Uma equipe de astrônomos liderada pela Universidade do Arizona (UArizona) observou um quasar luminoso a 13,03 bilhões de anos-luz da Terra, o que faz dele o mais distante descoberto até hoje. Datado de 670 milhões de anos após o Big Bang, quando o Universo tinha apenas 5% de sua idade atual, esse objeto hospeda um buraco negro supermassivo equivalente à massa combinada de 1,6 bilhão de sóis.
Além de ser o mais distante — e por extensão, o mais antigo — quasar conhecido, o objeto é o primeiro de seu tipo a mostrar evidências de um gás superaquecido escapando dos arredores do buraco negro a 1/5 da velocidade da luz. As novas observações também mostram intensa atividade de formação de estrelas na galáxia hospedeira onde o quasar, formalmente chamado de J0313-1806, está localizado. Os pesquisadores apresentaram as descobertas, que foram aceitas para publicação na revista Astrophysical Journal Letters, durante uma coletiva de imprensa, no 237º Encontro da Sociedade Astronômica Americana, que acontece virtualmente até quinta-feira.
O detentor do recorde anterior entre os quasares no Universo primitivo foi descoberto há três anos. Acredita-se que esses objetos resultam de buracos negros supermassivos devorando matéria circundante, como gás ou mesmo estrelas inteiras, resultando em um turbilhão de matéria superaquecida, conhecida como um disco que gira em torno do buraco negro. Por causa das enormes quantidades de energia envolvidas, os quasares estão entre as fontes mais brilhantes do Cosmos, muitas vezes ofuscando suas galáxias hospedeiras.
Embora o J0313-1806 esteja a apenas 20 milhões de anos-luz mais distante do que o detentor do recorde anterior, o novo quasar contém um buraco negro supermassivo duas vezes mais pesado. Isso marca um avanço significativo para a cosmologia, pois fornece as pistas mais fortes sobre a formação de buracos negros no início do Universo. “Essa é a primeira evidência de como um buraco negro supermassivo está afetando a galáxia hospedeira ao seu redor”, diz o principal autor do artigo, Feige Wang, membro do Observatório Steward do UArizona. “Por observações de galáxias menos distantes, sabemos que isso tem que acontecer, mas nunca vimos ocorrer tão cedo no universo.”
Modelos descartados
Os quasares, que já acumulavam milhões, senão bilhões, de massas solares em seus buracos negros em uma época em que o Universo era muito jovem, representam um desafio para os cientistas que tentam explicar como eles surgiram quando mal tinham tempo para fazê-lo. Uma explicação comumente aceita sobre a formação de buracos negros envolve uma estrela explodindo como uma supernova no fim de sua vida e colapsando na forma desse objeto.
Quando esses buracos negros se fundem com o tempo, eles podem — teoricamente — se transformar em supermassivos. No entanto, da mesma forma que seriam necessárias muitas vidas para construir um fundo de aposentadoria com um real cada ano, os quasares, no início do Universo, são um pouco como pequenos milionários. Portanto, devem ter adquirido sua massa por outros meios.
O quasar recém-descoberto fornece uma nova referência ao descartar dois modelos atuais de como buracos negros supermassivos se formam em escalas de tempo tão curtas. No primeiro modelo, estrelas massivas que consistem em grande parte de hidrogênio e carecem da maioria dos outros elementos que compõem estrelas posteriores, incluindo metais, formam a primeira geração de estrelas em uma galáxia jovem e fornecem o alimento para o buraco negro nascente. O segundo modelo envolve densos aglomerados de estrelas, que colapsam em um enorme buraco negro desde o início.
O quasar J0313-1806, no entanto, tem um buraco negro muito grande para ser explicado pelos cenários mencionados, de acordo com a equipe que o descobriu. Os astrônomos calculam que, se o buraco negro em seu centro se formou 100 milhões de anos após o Big Bang e cresceu o mais rápido possível, ele ainda teria que ter pelo menos 10 mil massas solares para começar.
“A semente desse buraco negro deve ter se formado por um mecanismo diferente”, diz o coautor Xiaohui Fan, do Departamento de Astronomia do UArizona. “Nesse caso, um que envolve grandes quantidades de gás hidrogênio frio primordial colapsando diretamente em um buraco negro.” Como esse mecanismo não requer estrelas como matéria-prima, é o único que permitiria que o buraco negro supermassivo do quasar J0313-1806 crescesse até 1,6 bilhão de massas solares em um período tão inicial no Universo. Isso é o que torna o novo quasar recorde tão valioso, explica Fan.
Formação acelerada de estrelas
O quasar recém-descoberto parece oferecer um raro vislumbre da vida de uma galáxia no alvorecer do Universo, quando muitos dos processos de formação ainda estavam em pleno andamento. De acordo com os modelos atuais de evolução de galáxias, buracos negros supermassivos crescendo em seu centro podem ser a principal razão pela qual elas param de produzir novas estrelas.
Agindo como um maçarico de proporções cósmicas, os quasares explodem em seus arredores ferozmente, efetivamente limpando sua hospedeira de grande parte do gás frio que serve como matéria-prima a partir da qual as estrelas se formam. “Achamos que esses buracos negros supermassivos foram a razão pela qual muitas das grandes galáxias pararam de formar estrelas em algum ponto”, diz Xiaohui Fan, coautor do estudo.
Ao medir a luminosidade do quasar, a equipe de Wang calculou que o buraco negro supermassivo, em seu centro, está ingerindo a massa equivalente a 25 sóis a cada ano, em média, o que se acredita ser a principal razão para o vento de plasma quente de alta velocidade soprando na galáxia ao seu redor em velocidade relativística. Para efeito de comparação, o buraco negro no centro da Via Láctea está quase todo adormecido.
E, enquanto a Via Láctea forma estrelas no ritmo vagaroso de cerca de uma massa solar a cada ano, J0313-1806 produz 200 massas solares no mesmo período. “Essa é uma taxa de formação de estrelas relativamente alta, semelhante à observada em outros quasares de idade semelhante, e nos diz que a galáxia hospedeira está crescendo muito rápido”, diz Feige Wang, principal autor do estudo.
“Esses quasares, provavelmente, ainda estão em processo de construção de seus buracos negros supermassivos”, acrescenta Fan. “Com o tempo, o fluxo de saída do quasar aquece e empurra todo o gás para fora da galáxia e, então, o buraco negro não tem mais nada para comer e vai parar de crescer. Essa é uma evidência de como essas primeiras galáxias massivas e seus quasares crescem.”
Os pesquisadores esperam encontrar mais alguns quasares do mesmo período, incluindo possíveis novos recordes, disse Jinyi Yang, a segunda autora do artigo.Yang e Fan estavam observando, no telescópio Magellan Baade, de 6,5m, no Observatório Las Campanas, no Chile, na noite em que J0313-1806 foi descoberto. “Com telescópios terrestres, só podemos ver uma fonte pontual”, afirma Wang. “Observações futuras com o telescópio espacial James Webb (previsto para ser lançado neste ano) poderiam visualizar o quasar com mais detalhes, mostrar a estrutura de seu fluxo de saída e até onde o vento se estende em sua galáxia, e isso nos daria uma ideia muito melhor de seu estágio evolutivo.”
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.