ANIVERSÁRIO DE BRASÍLIA

Crônica: Envelhecer sem perder a ternura

A capital do país quase nunca se abre com promessas fáceis: os eixos e asas não te aconchegam imediatamente com abraços, mas as tesourinhas também não cortam seus sonhos

Acho curioso pensar que, quando cheguei aqui, aos 23 anos, Brasília tinha 43 — um pouco mais jovem do que eu hoje. Eu envelheci, e ela também -  (crédito: Maurenilson Freire)
x
Acho curioso pensar que, quando cheguei aqui, aos 23 anos, Brasília tinha 43 — um pouco mais jovem do que eu hoje. Eu envelheci, e ela também - (crédito: Maurenilson Freire)

Há período de seca e época de chuva, mas, em qualquer mês do ano, tem sempre aquele dia em que Brasília amanhece com céu de brigadeiro. E é nessas datas que eu, como todo apaixonado, me pego suspirando pela cidade como se fosse a primeira vez. São 22 anos, algo em torno de 8 mil dias e 190 mil horas. Tempo demais, véi! E quem diria: parece ontem que eu cheguei aqui, achando tudo grande e distante demais. Distante, principalmente, da minha casa.

A capital do país quase nunca se abre com promessas fáceis: os eixos e asas não te aconchegam imediatamente com abraços, mas as tesourinhas também não cortam seus sonhos. Ela te conquista aos poucos, de forma silenciosa, em meio a traçados e caracteres alfanuméricos que não são exatamente decifráveis ao primeiro olhar e a uma temperatura complexa de mensurar à flor da pele. 

Acho curioso pensar que, quando cheguei aqui, aos 23 anos, Brasília tinha 43 — um pouco mais jovem do que eu hoje. Eu envelheci, e ela também. Agora, aos 65, é possível contemplar com maior nitidez as rugas e as cicatrizes. As marcas de idade são inerentes a quem atravessa o tempo, por mais que as obras urbanísticas em expansão tentem maquiá-las com suntuosos viadutos, edifícios alcançando o céu e novos parques se abrindo na imensidão verde do quadradinho.

Já os machucados nem sempre podemos evitar, e alguns até parece que nós sentimos juntos a dor. Como quando o patrimônio foi invadido e apedrejado no lamentável episódio recente de vandalismo e extremismo. Aquilo feriu pessoalmente cada um de nós que amamos esta cidade. 

Mas nada apaga o vigor que se perpetua na alma da nossa capital. Ela acumula tradição nas esquinas que dizem não existir por aqui, resistência nos inúmeros becos que servem de respiro entre as não raras casas geminadas e esperanças nas pequeninas janelas dos milhares blocos residenciais — com ou sem cobogó. A cidade não possui mar, mas, além do panorâmico lago Paranoá, tem bar, onde a galera se encontra e, sem perceber, muitas vezes, em meio a conversas fiadas surfadas nas calçadas das quadras comerciais, ajuda a escrever capítulos poéticos que mergulharão na memória local.

Ainda que distante de onde eu vim, Brasília se tornou a minha casa. Para quem, como eu, adora viajar, é um alento quando o avião se aproxima da capital, e a gente consegue visualizar, ainda andando nas nuvens, a maquete tão característica que sinaliza o nosso lar. Nesses minutinhos que antecedem o pouso, é como se pudéssemos sentir invadir nossas narinas o aroma dos ipês e do kibeirute fritinho na hora — e até mesmo aquela sensação inconfundível de secura no nariz. 

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

Hoje, ao ver Brasília celebrar mais um ano, é como se eu estivesse observando uma avó que envelhece sem perder a ternura. Ao contrário: quanto mais avança o tempo, maior fica o cuidado. E é bom que a capital não busque parecer jovem, mas se mantendo uma senhora elegante, de olhar futurista, e que será sempre um avião! 

  • ESP_CronicaBSB65_Patrick_Selvatti
    Acho curioso pensar que, quando cheguei aqui, aos 23 anos, Brasília tinha 43 — um pouco mais jovem do que eu hoje. Eu envelheci, e ela também Foto: Maurenilson Freire
  • ESP_CrônicaBSB65_Patrick_Selvatti
    ESP_CrônicaBSB65_Patrick_Selvatti Foto: Maurenilson Freire
  •  Perfil.  Patrick Selvatti
    Perfil. Patrick Selvatti Foto: Arquivo Pessoal
postado em 21/04/2025 05:00