A Universidade de Oxford e a empresa AstraZeneca, ambas do Reino Unido, anunciaram uma série de resultados animadores da fase final de testes com a vacina contra a covid-19 que desenvolvem em parceria. O imunizante, intitulado AZD 1222, registrou eficácia de até 90% quando aplicado em dose menor, tem custo mais baixo de produção e armazenamento prático, se comparado a iniciativas semelhantes. Além disso, a fórmula é a principal aposta do governo brasileiro contra a pandemia. O país firmou acordos para a compra e a produção do produto, sob a responsabilidade do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). Para especialista, o somatório de vantagens facilitará a realização de campanhas de vacinação em massa.
Como ocorreu nas últimas semanas com outros projetos de pesquisa, os resultados da fase três dos testes com humanos são prévios e foram anunciados pelos grupos responsáveis, sem a divulgação de um estudo completo e a publicação em uma revista científica, o que demanda a revisão por pares. De acordo com o grupo britânico, a eficácia alcançou 90% em um grupo de pessoas que recebeu, inicialmente, meia dose da vacina e uma dose completa um mês depois. A eficiência de proteção caiu para 62% em uma parcela de voluntários submetida a outro regime: duas doses inteiras, com o mesmo intervalo de tempo de aplicação.
“Acreditamos que, ao dar uma primeira dose menor, estamos preparando o sistema imunológico de maneira diferente ou o estamos preparando melhor para a resposta”, disse Andrew Pollard, professor da Universidade de Oxford. Mais de 3 mil voluntários participaram do subgrupo que obteve maior efetividade. Peter Openshaw, professor de medicina experimental do Imperial College London, considera que essa combinação é uma grande notícia, já que, potencialmente, aumenta o número de pessoas que poderão ser vacinadas e reduz os custos da imunização. “Pode parecer contrário à intuição dos que pensam que as vacinas são como os medicamentos normais, (...) mas o sistema imunológico não funciona dessa maneira”, explicou à Agência France-Presse (AFP) de notícias.
Cláudia França Cavalcante Valente, membro do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), também avalia que os resultados obtidos no grupo com menos quantidade de doses são animadores. “Ainda é difícil definir os motivos disso ter ocorrido, principalmente porque ainda não temos os dados estatísticos do estudo para avaliar com mais cuidado. Mas é algo que já vimos no passado. Tivemos um surto de febre amarela em São Paulo. Nesse episódio, foram aplicadas doses fracionadas da vacina porque a quantidade necessária para imunizar toda a população não estava disponível, e os resultados foram positivos”, contou.
Segundo a especialista brasileira, outro ponto importante da vacina britânica e de outros imunizantes que têm sido desenvolvidos para combater a covid-19 é a testagem em um número amplo de voluntários. “As pessoas ficam com medo, dizendo que não querem tomar a vacina porque ela foi feita na pressa. Mas isso não é verdade. Os testes foram realizados cumprindo todos os passos de segurança. Fora que praticamente não temos vacinas que foram testadas em uma quantidade tão grande de indivíduos no passado. Isso só ocorreu uma vez, no caso do rotavírus, em que a primeira fórmula gerou problemas nos Estados Unidos. Para evitar mais complicações, os testes seguintes foram feitos em grupo de 70 mil pessoas”, detalhou.
Cronogramas
Um total de 60 mil voluntários participaram dos testes da AZD 1222, que foram conduzidos em sete países: Reino Unido, Brasil, Estados Unidos, Japão, Rússia, África do Sul e Quênia. Os criadores da fórmula também destacaram que, durante os ensaios clínicos, nenhum participante desenvolveu formas graves da covid-19 nem precisou de hospitalização. “A AstraZeneca preparará, imediatamente, a apresentação regulamentar dos dados às autoridades de todo o mundo em busca de uma rápida aprovação”, afirmou Pascal Soriot, CEO da farmacêutica. Caso recebam rapidamente a autorização das agências de segurança de medicamentos, as primeiras vacinas contra a covid-19 poderão começar a ser distribuídas em dezembro, na Europa e nos Estados Unidos. Há a possibilidade de, no Brasil, a imunização começar no mês seguinte.
Segundo a Fiocruz, o número de pessoas que poderão ser vacinadas deve subir, considerando os resultados mais recentes dos ensaios clínicos. “O que nos deixa mais otimistas é que esse protocolo com eficácia de 90% traz um ganho de rendimento, já que a primeira dose será com quantidade menor da vacina. Isso tem impacto muito significativo porque permite que o número de pessoas que vão recebê-la cresça 30%”, afirmou Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz.
De acordo com Krieger, havia a expectativa de produção de 200 milhões de doses para vacinar 100 milhões de pessoas no Brasil. “Vamos conseguir produzir 260 milhões de doses e vacinar 130 milhões de brasileiros”, disse. A expectativa é de que a campanha de imunização comece entre o fim de fevereiro e o início de março. A produção do imunizante pela Fiocruz e a aplicação da vacina ainda dependem da aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Os testes com a vacina britânica tiveram início em junho, em cinco estados: Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte. Não está descartado começar a vacinação em regiões do Brasil que estejam com altos números de infectados no momento em que o imunizante estiver disponível, segundo a Fiocruz. “A vacina poderá ser usada para diminuir a propagação da doença (em uma determinada região), mas, hoje, com a doença espalhada por todo o país, ela tende a ser (aplicada) nas populações mais vulneráveis, profissionais de saúde e, gradativamente, ser expandida de forma bastante significativa”, detalhou Krieger.
"Esse protocolo com eficácia de 90% traz um ganho de rendimento, já que a primeira dose será com quantidade menor da vacina. Isso tem impacto muito significativo porque permite que o número de pessoas que vão recebê-la cresça 30%”
Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz