
Em busca de curtidas e engajamento nas redes sociais, crianças e adolescentes têm colocado a vida em risco fazendo desafios propostos em plataformas da internet. De 2014 até hoje, no Brasil, pelo menos 33 crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos morreram e 20 ficaram com sequelas ao fazerem desafios como o do desodorante, que consistia em inalar a substância diretamente do frasco aerosol e que tirou a vida da brasiliense Sarah Raíssa, de apenas 8 anos, no último fim de semana. Os dados são do Instituto Dimi Cuida, criado em 2014 pelo pai do menino Dimitri, que faleceu praticando um jogo que consiste em provocar desmaios por sufocamento.
Com o objetivo de preservar a vida de outros jovens, o instituto desenvolve pesquisas, estudos e mantém uma troca permanente de informações com outras entidades no Brasil e no mundo. A organização fez um levantamento de casos por região em que crianças e jovens morreram ou ficaram com sequelas após aderirem a desafios.
De acordo com a psicóloga e docente do UniCeub, Izabella Melo, as crianças e adolescentes são mais vulneráveis psicologicamente. "Mesmo sem ter consciência disso, ao se conectarem com seus pares, elas estão em busca de pertencimento. E, muitas vezes, acabam aceitando participar de desafios como forma de se mostrarem leais a esses grupos, quase como uma 'prova' para serem aceitas", analisou. "Na minha leitura, isso está muito ligado à necessidade de identidade social. Quando a criança ou adolescente aceita um desafio, pode estar tentando garantir um lugar naquele grupo, evitar ser excluída e isso tem muito peso nessa fase da vida", acrescentou.
Izabella destacou ainda a fuga do bullying como um fator determinante para alguns jovens se renderem a desafios. "O bullying não acontece no vácuo, existe quem sofre, quem pratica e quem assiste. Se o grupo ao redor incentiva ou silencia diante do bullying, a tendência é que ele continue. Então, muitas crianças fazem de tudo para não virarem alvo. Isso inclui participar de trends ou se comportar de maneira que as aproxime do grupo dominante", observou a especialista.
Punição
Segundo o delegado Walber Lima, da 15ª Delegacia de Polícia, que investiga o caso de Sarah Raíssa, o responsável por postar o vídeo poderá responder por homicídio duplamente qualificado e cumprir até 30 anos de prisão. O advogado criminalista Rodrigo Carneiro explica que um dos fatores que qualificam o crime é o fato de que o meio utilizado para divulgação pode causar perigo comum e contra menor de 14 anos. "Tais qualificadoras do crime são previstas no rol do artigo 121 do Código Penal, que disciplina as sanções penais aplicáveis ao homicídio, com pena/reclusão que pode chegar de doze a 30 anos. Nesse sentido, sem sombra de dúvidas, numa eventual ação penal movida para punir aquele que publicou o vídeo, deve-se questionar a intenção do agente, isto é, se ele estava ciente dos riscos severos acarretados pelo desafio", detalhou.
Ainda de acordo com o especialista, uma investigação mais aprofundada pode levar a uma possível confissão de consciência dos riscos. "Essa intenção pode ser verificada por meio de depoimento do próprio autor e de outras pessoas que tenham tido contato com a gravação do vídeo. Isso pode evidenciar se quem publicou o material estava ciente dos riscos, tinha a intenção de divulgar a gravação desordenadamente, para que outras pessoas participassem do tal desafio ou se acreditava que, ao postar, acreditava não estar fazendo mal aos seus seguidores", esclareceu Carneiro.
O criminalista explicou ainda que, no caso, pode-se levantar a dualidade entre culpa consciente ou dolo eventual. "A culpa consciente é quando o autor pratica uma conduta acreditando que ela não causará resultados antijurídicos. No caso do dolo eventual, é possível uma aplicação de pena maior, que pode ir de 12 a 30 anos de reclusão, mas deverá ser provado que, inobservando o dever de cuidado ao disseminar o vídeo, o influenciador digital não se importava com possíveis consequências maléficas da sua ação", destacou.
O advogado penal e criminalista Paulo Klein enfatizou que o responsável poderá responder por indução ao suicídio. "A incitação ao suicídio é crime previsto no artigo 122 do Código Penal, cuja pena é de um a três anos de reclusão. A pena é duplicada se a vítima for menor e ainda pode ser aumentada até a metade quando é praticada por meio das redes mundiais de computadores", disse.
Quanto à responsabilização da plataforma onde o vídeo do desafio foi divulgado, o especialista esclarece que teria de haver uma prévia notificação. "Para haver uma eventual responsabilidade da plataforma, teria que haver uma prévia notificação da empresa para que ela adotasse alguma medida para banir aquele usuário, ficando evidenciada uma omissão imprópria passível de responsabilidade penal", salientou.
Tributo
Em homenagem à estudante Sarah Raíssa, 350 pessoas, entre pais, alunos e professores da Escola Classe 6 de Ceilândia, realizaram uma marcha para alertar sobre os riscos do uso das redes sociais sem monitoramento. "Entramos nas salas das turmas da manhã para abordar a questão do uso excessivo do celular. Então, os alunos e professores se prepararam para a caminhada com cartazes que falavam, por exemplo, da importância da vigilância e lembraram que a vida também acontece fora das redes", relatou a orientadora educacional Lilian Tamar Oliveira. Ao fim da marcha, o grupo, que contou com a participação dos pais da menina, soltou balões brancos.

A supervisora pedagógica da escola, Lidiane Martins da Silva, contou que as crianças ficaram curiosas querendo saber o que houve com Sarah e o motivo do acontecido. "A homenagem foi uma forma de expressar nosso amor, respeito e saudade pela estudante e de colocar essa temática em pauta. A gente está trabalhando dentro de todas as salas de aula essa temática da cultura digital, como que a gente pode utilizar o celular de forma saudável para pesquisa, jogos pedagógicos, tudo que cabe ao ambiente escolar e também trazendo a informação. Já é um tópico que é abordado dentro do currículo escolar, só que agora se fez necessária uma ênfase maior", afirmou.
Colaboraram: Letícia Mouhamad e Roberta Leite