Infraestrutura

DF tem segurança hídrica, mas abusos preocupam

A Caesb investe R$ 13 milhões em nova adutora para interligar os sistemas Descoberto e Torto/Santa Maria. Mesmo com a previsão normal de chuvas, especialistas alertam para o aumento do consumo e a necessidade de uso consciente da água

Obras na marginal da EPTG na região entre Águas Claras e Vicente Pires para a nova adutora da Caesb -  (crédito:  Carlos Vieira CB/DA Press)
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Obras na marginal da EPTG na região entre Águas Claras e Vicente Pires para a nova adutora da Caesb - (crédito: Carlos Vieira CB/DA Press)

A Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) está construindo uma nova adutora nas proximidades do Viaduto Israel Pinheiro, na Estrada Parque Taguatinga (EPTG). Com investimento de R$ 13 milhões, a estrutura vai conectar os sistemas de abastecimento dos mananciais Descoberto e Torto/Santa Maria, possibilitando a redistribuição de água entre eles sempre que necessário.

Com a nova adutora, será possível transferir até 1.000 litros de água por segundo de um sistema para outro, o que garante maior segurança hídrica para milhares de moradores do Distrito Federal, especialmente em períodos de estiagem. Na prática, se houver escassez de chuvas e for necessário poupar um manancial, a adutora permitirá que a população utilize o outro reservatório de água.

A obra vai beneficiar diretamente moradores de 14 localidades, entre elas Guará, Núcleo Bandeirante, Estrutural, Cruzeiro, Sudoeste, Candangolândia e Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA). A nova estrutura será integrada à adutora de água tratada de Taguatinga, que possui papel estratégico na conexão dos sistemas de produção dos rios Descoberto e Corumbá com o centro de Brasília. Com cerca de 18 quilômetros de extensão, essa adutora vai do viaduto de Taguatinga Centro até o reservatório do Cruzeiro, no Eixo Monumental. Segundo a Caesb, a operação plena do novo sistema permitirá que, mesmo que um dos mananciais tenha seu fornecimento interrompido, a população continue sendo abastecida de forma contínua.

Presidente da Caesb, Luís Antônio Reis destacou o ganho de segurança hídrica proporcionado pela nova infraestrutura. "Essa interligação dos sistemas nos dá muito mais segurança para lidar com períodos de estiagem. Isso garante o abastecimento contínuo para milhares de moradores e faz parte das várias ações da Caesb e do governo Ibaneis para melhorar a qualidade de vida da nossa população", afirmou Reis. 

Para este semestre, a previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) é de normalidade, ou seja, sem períodos prolongados de estiagem. Dados climatológicos da instituição mostram que somente maio terá probabilidade de chuvas abaixo da média esperada para o mês, que é de 26,9mm. 

Especialistas

No entanto, especialistas alertam que, apesar de a obra da nova adutora dar maior segurança hídrica à capital do país, é preciso ficar atento ao consumo consciente de água. Segundo o hidrólogo Henrique Marinho, professor da Universidade de Brasília (UnB), esse cuidado se faz ainda mais necessário, tendo em vista o prognóstico de aumento da demanda por recursos hídricos em Brasília.

"O consumo de água tende a aumentar no Distrito Federal, impulsionado tanto pelo significativo crescimento populacional, quanto pela elevação dos padrões de consumo. Isso resulta em um consumo médio de cerca de 200 litros por habitante ao dia, valor superior à recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS)", explicou.

A engenheira florestal Maria Eduarda Coelho também ressalta os impactos das mudanças climáticas e do desmatamento no Cerrado, que agravam a estiagem e reduzem a disponibilidade hídrica. "O Cerrado, como um todo, tem sido bastante afetado pela conversão de áreas naturais para a agricultura. Como resultado, vemos a redução e atraso das chuvas, diminuição dos corpos d'água e vazões dos rios", explica. 

Entre as soluções apontadas por Marinho, estão políticas públicas voltadas ao reuso da água. Ele cita como exemplo os edifícios mais recentes, que têm utilizado "águas cinzas" — como a da máquina de lavar — para usos não potáveis, como irrigação e limpeza de áreas comuns. A cobrança pelo uso da água bruta — aquela presente na natureza, sem qualquer tratamento ou interferência humana — também aparece como um instrumento fundamental para a gestão dos recursos hídricos. "A implementação de uma pequena taxa pelo uso da água leva a um disciplinamento (do uso comercial)", recomenda Marinho.

Para garantir a segurança hídrica a longo prazo, a engenheira Maria Eduarda também defende o investimento em Soluções baseadas na Natureza (SbN), como a recuperação de nascentes, restauração da vegetação nativa e conservação de áreas de recarga (leia artigo).

Mais investimentos

Além da nova adutora, a Caesb anunciou um investimento para ampliar a segurança hídrica da população. Cerca de R$ 135 milhões estão sendo destinados às obras do Sistema de Abastecimento Norte, que beneficiará aproximadamente 355 mil moradores das regiões de Sobradinho, Sobradinho II, Grande Colorado, Boa Vista, Taquari, Itapoã e Região dos Lagos. A previsão é que o fornecimento de água seja iniciado a partir de junho de 2025.

Outro projeto de grande porte em andamento é a construção da Subadutora de Água Tratada Gama, que vai reforçar o abastecimento em áreas como São Sebastião, Jardins Mangueiral, Jardim Botânico, Lago Sul, Paranoá e Itapoã. Com investimento de cerca de R$ 92 milhões, a obra vai beneficiar 340 mil habitantes e contribuir para desafogar o Sistema Torto-Santa Maria, um dos principais responsáveis pelo fornecimento de água no DF.

Guardiões da sustentabilidade

A segurança hídrica do Distrito Federal depende tanto de grandes obras de engenharia, que reduzem perdas no caminho da água — como vazamentos, infiltrações e evaporação —, quanto da atuação silenciosa e estratégica no campo. Produtores rurais têm papel essencial nesse processo: são eles que cuidam das nascentes, restauram florestas e adotam práticas sustentáveis de uso do solo. São verdadeiros produtores de água, que ajudam a proteger as bacias hidrográficas e a garantir que a água continue fluindo até as torneiras da cidade.

No DF, o Projeto Produtor de Água no Pipiripau e no Descoberto é uma referência nacional na articulação entre conservação ambiental e produção agrícola. Integrante do Programa Produtor de Água, da Agência Nacional de Águas (ANA), o projeto tem como diferencial a adesão voluntária de agricultores, que recebem incentivos financeiros por serviços ambientais prestados à sociedade. Ou seja, quem cuida da terra também é valorizado por sua contribuição à coletividade.

Desde 2011, na bacia do Pipiripau, e a partir de 2019 na Bacia do Descoberto, mais de 210 produtores aderiram à iniciativa. Foram plantadas mais de 400 mil mudas, implementadas ações de recuperação de áreas degradadas e aprimoradas as práticas conservacionistas nas propriedades rurais. Os resultados são visíveis na melhoria da qualidade da água, na regulação do fluxo dos rios e na redução dos impactos ambientais.

A Emater-DF participa ativamente dessa transformação. Atua na mobilização dos agricultores, na elaboração dos projetos individuais das propriedades e no acompanhamento técnico das ações implementadas. A renovação do Acordo de Cooperação Técnica do projeto no Pipiripau, em novembro de 2023, e o recente chamamento público para novos produtores no Descoberto, reforçam o compromisso contínuo com a sustentabilidade.

Ao reconhecer o valor dos produtores de água, reconhecemos também que a preservação dos recursos hídricos é uma responsabilidade compartilhada. Garantir água em quantidade e qualidade para as gerações futuras exige compromisso, cooperação e valorização de quem está na linha de frente da conservação: o produtor rural.

Iclea Silva, engenheira ambiental da Emater-DF

postado em 09/04/2025 05:00