Em 27 de dezembro de 2019, um médico da província chinesa de Hubei alertou as autoridades sanitárias sobre a emergência de uma doença muito parecida com a Sars, a síndrome respiratória grave, que, 17 anos antes, havia causado 774 mortes. Passados três dias, o oftalmologista Li Wenliang, do Hospital de Wuhan, trocou mensagens com os colegas, recomendando que usassem equipamento de proteção ao tratar os pacientes da misteriosa pneumonia. Punido pelo governo, acusado de “espalhar boatos”, ele morreria em fevereiro, diagnosticado com a enfermidade que, então, já tinha nome: covid-19.
Um ano depois de os primeiros casos aparecerem na China, 1,6 milhão de pessoas foram vitimadas pelo Sars-CoV-2, que já infectou mais de 74 milhões, globalmente. Com uma rapidez sem precedentes, a ciência produziu milhares de estudos sobre a doença: apenas nos seis primeiros meses, publicaram-se 20 mil artigos, com uma média de 2 mil acrescentados semanalmente.
Vacinas, que geralmente levam 10 anos para serem desenvolvidas, foram criadas em tempo recorde e já começam a ser aplicadas nos Estados Unidos e em países europeus. Esse passo crucial para o controle da pandemia foi reconhecido pelas duas maiores revistas científicas do mundo, Science e Nature, como o grande feito da medicina de 2020. Outras centenas continuam sendo estudadas, com diferentes protocolos e tecnologias.
Porém, apesar de todo esse avanço — que, segundo especialistas, beneficiará o estudo sobre outros micro-organismos patógenos —, ainda restam mais perguntas do que respostas. O impacto sobre crianças, os riscos de reinfecção, a possibilidade de se tornar resistente às vacinas, a possível cronificação das sequelas e até a forma como o vírus afeta o organismo — todas essas são questões ainda em aberto.
Uma das respostas mais buscadas nos laboratórios de pesquisa é a droga que poderá, de fato, tratar a covid-19, seja nos estágios iniciais ou na fase grave, quando o paciente necessita de suporte para respirar. De todos os medicamentos testados até agora por equipes do mundo inteiro, incluindo do Brasil, apenas o corticoide dexametasona mostrou-se realmente eficaz para os quadros severos, mas está longe de ser um medicamento capaz de impedir o vírus de continuar replicando no organismo, ou seja, de curar a doença de fato.
Talvez, nunca se encontre essa droga, alertam especialistas. “Certamente, fizemos avanços nas terapias com medicamentos antivirais, mas os vírus são simplesmente mais difíceis de tratar do que as bactérias”, diz Howard Hendrickson, professor e presidente do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Escola de Farmácia McWhorter, na Universidade de Samford (EUA). Enquanto alguns vírus têm um maquinário mais limitado, outros continuam a se multiplicar, destruindo as células hospedeiras — especialmente no caso dos micro-organismos emergentes.
Hendrickson destaca que, para complicar mais a situação, o Sars-CoV-2 é mais sofisticado do que muitos dos vírus conhecidos. “Esse coronavírus é um vírus baseado em RNA, com mecanismos de reparo únicos, ou proteínas de revisão, que faltam em outros vírus de RNA. Sua estrutura é resistente e robusta: se uma droga tenta danificar a célula infectada, ou matá-la, ela tem a capacidade de se reparar.”
Segunda onda
Diferentemente do Sars que emergiu na Ásia no fim de 2002 e desapareceu em 2004, deixando mais de 700 vítimas, o Sars-CoV-2 não dá sinais de encerramento das atividades. Enquanto Brasil e EUA experimentaram quedas pontuais no número de contágios e mortes — que, por aqui, voltaram a aumentar —, a Europa enfrenta, agora, a segunda onda da doença. Durante um curto período, a covid-19 deu trégua aos países europeus. Porém, voltou com maior capacidade de transmissão em muitos deles — Inglaterra e Bélgica, especialm ente —, embora com índice de letalidade mais baixo. Ainda que já se tenha mais conhecimento sobre o Sars-CoV-2, especialistas apontam diversos desafios para o enfrentamento do retorno do vírus.
“Mais uma vez, enfrentamos um aumento acelerado de casos da covid-19 em grande parte da Europa, nos EUA e em muitos outros países em todo o mundo. É fundamental agir com decisão e urgência”, destaca a geneticista da Universidade de Cambridge Deepti Gurdasani, autora correspondente de um artigo recente sobre os desafios da segunda onda, publicado na revista The Lancet. “Restrições contínuas provavelmente serão necessárias no curto prazo para reduzir a transmissão, a fim de evitar lockdowns futuros. O objetivo dessas restrições é suprimir com eficácia as infecções por Sars-CoV-2 a níveis baixos, permitindo a detecção rápida de surtos localizados e garantindo a resposta imediata e eficaz.”
Rastreamento, testes em massa e isolamento das áreas mais afetadas são algumas das medidas citadas por ela. “A evidência é muito clara: controlar a disseminação da covid-19 pela comunidade é a melhor maneira de proteger nossas sociedades e economias até que vacinas e terapêuticas seguras e eficazes cheguem nos próximos meses para todos”, destaca Gurdasani.