Saúde mental

Saúde mental: licenças do trabalho crescem quase 83% no DF

Números do Ministério da Previdência Social mostram que afastamentos, entre 2023 e 2024, se deram, principalmente, por ansiedade e depressão

Várias causas desencadeiam problemas como a ansiedade, transtorno típico do estresse -  (crédito: Caio Gomez)
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Várias causas desencadeiam problemas como a ansiedade, transtorno típico do estresse - (crédito: Caio Gomez)

O Distrito Federal registrou, em 2024, mais de 14 mil afastamentos de trabalhadores devido a situações relacionadas com saúde mental, segundo levantamento do Ministério da Previdência Social. O número, que representa um aumento de 82,7% em relação a 2023, envolve pacientes com quadros psicológicos variados. Em destaque estão a ansiedade e a depressão, manifestadas tanto em episódios eventuais ou resultantes de transtorno depressivo recorrente.

"Minha apatia, desânimo e desespero foram se aprofundando ao longo dos meses, apesar da medicação, que me ajudou a cortar os choros diários. Era torturante não só manter o autocuidado, mas ir trabalhar", conta Lucas (nome fictício). Servidor público com 55 anos de idade, ele obteve uma licença para buscar se equilibrar emocionalmente.

Adoecido pela ansiedade e depressão, o paciente conta que tentou ao máximo evitar o afastamento. "Apesar de ofertas da chefia para tratamento, eu me recusava a fazê-lo por achar que continuar trabalhando podia me ajudar de alguma forma", relata. Em determinado momento, porém, o esforço de Lucas foi por terra. "Um dia, a situação chegou ao limite. Disseram-me que, no trabalho, durante uma crise, bati a cabeça na parede, o que obrigou meus superiores a me impor um afastamento de 30 dias e ajuda psicológica", diz.

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Causas

O número de afastamentos do ano passado é quase o dobro do período anterior (7.686 mil). Esses registros vinham em crescente, dado que em 2022 foram 5. 846 pedidos. Para a professora do Programa de Direitos Humanos da Universidade de Brasília (UnB) e doutora em Sociologia, Elen Geraldes, o aumento pode ser relacionado à covid. "Na pandemia, aconteceu uma transformação no universo do trabalho. Antes parecia assustador um emprego exclusivamente on-line, com o uso das tecnologias. Durante a quarentena, isso se tornou uma realidade. As pessoas se acostumaram com o trabalho de casa, que permitia a elas uma rotina diferente com mais possibilidades. Depois, foram realocadas no regime presencial, sem o acolhimento e adaptação correta", comenta.

Para a pesquisadora, singularidades de Brasília também podem intensificar a sensação de deslocamento e solidão. "Na cidade, existem quase castas, de quem é concursado, terceirizado e por aí vai. São tipos de remuneração, de situação, de segurança diferentes. E essa comparação leva a um desgaste psicológico", explica. Geraldes ressalta também o problema do assédio no ambiente de trabalho. "Muitas vezes, a natureza do trabalho que se dá no DF, o trabalho político, que envolve tensionamentos, visões de mundo diferentes, cobrança de resultados, tudo isso pode ser um elemento de agravamento à saúde mental", completa.

A professora destacou que uma parcela de trabalhadores não contabilizada nos dados do Ministério: quem atua como pessoa jurídica. Em abril de 2024, havia mais de 412 mil microempreendedores Individuais (MEI) no DF. Sem direitos garantidos pelas Leis do Trabalho (CLT), na opinião dela, eles estão largados à própria sorte em caso de adoecimento. "MEI perde direitos e acaba sendo muito cobrado, às vezes mais do que quem trabalha com carteira assinada", opina Geraldes.

"Embora ser PJ me permita ter mais liberdade, os direitos fazem falta. Não tenho férias, não tenho segurança nenhuma caso eu fique doente e precise me afastar", conta um gestor de tráfego, de 29 anos, que pediu anonimato. "Em vários momentos eu senti que precisava de um tempo, me senti a beira de um burnout e simplesmente não pude me resguardar porque se eu não trabalhar eu não recebo", completa. Para ele, ser uma pessoa jurídica o sobrecarrega muito mais com responsabilidades do que um trabalhador CLT. "Caso algo dê errado ou os resultados da empresa não saiam como esperados, é muito mais simples culpar quem tem um vínculo de PJ. A pressão é muito grande, tudo isso afeta o psicológico. Falta empatia", lamenta.

O psicólogo Wanderson Neves explica que pacientes com depressão podem ter uma piora com as responsabilidades e compromissos do dia a dia profissional. "A sobrecarga de tarefas, pressão por resultados e falta de equilíbrio entre vida pessoal e profissional podem levar ao esgotamento emocional", analisa. Segundo ele, a ansiedade, por sua vez, se manifesta ainda mais, no indivíduo desestabilizado com a rotina laboral.

Garantias

Por lei, o empregado pode se afastar, com atestado psicológico, emitido por um psicólogo, por até 15 dias. Se o caso necessitar um período maior, o afastamento é um direito concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Para isso, o trabalhador deve passar por perícia médica e apresentar o atestado e o solicitação de licença. Contudo, mesmo com essa garantia legal, muitos profissionais que estão adoecidos têm medo de requerê-la por temer até perder seu emprego ou alguma represália.

Cristiane Vieira, advogada do escritório Ferraz dos Passos, esclarece que o beneficiado por esse direito específico não pode ser demitido no período de afastamento. E se a demissão ocorrer durante a licença, existe a possibilidade de que a Justiça a reverta e ainda determine que o empregador pague multas e até indenizações.

Responsabilidade

Para o Gerente Executivo da área de Gente e Cultura da Bancorbrás, Sérgio Garcia, identificar o adoecimento do funcionário é, inicialmente, papel do gestor. De acordo com ele, é necessário identificar a causa dos problemas para que sejam tratados da melhor forma possível, até mesmo com o remanejamento do funcionário dentro da empresa, em uma situação que contribua para seu bem-estar. "A partir da percepção de uma anormalidade, ele deve orientar para que essa pessoa busque uma ajuda especializada", diz.

Ele frisa que, durante o processo de afastamento, a empresa deve acompanhar seu empregado, prezando pela sua privacidade. "Isso quem faz, normalmente, é um técnico de medicina e segurança de trabalho, com muito cuidado, para não ferir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), porque como nós estamos falando de dados sensíveis não podemos ser invasivos." Garcia considera que, para manter a mente do trabalhador saudável, a empresa pode adotar estratégias como acesso a academias, clubes de corrida e viagens, além de manter um local seguro e de qualidade para o trabalho. "É papel da liderança garantir um ambiente saudável e sem nenhum tipo de assédio, discriminação, perseguição dentro do ambiente interno".

O que é burnout?

Burnout, ou Síndrome do Esgotamento Profissional, se caracteriza pela exaustão física e emocional do paciente, que também apresentam sentimentos de fracasso e desmotivação. Os primeiros sinais incluem cansaço extremo, insônia e alterações de humor. O tratamento envolve terapia, técnicas de relaxamento, mudanças no estilo de vida e, em alguns casos, medicação.

Ansiedade e depressão: quando buscar ajuda?

No consultório, vejo muitas pessoas chegarem com a mesma dúvida: "O que estou sentindo é normal ou pode ser um transtorno?" Essa incerteza é comum porque tanto a ansiedade quanto a depressão podem começar de forma sutil, se misturando à rotina até que o peso parece insustentável.

E distinguir um estresse passageiro de um adoecimento psíquico é desafiador, mas a diferença está na frequência, intensidade e o impacto dessas emoções na sua vida. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR), a ansiedade frequentemente se manifesta como uma sensação constante de inquietação. A pessoa se preocupa o tempo todo, sente que precisa estar sempre no controle e tem dificuldade para relaxar. No corpo, isso se reflete como insônia, tensão muscular, fadiga e até sintomas físicos como dor no peito ou falta de ar. Já a depressão tem um tom diferente. No consultório, é comum ouvir frases como "eu já não sinto vontade de fazer nada como antes" ou "parece que tanto faz, nada muda". Os sinais incluem um cansaço persistente, perda de interesse em atividades antes prazerosas, alterações no sono e apetite, além de pensamentos recorrentes de inutilidade ou culpa.

Mas sentir ansiedade e tristeza em algumas situações é normal. O problema surge quando essas emoções não vão embora e começam a dificultar seu dia a dia. Na perspectiva da Terapia Cognitivo Comportamental, tanto a ansiedade quanto a depressão estão associadas a padrões de pensamento e comportamento que mantêm e reforçam o sofrimento. Por exemplo, alguém com ansiedade pode evitar compromissos por medo de não dar conta, o que reduz momentaneamente a tensão, mas aumenta a insegurança no longo prazo. Já alguém com depressão pode ter pensamentos como "nada mais faz sentido" sou "eu queria sumir", o que pode levar ao isolamento e à piora do quadro clínico. Essas "armadilhas" da mente são automáticas e difíceis de perceber, mas podem ser modificadas com o tratamento adequado.

Se você sente que esta constantemente esgotado, procrastina por medo de falhar, perde o prazer nas coisas que antes faziam sentido ou percebe que suas emoções estão "dominando" sua vida, é hora de buscar ajuda. Conversar com um psicólogo e, se necessário, um psiquiatra, pode ser o primeiro passo para compreender e tratar o que está acontecendo. Afinal, saúde mental não se resolve com soluções rápidas ou mágicas, mas com o cuidado certo.

Karolyne Melo, psicóloga

postado em 10/04/2025 06:00