A farmacêutica Pfizer é a primeira a divulgar os resultados finais da terceira e última fase de testes clínicos de uma candidata a vacina para a covid-19. Desenvolvido em parceria com o grupo alemão BioNTech, o imunizante apresentou 95% de eficácia na prevenção à infecção pelo novo coronavírus, a maior taxa divulgada até o momento. Outro dado animador é o índice de proteção considerando apenas a população idosa: de 94%. O estudo não foi detalhado, nem publicado em uma revista científica, o que demanda uma revisão do trabalho por outros especialistas. Ainda assim, o anúncio foi recebido com entusiamo por cientistas e pode ter desdobramentos imediatos. O grupo de desenvolvedores anunciou que, até sexta-feira, pretende pedir uma autorização para o uso emergencial da nova fórmula nos Estados Unidos.
O estudo com o imunizante está previsto para durar até 2022 — quando se poderá ter uma ideia do tempo de duração da vacina, intitulada BNT162. Agora, porém, chegou-se a um momento de validade estatística, já que foram registradas 170 infecções nos mais de 43 mil voluntários. Esse número foi estabelecida pelas empresas no início da pesquisa, para chancelar a eficácia da fórmula. Na semana passada, a Pfizer havia anunciado uma taxa de eficácia superior a 90%. Ontem, cravou em 95% e relacionou o índice a perfis dos imunizados.
Os voluntários são de seis países — Alemanha, Estados Unidos, Brasil, Argentina África do Sul e Turquia — e começaram a receber as doses da vacina em julho. Os testes com 2 mil voluntários brasileiros foram autorizados em setembro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o comunicado divulgado ontem, pessoas de todas etnias e idades foram protegidas — a eficácia foi medida sete dias após a segunda dose. Dos 43.538 participantes, 170 foram infectados pelo Sars-CoV-2, sendo que oito haviam recebido a vacina experimental e 162, o placebo. Dessa forma, a taxa de eficácia ficou em 95% e praticamente não mudou ao longo das faixas etárias. Dos participantes, 41% tinham entre 56 e 85 anos, e a taxa de eficácia entre os idosos foi de 94%.
Há um temor de que as fórmulas em desenvolvimento contra a covid-19 tenham um efeito menor em quem chegou à terceira idade, o que não se refletiu nos dados divulgados pela Pfizer e pela BioNTech, segundo Karolina Barreto Marinho, coordenadora do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai). “Esses resultados são animadores porque sabemos que é difícil gerar uma resposta imune em pessoas mais velhas, assim como indivíduos imunocomprometidos por algum problema de saúde”, avalia. “Com os resultados de alta eficácia em todos os grupos etários, temos a possibilidade de aplicar a mesma quantidade de doses da vacina em idosos, e no mesmo intervalo de tempo. Isso facilitará a logística e a criação do calendário de vacinação.”
Segurança
As empresas também observaram que a BNT162 ajudou a prevenir formas graves da covid-19, já que nove das 10 infecções mais severas registradas ocorreram nos voluntários do grupo placebo. De forma geral, não houve problemas sérios de segurança, com registros de casos de dor de cabeça (2%) e fadiga (3,8%) naqueles que receberam a vacina. Os desenvolvedores da fórmula planejam solicitar a autorização de comercialização para a Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, em inglês) ainda nesta semana. “Com centenas de milhares de pessoas em todo o mundo infectadas todos os dias, precisamos urgentemente levar uma vacina segura e eficaz ao mundo”, justificou Albert Bourla, CEO da Pfizer.
Ana Karolina Barreto Marinho explica por que os dados obtidos podem ser considerados um passaporte para as empresas pedirem a aprovação de uso emergencial da vacina. “Na fase três, quando existe uma grande quantidade de vacinados, um dos padrões de avaliação é a quantidade de pessoas que ficaram doentes em ambos os grupos, placebo e vacina. Os dois grupos seguem a vidas normalmente, e o ideal é que ocorra o que vemos na pesquisa: mais casos da doença surjam em pessoas que não receberam o imunizante. Isso prova, de forma eficaz, que ele funcionou, e esse é um dos pontos-chave que serão avaliados pelos órgãos reguladores antes de aprovar a terapia”, detalha.
Cautela
Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), pondera que a ausência de divulgação de um estudo científico detalhado, que revele informações técnicas da pesquisa, demanda cuidado na avaliação dos dados. “Precisamos considerar o interesse dessas empresas, sabemos que tem muito dinheiro envolvido e, toda vez que anunciam algo, o mercado de ações reage. Então, é claro que temos que ter cautela ao avaliar esse movimento. É por isso que precisamos de estudos para dizer qual a performance exata dessas vacinas”, justifica. “Gostaríamos de ver esses dados não anunciados, mas publicados em uma revista, após terem sido avaliados por pares. Dessa forma, teríamos informações como intervalos de confiança e margem de erro.”
Apesar das ressalvas, o especialista frisa que as notícias são animadoras, e que é importante monitorar os desdobramentos da pesquisa. “Acredito que as chances de essas empresas terem divulgado inverdades é muito baixa, elas não se arriscariam tanto. Com base nesses dados positivos, se eles forem confirmados, temos o que comemorar. Agora, precisamos avaliar o acompanhamento dos participantes. Só assim, teremos dados mais detalhados. Saberemos se a vacina reduz a chance de uma pessoa ser hospitalizada, por exemplo, e a durabilidade do imunizante. Isso nós só saberemos com mais tempo”, afirma.
Ugur Sahin, cofundador da BioNTech, chama a atenção para o fato de a vacina ser considerada também um avanço em uma nova forma de imunização. “Essa conquista ilustra o potencial do RNA mensageiro como uma nova classe de fármacos”, declarou à Agência France-Presse de notícias (AFP). A estratégia protetiva é baseada no uso de uma parte do código genético (RNA) do Sars-CoV-2, criada em laboratório, para provocar, no organismo humano, uma resposta imune à presença do vírus. Ao menos 20 grupos apostam nessa abordagem para evitar a covid-19. Ela ainda não funciona contra outras doenças, mas antes da pandemia já era considerada uma frente promissora de prevenção.
Armazenamento é um desafio
A demanda por temperaturas muito baixas de armazenamento é encarada como um dificultador dessa
abordagem, escolhida também pela Moderna, que, nesta semana, divulgou que sua vacina tem 94,5% de eficácia. No caso da fórmula da Pfizer, a temperatura exigida é de -70ºC. No da Moderna, -20ºC. Em nota, a Pfizer explica que desenvolveu uma embalagem especial, em formato de caixa, para manter as vacinas condição recomendada por até 15 dias. A duração da fórmula da Moderna chega a um mês.
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OMS: imunizantes não impedirão segunda onda
Diante da divulgação de vários resultados positivos de candidatas a vacina contra a covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou os imunizantes não estarão disponíveis a tempo de erradicar a segunda onda do novo coronavírus. O alerta foi feito ontem por Michael Ryan, diretor de Emergências da organização internacional. “Acho que teremos que esperar entre quatro e seis meses antes de atingir qualquer nível significativo de vacinação”, estimou. “Muitos países estão passando por essa onda e vão superá-la sem vacinas (...). Se aplicarmos as vacinas, mas esquecermos o resto, a covid-19 não será eliminada.”
Michael Ryan salientou ainda que, apesar dos dados animadores sobre eficácia, as vacinas não são “uma fórmula mágica” que acabará com a pandemia. “Temos que entender e assumir que precisamos subir o morro, por enquanto, sem vacinas”, alertou. A agência das Nações Unidas têm se posicionado da mesma forma diante das divulgações sucessivas sobre resultados de vacinas nos últimos dias.
Na semana passada, a Pfizer e a BioNTech anunciaram que a fórmula desenvolvida por eles têm eficácia superior a 90%. Em seguida, o Instituto Gamaleya, responsável pela vacina russa Sputnik, anunciou a taxa de 92% . Já na última segunda-feira, a empresa Moderna informou que sua fórmula contra a covid-19 é 94,5% eficaz. Os resultados têm sido divulgados aos poucos, sem a publicação em revistas científicas, e impulsionado o mercado de ações das empresas responsáveis pelas pesquisas.