terapia reduz pela metade o risco de progressão para quadros graves. “Temos certeza de que o plasma é útil nos primeiros três dias de doença, ou seja, você tem (um prazo de) 72 horas de sintomas para recebê-lo”, afirmou o cientista à Rádio Con Vos.