
Qual é a sua Brasília? Que Brasília te move, te inspira, te acolhe, te acalma? Entre um ou outro eixo, entre as cidades que formam uma capital jovem e potente, o que te faz sentir em casa nessa terra seca, quente e árida fincada no meio de um planalto ornamentado e alimentado pelo cerrado?
A minha Brasília é a dos parques. A das esquinas invisíveis. A da confusão organizada das tesourinhas. Dos sotaques diversos. Da timidez dos barulhos. É o vão infinito aberto pelos pilotis nas superquadras, com direito a bate-papo e a brincadeira de pique-pega, andanças de bicicleta pelo Eixão ou por outros eixos que se formam no Plano Piloto de Lucio Costa.
Brasília, para mim, é berço. Esplêndido. Numa volta despretensiosa pela cidade, encontro o hospital onde nasci, os outros onde dei à luz, o prédio que meu avô construiu, o primeiro em que meu pai morou nessas terras, as igrejas que marcaram casamentos, batizados e despedidas.
Quando contei para minha filha que todos os bisavós dela eram mais velhos do que Brasília, ela se impressionou. Afinal, como é possível uma pessoa ter mais anos de vida do que uma cidade? Pois aqui o impossível acontece: o céu é o limite para a realização dos nossos sonhos. E como o de Brasília se estende no horizonte sem-fim, com tons de laranja e rosa no fim de tarde, a poesia do firmamento se torna combustível para ir mais longe.
Entramos na terceira geração de brasilienses. Os pioneiros desse projeto ousado que se tornou a capital federal criam seus bisnetos sobre o solo onde, antes, só viam o barro vermelho. As memórias daquele tempo ainda são palpáveis no relato deles. É um privilégio ter contato com pessoas que viveram a história e podem contá-las sob seus pontos de vista.
São médicos, arquitetos, profissionais da segurança, pedreiros, eletricistas, músicos, porteiros, vendedores, bancários, diplomatas, servidores públicos, jornalistas, escritores, políticos e tantos outros que transformaram esse espaço em lar e preencheram cada canto do quadradinho com monumentos que completam as obras de Niemeyer.
Essa visão nostálgica da cidade é a que ainda permanece no meu imaginário. Sinto segurança e liberdade ao andar pelas ruas ou buscar um endereço para tomar um café e descansar no fim de semana. É esse sentimento de pertencimento que nutre meu amor pela cidade e o respeito que espero transmitir para cada um dos cidadãos — brasilienses ou não — pelos quais eu esbarre por aqui.
Em sua Sinfonia da Alvorada, Vinicius de Moraes descreve bem a contradição em forma de cidade que se ergueu no centro do Brasil. "No princípio era o ermo / Eram antigas solidões sem mágoa. / O altiplano, o infinito descampado / No princípio era o agreste: / O céu azul, a terra vermelho-pungente / E o verde triste do cerrado. / Eram antigas solidões banhadas / De mansos rios inocentes / Por entre as matas recortadas. / Não havia ninguém. A solidão / Mais parecia um povo inexistente / Dizendo coisas sobre nada."
O feito de construir a cidade nesse cenário exigiu dos bravos candangos homenageados na Praça dos Três Poderes sangue, suor e lágrimas. Hoje, não é diferente. Brasília se transforma nas suas contradições e enfrenta desafios de grandes centros urbanos — privilegiada no centro e castigada na periferia.
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Mas há algo aqui que envolve e cativa, um espírito empreendedor entranhado nas vigas de concreto montadas a muitas mãos. A minha Brasília é essa que transborda descobertas e ativa um caldeirão de cultura.