Um dos maiores mistérios relacionados à covid-19 está relacionado ao tempo que uma pessoa infectada pode permanecer protegida do novo coronavírus. Para responder a essa questão, cientistas têm monitorado a produção de anticorpos do patógeno Sars-CoV-2 em pacientes que tiveram a enfermidade. Em uma dessas análises, pesquisadores portugueses observaram que as células de defesa se mantiveram presentes no organismo sete meses após o início da doença. Os dados foram apresentados na última edição da revista especializada European Journal of Immunology. Pesquisa anterior, feita por uma equipe norte-americana, mostrou dados semelhantes sobre a duração da imunidade natural.
O estudo português começou em março, logo no início da pandemia, e foi coordenado pelo consórcio Serology4COVID, formado por cinco centros de pesquisa da cidade de Lisboa. A equipe monitorou os níveis de anticorpos de 300 pacientes internados em hospitais e profissionais de saúde infectados pelo coronavírus, além de mais de 200 voluntários que também sofreram com a enfermidade.
Os participantes realizaram, periodicamente, testes que avaliavam a presença de anticorpos do vírus no sangue. Por meio das análises, os cientistas observaram que 90% dos voluntários do estudo tinham anticorpos detectáveis até sete meses após contrair a covid-19.
“Os resultados desse estudo mostram um padrão clássico, com um rápido aumento dos níveis de anticorpos nas primeiras três semanas após os sintomas da covid-19 e, como esperado, uma redução para níveis intermediários depois disso”, explicou, em um comunicado à imprensa, Marc Veldhoen, pesquisador do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, em Portugal, e um dos autores do estudo.
Níveis
Os pesquisadores também observaram que, na fase inicial da infecção, os homens produziram mais anticorpos do que as mulheres, mas os níveis se equilibraram à medida em que a doença era curada. Na fase aguda da resposta imune, a equipe verificou níveis mais elevados de anticorpos em pessoas com doença mais grave. Os resultados também mostraram que a idade não é um fator que influencie na produção de anticorpos — os cientistas não encontraram diferenças significativas entre as faixas etárias.
Na segunda etapa do estudo, os especialistas avaliaram a função dos anticorpos, ou seja, sua atividade neutralizante contra o vírus Sars-CoV-2. Em colaboração com o Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST), os pesquisadores realizaram exames laboratoriais em que expuseram as células de defesa dos participantes ao patógeno.
Os resultados foram positivos. “Nosso sistema imunológico reconhece o Sars-CoV-2 como prejudicial e produz esses anticorpos em resposta a ele, o que ajuda a combater o vírus. Observamos que, mesmo após sete meses, essas células ainda foram capazes de combater o patógeno”, frisou Veldhoen.
Os pesquisadores destacaram que os resultados do estudo são animadores, mas ressaltam que o acompanhamento do grupo precisa ser mantido para que constatações mais sólidas possam ser feitas no futuro. “Nosso trabalho fornece informações importantes que podem ser usadas como auxiliares para outras pesquisas. Daremos continuidade ao trabalho. Os próximos meses serão críticos para avaliar a robustez da resposta imune à infecção por Sars-CoV-2. Com mais análises teremos condições de entender melhor o poder desses anticorpos e também outras questões relacionadas, como a reinfecção”, detalhou o autor do estudo.
Alta qualidade
Em outra pesquisa, publicada na semana passada, cientistas dos Estados Unidos também analisaram a produção de anticorpos do vírus Sars-CoV-2 no organismo humano e encontraram o mesmo período de duração. “Vemos claramente anticorpos de alta qualidade ainda sendo produzidos cinco a sete meses após a infecção por Sars-CoV-2”, explicou, em nota, Deepta Bhattacharya, professor da Universidade do Arizona e autor do trabalho publicado na revista Immunity.
Os cientistas americanos acompanharam um grupo de 6 mil pessoas com a enfermidade, testadas, periodicamente, por meio de um exame de sangue extremamente apurado. A técnica utiliza um método que busca por células de defesa de dois tipos (S1 e S2), que se ligam a duas partes diferentes do patógeno durante a sua neutralização. “A maioria dos testes de anticorpos busca só um tipo. Isso faz com que as análises sejam mais superficiais, pode ser esse o motivo de estudos anteriores terem mostrado que a imunidade ao vírus era menor”, detalharam os cientistas.
Para os pesquisadores, os dados verificados entram em concordância com o que já se sabe sobre outros tipos de coronavírus. “Vimos que as pessoas que foram infectadas com o Sars, que é o mais semelhante ao Sars-CoV-2, ainda apresentam imunidade 17 anos após a infecção. Se o Sars-CoV-2 for parecido com o primeiro, esperamos que os anticorpos durem pelo menos dois anos. Seria improvável um tempo muito mais curto”, ressaltou Bhattacharya.