A uma semana do início dos preparativos para a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26), a convenção da ONU responsável pela cúpula apresentou, ontem, um relatório elaborado por quase 60 cientistas que apontaram as 10 principais descobertas da área em 2020. O documento deverá servir de subsídio para as discussões sobre os rumos do Acordo de Paris, marcado para novembro, em Glasgow. O evento, que ocorreria no ano passado, foi cancelado devido à pandemia da covid-19.
Apresentado em uma coletiva de imprensa virtual, o relatório, publicado na revista Global Sustentability, traz um alerta: os cenários em que a mitigação de CO2 é baixa — como o atual, destacam os pesquisadores —, tornarão impossível o cumprimento das metas do Acordo de Paris. Segundo o documento de 2015, o mundo precisa limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais até 2050.
“Precisamos de financiamento climático para adaptação e resiliência. Nós precisamos, urgentemente, financiar os planos de adaptação nacionais”, destacou Patrícia Espinosa, secretária-executiva da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), na apresentação do relatório. Além da falta de políticas de mitigação, o documento aponta uma série de fatores de risco crescentes, incluindo emissões de permafrost (o solo do Ártico), que, atualmente, não são considerados nos inventários, preocupações sobre o enfraquecimento da absorção de carbono em ecossistemas terrestres e impactos da mudança climática na água doce.
“Para lidar com as mudanças climáticas futuras, exigimos conhecimento detalhado sobre o funcionamento do sistema climático, e informações acessíveis devem ser desenvolvidas sobre cenários regionais e locais, além de seus impactos”, disse Detlef Stammer, professor da Universidade de Hamburgo e vice-presidente do Comitê Científico do Programa Mundial de Pesquisa do Clima. “Esse relatório fornece vários exemplos de avanços importantes em ambas as categorias.”
Degelo
Um dos pontos destacados pelo documento são pesquisas apontando que as emissões provenientes do degelo do premafrost serão piores do que o esperado. Como houve eventos de derretimentos muito acima do previsto anteriormente, o lançamento de gases de efeito estufa na atmosfera relativos a esse processo não foram incluídos nos modelos climáticos globais, como os prognósticos ruins apresentados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas.
Também foram incluídos pelos cientistas no relatório os estudos empíricos que mostram a exacerbação da crise hídrica mundial. “As mudanças climáticas já estão causando eventos extremos de precipitação (inundações e secas), e esses cenários extremos, por sua vez, levam a crises hídricas. O impacto dessas crises é altamente desigual, o que é causado e agrava a desigualdade de gênero, renda e sociopolítica”, diz o documento.
Outra preocupação é com as florestas tropicais. Um estudo recente mostrou que os sumidouros de carbono estão atingindo a capacidade máxima; ou seja, a quantidade de carbono estocada começa a ser menor do que a de CO2 lançada na atmosfera. Atualmente, os ecossistemas terrestres absorvem 30% das emissões humanas desse gás, devido ao efeito da fertilização do CO2 nas plantas. Mas o texto assinala que “o desmatamento das florestas tropicais do mundo está fazendo com que elas se estabilizem como sumidouros de carbono”.
“Todas as partes do nosso mundo são afetadas pela crise climática, e cada continente, país, cidade e vila depende de quão bem administramos os sumidouros naturais de carbono da Terra. Isso é o que mostram as evidências científicas esmagadoras”, disse Johan Rockström, diretor do Instituto de Pesquisa Potsdam de Impacto do Clima. “Não podemos contar com a natureza para nos apoiar se não a apoiarmos. Basta olhar para as florestas tropicais estressadas que tão convenientemente têm absorvido grandes quantidades de CO2, mas, agora, isso pode chegar ao auge e declinar.”
Investimentos
O relatório mostra, ainda, inquietação com o financiamento de políticas climáticas. Ele cita que “governos em todo o mundo” estão mobilizando mais de US$ 12 trilhões para a recuperação da pandemia de covid-19. “Como comparação, os investimentos anuais necessários para uma rota de emissões compatível com Paris são estimados em US$ 1,4 trilhão.”
As pesquisas citadas no documento apontam que “o estímulo econômico focado, principalmente, no crescimento (econômico) poria em risco o Acordo de Paris”. E acrescenta: “Uma estratégia de recuperação da covid-19 baseada primeiro no crescimento e, depois, na sustentabilidade, provavelmente, fará o acordo fracassar.” Os cientistas lembraram que a pandemia, causada por uma zoonose, reforça a ideia de que mudanças climáticas estão diretamente associadas à emergência de doenças.
Ainda sobre a saúde, os especialistas destacam estudos que vêm demonstrando uma relação entre clima e doenças mentais. “As mudanças climáticas podem afetar profundamente nossa saúde mental: riscos crescentes e em cascata contribuem para a ansiedade e o sofrimento. A promoção e conservação de espaços azuis e verdes nas políticas de planejamento urbano, bem como a proteção dos ecossistemas e da biodiversidade em ambientes naturais, têm cobenefícios para a saúde e fornecem resiliência”, observam.
O relatório cita estudos sobre a necessidade de migração para modelos energéticos sustentáveis. De positivo, os cientistas apontam que as pesquisas indicam que, hoje, as pessoas compreendem melhor a sensibilidade do planeta ao dióxido de carbono, fortalecendo o apoio aos cortes de emissão necessários para que o Acordo de Paris seja cumprido.
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