
Por Luís Jorge Natal - Brasília apareceu de repente na minha vida. Eu não vim para Brasília, fui trazido para cá, em março do longínquo 1962. Confesso que me lembro pouco do início da nova cidade. Mas me recordo da 308 Sul com um chão vermelho e pouquíssimas árvores, baixas, retorcidas.
Nasci em Natal, a cidade, e minha família veio para cá para realizar um sonho de meu pai. Desde cedo, movido pela necessidade, Seu Rossini sabia que deixaria o Rio Grande do Norte. Durante a Segunda Grande Guerra, muito novo, trabalhou como almoxarife na base aérea de Parnamirim — cidade ao lado da capital — utilizada, então, pelos americanos. De lá partiam as tropas ianques para a África. Eram tempos do Trampolim da Vitória.
Esse trabalho despertou um sentimento cosmopolita no jovem nordestino, que, logo depois da guerra, passou a correr o mundo sem sair do Brasil. Primeiro, o Rio de Janeiro, a capital; depois, São Paulo. A vida o obrigou a voltar para Natal, onde sentou praça. Namorou, noivou e se casou com uma linda conterrânea, como são todas as nossas mães. Trouxe para Natal o hábito de ler o jornal Última Hora do Rio e a paixão eterna pelo Botafogo.
Foi no jornal do Samuel Wainer que leu sobre Brasília. Juscelino Kubistchek havia dito em Jataí-GO que iria cumprir a constituição e trazer a capital do país para o interior. Foi ler a notícia, que chegava com um dia de atraso, e dizer para a jovem Enói que era onde iriam morar. Em 1961, foi transferido pelo Banco do Brasil e trouxe a família no início de 1962: três filhos pequenos e uma quarta veio se juntar à turma no ano seguinte. Assim começava a vida na nova cidade. Porém, o projeto foi abruptamente interrompido pelo golpe militar de 1964. Punido por exercer militância contrária à ditadura, meu pai teve como castigo voltar para uma pequena cidade do Rio Grande do Norte. Menos mal que era o estado onde estava a família ampliada. Avós, tios, tias, primos e amigos atenuaram a frustração.
A vida seguiu e, depois de um inquérito, conquistou o direito de voltar. Retornamos em 1968 (antes do AI-5) para a mesma 308, agora já gramada e com árvores plantadas. Um novo começo.
É, poderia dizer que faço parte da geração dos verdadeiros pioneiros, aqueles que foram trazidos no colo dos pais. Na nova capital, começaram a criar turmas, ganhar identidade. Nas quadras avermelhadas, juntaram-se dezenas de amigos que não esqueci até hoje. Além das meninas. Eram tempos de Bolinhas e Luluzinhas.
Na escola, conheci colegas de uma vida inteira — sem citar nomes, para não cometer injustiças. Nunca parei de fazer amigos. Fazer lista é complicado, sempre sobra alguém querido.
Mas vamos lá: a editora me pediu para, na primeira pessoa, escrever sobre a minha Brasília. Achei impossível sem contar como vim parar aqui, onde ganhei o nome de Natal e, como numa música do Roberto e Erasmo, vivi muitas emoções.
Tenho várias Brasílias. Morei em tantos lugares, estudei em tantas escolas, joguei muitas peladas, dancei em inúmeros clubes, conheci cada cidade-satélite, trabalhei em várias empresas e órgãos públicos, sempre fazendo amizades. Tem também os bares, onde tudo se resolve, para o bem ou para o mal. A minha Brasília é tudo isso aí, extrapola o quadradinho. E agora o meu bairro vai ter uma praça chamada Paulo Pestana, amigo que escolhi para homenagear todos aqueles que carrego no peito.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Para encerrar, me casei, tive três filhos candangos e agora um netinho. E recorro de memória, à definição criada, como não poderia deixar ser, por um poeta, Aldo Justo: "Brasília é reta e sem bunda, mas é gostosa demais".