Os testes de diagnóstico para o novo coronavírus são uma ferramenta considerada essencial por cientistas para o combate à pandemia, porém essas tecnologias têm um custo alto, dificultando seu uso em regiões mais pobres. Para ajudar no rastreamento da covid-19 em países de renda mais baixa, pesquisadores da Universidade de Edimburgo, na Escócia, desenvolveram um método matemático que ajuda a avaliar a presença do novo coronavírus em grupos de amostras de até 99 indivíduos.
A nova técnica, que foi apresentada na última edição da revista britânica Nature, obteve resultados positivos em testes feitos em laboratório e em países da África. Segundo seus desenvolvedores, o método de triagem ampla é cerca de 20 vezes mais barato do que os testes individuais.
Os pesquisadores explicam que criaram a metodologia guiados pelo objetivo de eliminar os obstáculos enfrentados — inclusive financeiros — no momento de diagnosticar um maior número de pessoas para conter a disseminação do vírus. “O combate ao Sars-CoV-2 exige a rápida identificação e o isolamento contínuo dos indivíduos infectados. Os testes PCR são precisos, mas caros, e os custos são um desafio para todos os países, principalmente para os que estão em desenvolvimento. Acreditamos que as reduções de valores podem ser alcançadas testando grupos”, destacaram os autores do estudo, liderado por Neil Turok, pesquisador da Escola de Física e Astronomia da Universidade de Edimburgo, na Escócia.
Para realizar essa tarefa, os cientistas desenvolveram um algoritmo matemático, projetado para rastrear a presença do vírus da covid-19 em grupos de amostras com a mesma eficácia que os testes individuais. “Nosso método foi construído para analisar com precisão um número alto de swabs (amostras) de narina, com a mesma eficácia que os testes PCR. Para isso, realizamos várias análises, chegamos a misturar até 100 amostras para garantir a alta sensibilidade da nossa tecnologia na detecção do Sars-CoV-2”, detalharam os pesquiadores no artigo publicado na Nature.
Os cientistas explicaram que, após misturar os swabs, é feita uma primeira análise com o algoritmo, que consegue dizer se existe algum resultado positivo no grupo. Caso isso ocorra, os especialistas usam o algoritmo pela segunda vez, em uma nova série de testes mais apurados, capaz de indicar qual amostra (ou amostras) do grupo é a positiva.
Os pesquisadores obtiveram sucesso em misturas de até 99 swabs. “Temos com esse método uma importante vantagem. Se esse grande grupo de amostras, analisado em poucas horas, não aponta resultados positivos, podemos descartar todo um acompanhamento individual, que precisaria ser feito em uma grande quantidade de pessoas. Isso nos proporciona muito mais tempo, algo valioso para o combate da pandemia”, enfatizaram os cientistas.
Experiências
Até agora o método foi testado em aeroportos de Ruanda, para o rastreamento do vírus em grupos de passageiros, e na África do Sul, para acompanhar regularmente uma equipe de rúgbi. “Esse time teve testado um grupo de 81 pessoas com sucesso. Nas equipes esportivas, os jogadores e funcionários devem ser testados periodicamente, por isso, esse é um setor que pode se beneficiar da nossa tecnologia, assim como lares de idosos também”, ressaltou o artigo.
Para os pesquisadores, uma das maiores vantagens no uso da tecnologia é o custo mais baixo. “Os testes de PCR, que podem detectar o RNA viral, são muito precisos, mas custam cerca de US$ 30 (R$ 168) a US$ 50 (R$ 280) por teste. Esses valores são particularmente desafiadores para países de baixa renda. Nosso método é bem mais acessível e tem a mesma eficácia que o PCR, já que também busca o material genético do vírus”, comparam os cientistas. “Acreditamos que nossa testagem em massa possibilitará uma triagem inteligente, eficaz e econômica em várias regiões de renda mais baixa. Ao fazer isso, ele pode ser um divisor de águas e nos ajudará a superar a pandemia de covid-19”, detalhou Turok, em um comunicado a imprensa.
Virologista do Laboratório Exame, em Brasília, José Eduardo Levi assinalou que a estratégia escocesa já é usada para realização de outras análises laboratoriais. “Esses testes de pool, que analisam a junção de várias amostras, são explorados em relação a análises de sangue, por exemplo. Um dos problemas enfrentados é que, quando temos um grupo grande de material, podemos perder a eficácia do resultado, mas, no caso desse estudo, isso não ocorre porque a tecnologia usada, a mesma que o PCR, é bastante sensível. Então, não temos prejuízo em resultados”, opinou o especialista.
O médico também observou que a tecnologia foi pensada para ser usada, principalmente, no diagnóstico de pessoas assintomáticas. “Os próprios autores destacam isso na pesquisa. Caso a pessoa tenha sintomas, é melhor fazer logo o teste individual. Nesse caso, a estratégia é identificar quem tem o vírus para isolar a pessoa e impedir que ela propague o vírus”, disse.
Levi lembrou que um dos problemas que pode ocorrer com o uso dessa testagem em massa está relacionado à acessibilidade. “A minha crítica é que quando você usa o swab coletado no nariz, isso faz com que você precise de um profissional da área de saúde. O material dessa região é mais complicado de ser retirado. Eu apostaria em um método que analisasse as amostras da saliva. Outro ponto é que os aparelhos usados para esse tipo de análise são grandes e complexos, isso também atrapalha o seu uso em áreas mais remotas, por exemplo. Eu apostaria em uma opção futura que desse foco nessas características também”, enfatizou.