Os acordos cada vez mais numerosos entre países ricos e laboratórios que desenvolvem vacinas da covid-19 podem, além de deixar centenas de milhões de pessoas às margens da imunização, facilitar a propagação do novo coronavírus. O alerta foi feito ontem pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que tenta sensibilizar os países mais ricos para não promoverem ainda mais “o nacionalismo vacinal”.
“O nacionalismo vacinal fere a todos nós e é contraproducente. Por outro lado, a vacinação salva vidas de forma igualitária, estabiliza os sistemas de saúde e levaria a uma recuperação econômica verdadeiramente global”, enfatizou o diretor-geral da agência, Tedros Adhanom Ghebreyesus. A declaração foi feita no mesmo dia em que a Europa dobrou os pedidos de compra de vacina para as empresas farmacêuticas Pfizer/BioNTech, de 300 milhões para 600 milhões de doses.
Tedros defendeu que os fabricantes deem prioridade ao programa Covax, criado pela agência para garantir a distribuição equitativa dos imunizantes contra o Sars-CoV-2, e que os países respeitem esse mecanismo, que, segundo ele, também é uma forma de não estimular o aumento do preço das fórmulas. “No início, os países ricos compraram a maior parte do suprimento de várias vacinas. Agora, também estamos vendo países de renda alta e média, que fazem parte da Covax, fazendo acordos bilaterais adicionais. Isso, potencialmente, aumenta o preço para todos e significa que as pessoas de alto risco nos países mais pobres e marginalizados não vão receber a vacina”, justificou.
Segundo a agência, 42 países iniciaram programas de vacinação, sendo 36 considerados de alta renda e seis, de renda média. Dessa forma, “está claro” para a OMS que as populações de menor poder aquisitivo e a maioria das nações de renda média ainda não receberam fórmulas imunizantes, enquanto alguns mais abastados acumulam doses além da sua população. Para Tedros Ghebreyesus, as regras de prioridade na proteção deveriam ser respeitadas globalmente. “Nenhum país é excepcional e deve cortar a fila e vacinar toda a sua população enquanto alguns permanecem sem fornecimento da vacina”, afirmou.
Às nações com doses extras de imunizantes, o diretor fez o pedido para que as “doem imediatamente ao Covax, que está preparado para distribuí-las igualmente a partir de hoje”. A meta da agência é fornecer vacinas a 20% da população dos países participantes do Covax antes do fim deste ano, sendo que os primeiros carregamentos devem ser enviados neste mês.
Mutações
Também serve de incentivo para a distribuição mais igualitária das vacinas a possibilidade de reduzir as chances de novas cepas do coronavírus, segundo a OMS. Quanto mais pessoas com perfis diversos forem protegidas, menos o Sars-CoV-2 se multiplica e, consequentemente, sofre mutação. “As variantes atuais mostram que o vírus está fazendo o possível para se tornar mais adequado à circulação contínua dentro da população humana. Isso é normal para todos os vírus, mas, no momento, estamos ajudando-os a prosperar se não reduzirmos a transmissão e vacinarmos de forma equitativa”, alertou Tedros.
Ao menos 25 países registraram cepas do Sars-CoV-2 que parecem ser mais infecciosas. A maioria deles está na Europa, mas há casos também na América Latina. Ontem, por exemplo, o Peru confirmou o primeiro registro da cepa identificada inicialmente no Reino Unido. O governo brasileiro confirmou, na segunda-feira, a ocorrência de dois casos em São Paulo.