A grande expectativa global em torno da covid-19 é o sucesso no desenvolvimento de uma vacina. Mas, embora a prevenção seja crucial para pôr fim a uma pandemia que já matou mais de 820 mil pessoas pelo mundo, não é menos importante a descoberta de tratamentos para os infectados — por ora, 8,4 milhões, desconsiderando os 15,6 milhões recuperados. Como as estimativas são de que o Sars-CoV-2 continue circulando por um bom tempo, enquanto alguns grupos de pesquisadores buscam a imunização, outros correm atrás de terapias efetivas.
Hoje, há três principais linhas de pesquisa: moduladores do sistema imunológico, antivirais e terapia com anticorpos (produzidos no soro de convalescentes ou em laboratório). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há 150 medicamentos preexistentes, com indicação inicial para outras doenças, sendo testados, inclusive, no Brasil. Enquanto algumas tentativas se mostraram um fracasso — caso do antimalárico cloroquina e do vermífugo ivermectina —, outros fármacos testados clinicamente são promissores, e um deles está salvando vidas.
É o caso do corticoide dexametasona, apontado pelo Recovery Trial como o mais importante medicamento, atualmente, para pacientes de covid-19 em estado grave. Esse grupo de pesquisa, conduzido pela Universidade de Oxford — a mesma que desenvolveu uma das vacinas em testes no Brasil — é a maior iniciativa mundial em busca de um tratamento para a doença.
Lançado em abril, o consórcio de cientistas fez estudos sobre três remédios já existentes: a hidroxicloroquina (reprovada), o anti-HIV lopinavir-ritonavir (reprovado) e a dexametasona. Essa última droga, testada em 2.104 pacientes, comparados com 4.321 que receberam o tratamento usual, reduziu em um terço o número de mortes entre os com ventilação e em um quinto entre aqueles que receberam apenas oxigênio. “Com base nesses resultados, o tratamento poderia evitar uma morte em cada oito doentes ventilados, ou uma em cada 25 doentes apenas com necessidade de oxigênio”, concluíram os pesquisadores.
O mecanismo de ação da dexametasona consiste em combater as inflamações geradas pela resposta exagerada do sistema imunológico, que causa graves danos aos pulmões e a outros órgãos vitais. O medicamento também foi testado em 40 centros médicos brasileiros, com 299 pacientes, como parte das investigações da Coalizão Covid-19, um consórcio de pesquisadores brasileiros que estuda a eficácia e a segurança de drogas para combater a doença. Os resultados devem ser publicados em breve.
A Coalizão, da qual fazem parte instituições como os hospitais Sírio-Libanês, Albert Einstein, Moinhos de Vento e HCor, entre outros, publicou, em julho, o resultado do primeiro estudo do grupo sobre a hidroxicloroquina e concluiu que o medicamento não tem efeito no tratamento da covid. Agora, iniciará testes com dois antivirais desenvolvidos inicialmente para hepatites e que se mostraram promissores em pesquisas realizadas no Irã: o sofosbuvir e o daclatasvir.
Drogas combinadas
Esses medicamentos, combinados, reduziram o tempo de internação e o número de óbitos em uma amostra de 66 pacientes, divididos em dois braços, sendo que um recebeu ambas as drogas, e outro, a ribavirina, usada no tratamento da hepatite C. No primeiro grupo, a mortalidade foi de 6%, e no segundo, de 33%. Sharin Merta, professor da Universidade de Ciências Médicas de Teerã e autor do estudo, afirma que a próxima pesquisa — que inclui o Brasil — será realizada em cinco centros clínicos, com mais de 2 mil pacientes. Os resultados são esperados para outubro. Merta, porém, é cauteloso: “Conduzir pesquisas em meio a uma pandemia, com hospitais lotados, é um desafio, e não podemos ter certeza do sucesso”, pondera.
Em pesquisas in vitro, realizadas com três diferentes linhagens de células infectadas pelo Sars-CoV-2 e lideradas pelo Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), cientistas atestaram a eficácia do sofosbuvir e do daclatasvir — em especial, da segunda droga. Os resultados foram divulgados na plataforma de pré-publicação on-line bioRxiv e mostraram que os dois antivirais impediram a replicação do coronavírus nas células. O daclatasvir, porém, teve um efeito mais poderoso e, como já é comprovadamente seguro, pois faz parte do tratamento de pacientes de hepatite C, foi considerado promissor, segundo Tiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz e principal autor do estudo. “Esses resultados sugerem fortemente que o daclastavir, por seus efeitos antiSars-CoV-2 e anti-inflamatórios, pode trazer benefícios para os pacientes com covid-19.”
Na linha de modulação do sistema imunológico está o interferon beta, uma proteína produzida naturalmente pelo corpo e sintetizada em laboratório. No fim de julho, um estudo da Universidade de Southampton, na Inglaterra, mostrou que a substância reduziu em 79% o risco de evolução da doença, seja em relação à ventilação mecânica, seja ao óbito. O número de pacientes testados, 101, contudo, exige que novos estudos sejam feitos, ao contrário da dexametasona, cujos resultados foram considerados conclusivos.
Uma outra promessa é o remdesivir, medicamento desenvolvido originalmente para o ebola e que mostrou bons resultados em testes realizados até agora. Diferentemente da dexametasona, trata-se de um antiviral que, embora não tenha demonstrado impacto na mortalidade dos pacientes, reduziu o tempo de internação hospitalar de 15 para 11 dias, em um estudo com 1.063 pessoas, coordenado pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid), dos Estados Unidos. Mas um estudo na China com a mesma droga não mostrou benefícios potenciais, evidenciando a necessidade de mais testes com a substância.