Envoltos em mistério e, por isso, fascínio, os buracos negros foram alvo de controvérsia e descrença por muito tempo, até que, em diferentes momentos, três cientistas conseguiram comprovar a existência desses engolidores de matéria, dos quais nem a luz escapa. Ontem, o britânico Roger Penrose, 89 anos, o alemão Reinhard Genzel, 68, e a norte-americana Andrea Ghez, 55, foram anunciados como vencedores do Nobel de Física. Um dos pioneiros no estudo desse objeto invisível, Penrose receberá 10 milhões de coroas suecas (pouco mais de US$ 1,1 milhão). Os outros 10 serão divididos entre Genzel e Ghez — a quarta mulher a ganhar essa categoria.
O reconhecimento do trabalho do trio de cientistas vem em um momento particularmente de glória da astrofísica, um campo que tem ganhado manchetes com descobertas como a das ondas gravitacionais previstas por Albert Einstein — o que rendeu o Nobel da área em 2017 a outro grupo de pesquisadores — e a de exoplanetas, que garantiram a honraria sueca a outro trio de cientistas no ano passado. No mesmo ano, um estudo sobre buraco negro foi considerado pelas principais revistas científicas do mundo como destaque de 2019: finalmente, o “monstro” invisível foi fotografado.
“As descobertas dos laureados deste ano abriram novos caminhos no estudo de objetos compactos e supermassivos”, disse David Haviland, presidente do Comitê Nobel de Física, ao anunciar o prêmio. “Mas esses objetos exóticos ainda colocam muitas questões que imploram por respostas e motivam pesquisas futuras. Não apenas perguntas sobre sua estrutura interna, mas também perguntas sobre como testar nossa teoria da gravidade sob as condições extremas nas imediações de um buraco negro.”
A existência desse objeto confirma a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein — ele mesmo, curiosamente, um incrédulo quando o assunto era buraco negro. Em 1965, 10 anos após a morte do gênio alemão, o teórico britânico Roger Penrose, da Universidade de Oxford, conseguiu demonstrar que o corpo celeste poderia se formar e demonstrou suas propriedades. Uma tarefa extremamente desafiadora, considerando que os buracos negros são uma fronteira na qual todas as leis conhecidas da natureza são rompidas. Para comprová-los, Penrose precisou expandir os métodos que Einstein utilizou nos estudos da relatividade, trazendo novos conceitos matemáticos. O estudo, publicado pelo britânico há quase seis décadas, é considerado, até hoje, a maior contribuição à teoria da relatividade.
“É uma grande honra receber este prêmio. Em 1964, a existência de buracos negros não foi devidamente avaliada. Desde então, eles se tornaram cada vez mais importantes em nossa compreensão do Universo, e acredito que isso possa aumentar de maneiras inesperadas no futuro”, disse, em nota, sir Roger Penrose, astrofísico, matemático e filósofo. “Estamos muito satisfeitos e orgulhosos. Sir Roger é mundialmente famoso por suas muitas contribuições para a matemática da relatividade geral e a cosmologia”, comentou a vice-reitora da Universidade de Oxford, Louise Richardson.
Confirmação
Mas, se os cálculos de Penrose ofereceram a base teórica da existência do buraco negro, faltava ainda demonstrá-lo de alguma maneira. Foi o que fez a dupla Reinhard Genzel e Andrea Ghez. A pesquisa de Ghez e Genzel, astrofísico do Instituto Max Planck, na Alemanha, começou há mais de duas décadas e concentra-se numa região da Via Láctea chamada Sagitário A*. Ambos lideram grupos de cientistas que mapearam as órbitas das estrelas mais brilhantes no centro da galáxia e chegaram aos mesmos resultados. As medidas indicaram a presença de um objeto invisível, mas extremamente pesado, que “puxa” o conglomerado estelar, fazendo com que se movimentem em velocidades extremamente rápidas.
“Eles confirmaram que a nossa galáxia tem um buraco negro supermassivo. Ele não emite luz, não engole nada. Mas estava lá”, explica o pós-doutor em astronomia Cássio Barbosa, professor do Centro Universitário FEI. “Parecia uma nuvem de abelhas que girava em torno de um ponto comum. Quando os cientistas fizeram cálculos, determinaram a massa desse ponto central: 3,96 vezes a do nosso Sol. E não se enxerga nada”, diz Barbosa. Esse ponto em comum invisível é o buraco negro da Via Láctea. Ao contrário de objetos do tipo de outras galáxias, esse está inativo. Como não há corpos celestes próximos o suficiente para serem engolidos, o supermassivo em Sagitário A* permanece sem emitir luz nem devorar objetos.
No ano passado, Ghez e Genzel descreveram, na revista Science, como a observação desse buraco negro confirmava, mais uma vez, a teoria de Albert Einstein sobre a gravidade no tecido espaço-tempo. Em janeiro de 2020, a dupla relatou mais uma novidade: a descoberta de uma nova classe de misteriosos objetos, no centro da Via Láctea, não muito longe do buraco negro supermassivo. Eles se parecem com gás e se comportam como estrelas.
“Temos ferramentas de ponta e uma equipe de pesquisa de nível mundial, e essa combinação torna a descoberta extremamente divertida. Nossa compreensão de como o Universo funciona ainda é muito incompleta. O Prêmio Nobel é fabuloso, mas ainda temos muito que aprender”, comentou Ghez, em nota. Em uma coletiva de imprensa transmitida on-line, Reinhard Genzel se disse surpreso. “Não esperava o Prêmio Nobel. Oito anos atrás, eu já havia recebido um prêmio muito grande da Academia Sueca, o Prêmio Crafoord. E quando você consegue esse preço, você está realmente fora do mercado”, brincou. “O Prêmio Nobel é uma honra para a equipe que tem trabalhado por 30 anos para nos tornar cada vez melhores.”