Enquanto países europeus enfrentam nova onda da covid-19, obrigando a retomada de medidas de isolamento social, um estudo com dados de 131 países, incluindo o Brasil, publicado na revista científica The Lancet, calculou o impacto de ações individuais e em conjunto na redução do número de reprodução (R) da doença, uma variável que indica o potencial de propagação do vírus. Quando menor de 1, significa quantidade baixa de pessoas sendo contaminadas, mas, maior do que isso, demonstra o contrário.
Segundo a análise, enquanto a adoção de um conjunto de medidas foi responsável por reduzir significativamente para perto ou mesmo menos de 1 o número de reprodução, o relaxamento das políticas de contenção — inclusive a reabertura das escolas — teve efeito inverso. Essa é a primeira vez que se quantifica globalmente o reflexo do abandono das ações de isolamento.
Os autores do levantamento descobriram que, quatro semanas depois de acabar com a proibição de aglomerações, houve aumento de 25% do R. A volta às aulas associou-se a uma elevação de 24% na probabilidade de o novo coronavírus se propagar, após 28 dias.
Os dados foram calculados com medidas adotadas pelos 131 países analisados, desde 1º de janeiro (quando poucos tinham alguma ação contra covid, até então, acreditava-se, restrita à China) a 20 de julho. O cronograma de cada nação foi dividido em fases individuais, para refletir com precisão as políticas de contenção, que variaram muito entre elas. No total, foram 790 etapas avaliadas no estudo estatístico. O modelo considerou o procedimento de adotar ou relaxar as políticas até 28 dias depois.
“Os resultados da nossa análise principal apontam para uma tendência decrescente do índice de reprodução viral nas duas primeiras semanas depois do fechamento das escolas, dos locais de trabalho, da proibição de eventos públicos, da permanência em casa e nos limites de circulação de pessoas”, diz Harish Nair, da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, um dos autores do estudo.
Individualmente, a medida mais efetiva nesse sentido foi banir aglomerações com mais de 10 pessoas. Na primeira semana, o R era 0,9. Esse número caiu para 0,76 no 28º dia. Nair ressalta que a combinação de quatro medidas — fechamento de escolas e locais de trabalho, proibição de eventos públicos/aglomerações, pedidos para que as pessoas ficassem em casa e limitação de deslocamento pelo país — foi a mais eficaz para reduzir o número de reprodução do coronavírus. “Juntas, elas reduziram o R em 52%”, afirma.
Se as medidas restritivas ajudaram a conter a propagação do Sars-CoV-2, o relaxamento das ações afetou “substancialmente” o R, segundo Nair. “Nossos resultados também sugerem que, dentro de 28 dias, revogar a proibição de eventos públicos pode aumentar a transmissão em 21%, e suspender a proibição de reuniões com mais de 10 pessoas pode elevar em 25%”, cita.
Aulas
Sobre as escolas, cuja reabertura significou um crescimento de 24% no potencial de contágio, o pesquisador da Universidade de Edimburgo é cauteloso. De acordo com ele, a análise estatística não consegue discriminar as diferentes medidas exigidas por cada país para a volta às aulas, como o limite do tamanho das turmas, as rotinas de descontaminação e o uso de termômetro na entrada do colégio. “Apesar de algumas limitações do número de reprodução, que não pode ser interpretado como uma bola de cristal, o estudo nos mostra quais medidas restritivas funcionam e quais funcionam melhor, uma informação crucial, considerando que algumas dessas ações têm efeitos socioeconômicos massivos”, avalia o epidemiologista Chris T. Bauch, da Universidade de Waterloo, no Canadá, que não participou do estudo. “Além disso, acho que o R fornece uma utilidade social que os epidemiologistas podem nem pensar tanto a respeito: o sucesso de medidas em grande escala requer adesão da população, e o R pode estimular as populações a agir de forma cautelosa, para evitar a transmissão”, considera.
Autor de um estudo que avaliou como o relaxamento das medidas restritivas afetou estados norte-americanos, Steven Woolf, diretor do Centro de Estudos sobre Sociedade e Saúde da Universidade da Virgínia, destaca que abandonar as ações muito cedo pode custar vidas. “Estados como Nova York e Nova Jersey, que foram duramente atingidos no início, foram capazes de dobrar a curva e reduzir as taxas de mortalidade em menos de 10 semanas. Enquanto isso, estados como Texas, Flórida e Arizona, que escaparam da pandemia no início, mas reabriram cedo, mostraram um aumento prolongado de propagação da doença, que durou de 16 a 17 semanas, e ainda estava em andamento quando nosso estudo terminou”, compara.
Woolf admite que não é possível provar que a reabertura antecipada levou à nova onda. “Mas, parece bastante provável. A manutenção de medidas, como uso de máscara e distanciamento social, é muito importante se quisermos evitar esses surtos e grandes perdas de vidas”, observa.
Para Harish Nair, da Universidade de Edimburgo, o estudo publicado na The Lancet será útil para orientar governos sobre a readoção ou endurecimento das ações já em curso. “Como experimentamos um ressurgimento do vírus, os legisladores precisarão considerar combinações de medidas para reduzir o número R. Nosso estudo pode informar as decisões sobre quais medidas introduzir ou retirar, e quando esperar para ver seus efeitos, mas isso também vai depender do contexto local”, ressalta.