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Suspensos testes com forte candidata a vacina

Decisão é tomada após voluntário no Reino Unido que recebeu dose desenvolvida pela AstraZeneca e pela Universidade de Oxford apresentar reação adversa séria. Segundo a farmacêutica, a medida é de rotina e vale para todos os países integrantes da pesquisa, incluindo o Brasil

Os testes de uma das vacinas que lideram a corrida para evitar a infecção pelo novo coronavírus foram suspensos temporariamente. A fórmula desenvolvida pela empresa médica AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, teria causado reações adversas sérias em um voluntário do Reino Unido, levando a farmacêutica a adotar a pausa, classificada como uma medida de rotina. Diversos países estão testando a imunização, incluindo o Brasil, que aposta alto no uso dela para combater a pandemia. Também ontem, antes do anúncio da suspensão das pesquisas, o ministro interino da Saúde brasileiro, Eduardo Pazuello, informou os planos de iniciar a vacinação da população em janeiro (Leia mais na página 5).

A suspensão dos testes foi divulgada, inicialmente, pelo site americano de notícias médicas STAT News, sem citar as fontes ouvidas. Logo em seguida, a AstraZeneca confirmou a decisão. Segundo a farmacêutica, o processo de revisão padrão levou à suspensão temporária das atividades, para permitir a revisão dos dados. “Como parte dos testes globais controlados e randomizados em andamento da vacina de Oxford, nosso protocolo de revisão padrão foi acionado e fizemos uma pausa voluntária na vacinação para permitir uma revisão dos dados de segurança por uma comissão independente”, informou em nota.

A farmacêutica também afirmou que a suspensão é uma ação de rotina, indicada sempre que há, nos testes, alguma reação ou um problema de saúde sem explicação. “Em estudos de larga escala, doenças podem aparecer, mas devem ser revisadas de forma independente e cuidadosa. Estamos trabalhando para revisar esse único evento rapidamente para minimizar qualquer impacto no cronograma dos testes. Estamos comprometidos com a segurança de nossos participantes e os mais altos padrões de conduta em nossos testes”, ressaltou.

O comunicado não informou, porém, se a suspensão dos testes foi solicitada por alguma agência regulatória, quanto tempo ela durará nem deu detalhes sobre a pessoa que sofreu os efeitos adversos. Segundo o STAT News, o voluntário participou da terceira fase da pesquisa no Reino Unido. No país, pouco mais de 1.600 pessoas, com idade entre 18 a 55 anos, receberam a fórmula nos ensaios clínicos de fase três, a última fase das pesquisas.

No Brasil, essa etapa envolve cerca de 5 mil pessoas. Em nota, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), uma das responsáveis pelos testes, informa que alguns voluntários já receberam a segunda dose e não há “registro de intercorrências graves”.

Lado positivo

Segundo Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a interrupção dos testes, apesar de, em um primeiro momento, parecer desanimadora, tem um ponto positivo. “O lado ruim do anúncio é que estávamos em uma expectativa grande, aguardando a evolução dessas etapas rotineiras de pesquisa. Mas tem um lado bom, isso significa que os termos de controle e de pesquisa são rigorosos. Isso nos passa mais confiança nos testes”, ressalta. “É importante também frisar que não temos ainda muito detalhes. O caso de reação precisa ser investigado para que possamos saber se, realmente, teve algo a ver com a vacina.”

Para o médico, a suspensão não deverá afetar outras projetos que buscam uma fórmula que proteja a população contra a covid-19. “Temos vacinas diversas sendo testadas, e elas usam plataformas diferentes para gerar a imunidade. Não teremos influência desse estudo. Mas acho que um ponto negativo é que pode ser que tenhamos dificuldade para conseguir recrutar mais voluntários. É possível que as pessoas tenham medo”, analisa. “Também temos receio de que isso possa fazer com que as pessoas deixem de tomar outras vacinas. Esperamos que isso não aconteça.”

Cunha ressalta que os testes da fase três são importantes justamente para mostrar os possíveis efeitos adversos de vacinas em desenvolvimento, como o registrado pela AstraZeneca e pela Universidade de Oxford. “Por isso temos receio quando um país anuncia que não esperará todos os testes serem feitos, passando já para fase final na população. É importante esperar, para evitar problemas ainda mais graves. Todas as etapas precisam ser cumpridas para garantir que a vacina possa ser usada com total segurança por todos. Precisamos que essa corrida por uma vacina não seja feita de forma grosseira e atropelada, mesmo estando em uma pandemia.”

 

“O lado ruim do anúncio é que estávamos em uma expectativa grande (…) Mas tem um lado bom. Isso significa que os termos de controle e de pesquisa são rigorosos. Isso nos passa mais confiança nos testes”
Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)

Compromisso como rigor científico

Pouco antes de anunciar a suspensão dos testes, nove biofarmacêuticas, incluindo a AstraZeneca, haviam divulgado um comunicado em que se comprometem a respeitar o mais alto rigor científico no desenvolvimento da vacina da covid-19. O compromisso é uma resposta implícita às preocupações surgidas nos EUA diante da pressão do presidente Donald Trump para que se autorize a imunização da população antes da eleição presidencial, em 3 de novembro. No texto, as empresas afirmam que vão “apresentar apenas um pedido de autorização, ou de autorização de emergência, após ter demonstrado a segurança e a eficácia da vacina no contexto de um ensaio clínico de fase 3, concebido e realizado com o objetivo de cumprir as condições estabelecidas pelas autoridades regulatórias, como a FDA”, fazendo referência à agência estadunidense. O documento também foi assinado por representantes de GlaxoSmithKline, Johnson & Johnson, Merck Sharp & Dohme, Moderna, Novavax, Pfizer e Sanofi.