ANIVERSÁRIO DE BRASÍLIA

Crônica: Contemplo a vista 

Seja no Plano Piloto ou nas cidades satélites, Brasília tem um frescor. Assim como meu conterrâneo, Juscelino Kubitscheck, deixei as montanhas mineiras para explorar um novo horizonte

Contemplo a vista por fora da janela: a cidade sem prédios altos nem morros -  (crédito: Maurenilson Freire)
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Contemplo a vista por fora da janela: a cidade sem prédios altos nem morros - (crédito: Maurenilson Freire)

A prosa está animada para um sábado, até que a garçonete, com copos de plásticos, avisa que o bar na 410 Norte está fechando. Olho para meus amigos — um brasiliense, cuja família veio do Rio, e uma mulher que cresceu na Asa Sul em meio a cultura baiana — e sei que é o horário de partir. Ainda é estranho, já que de onde venho, a capital mineira, o horário de partida é apenas quando o sol aparece. Peço um carro de aplicativo, despeço e entro no veículo.

Contemplo a vista por fora da janela: a cidade sem prédios altos nem morros. Brasília é mais escura durante a madrugada, iluminação que convida para dormir, já que, a noite não é uma criança aqui. Mas o dia compensa. Cada raio de sol é uma oportunidade de encher o corpo de serotonina. Seja pelas paisagens que lembram um museu a céu aberto; o calor típico do Cerrado; as feiras com comidas, bebidas e artesanatos; o samba e o pagode, que ecoam na cidade, apesar do rock ainda ser presente; e as pessoas…

Comento com o motorista como o brasiliense pode aparecer como alguém frio, com medo de intimidade. "Isso é culpa dessa localização. Pensa só, os candangos deixaram tudo de lado e vieram para o meio do nada construir uma nova etapa, não só na vida deles, mas no Brasil. E aí, os laços foram sendo criados como uma proteção. E como você já tem tudo dentro, é difícil deixar uma nova pessoa entrar", responde, com um bom humor invejável para quem está trabalhando àquelas horas da noite. 

Fiquei em silêncio, refletindo como foi difícil encontrar amigos no DF. Mas minha mente me leva para festas em que fui sozinha e voltei com memórias de danças e cantos desafinados ao lado de desconhecidos que me desejam feliz aniversário. A tática para me aproximar é sempre a mesma. Soltando o minerês, pergunto o típico: "De onde você é?". A resposta sempre me leva para conhecer a árvore genealógica. "Minha avó veio de Pernambuco, conheceu um paulista. Aí, já sabe, né?!", relata o motorista.

Penso na mistura cultural que cresce, como se um pedaço de cada estado se unisse em um cuscuz - prato este que comecei a comer aqui, assim como carne de sol, tapioca e as famosas "jantinhas", que conhecia apenas como uma refeição com espetinho. Essa reflexão me leva direto a domingos no Eixão, em que, ao som de chorinho ou jazz, um debate sobre chope rende uma tarde de conversas sobre diferenças entre as regiões do Brasil.

Diferente do inverno mineiro, não há frio em Brasília. O que há é uma queda na temperatura que faz os brasilienses saírem, pela primeira vez no ano, com blusas de manga comprida e jaquetas. Outra característica daqui são as intensas secas, que fizeram meu nariz sangrar no primeiro ano. Já me acostumei, assim como com os endereços. Certa vez, uma amiga mineira, carinhosamente, se referiu a Superquadra Norte (SQN) como a gíria Só Que Não.

Na Asa Norte, o carro sobe o Eixinho aos 60 km/h, mas precisa diminuir a velocidade por conta de uma blitz policial logo a frente. A educação no trânsito no DF é algo que me encanta, ter as rotas facilitadas por um carro, o que é a realidade de muitos que usam o transporte público.

Outra reclamação que escuto é a "falta de entretenimento". Não nego que me decepcionei, digo ao motorista. "Isso é no Plano. Tem muita coisa bonita para lá", responde. Concordo. Certa vez, fui domada pela adrenalina da esperança de ganhar uma leitoa em um bingo no Guará. Que diversão!

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Seja no Plano Piloto ou nas cidades satélites, Brasília tem um frescor. Assim como meu conterrâneo, Juscelino Kubitscheck, deixei as montanhas mineiras para explorar um novo horizonte. Apesar das 12 horas que me separam de BH, me sinto em casa no meio Cerrado. Agradeço ao motorista e entro na quadra, atravessando os pilotis brancos para entrar no prédio. Aviso aos amigos da minha chegada, preparada para dormir junto à cidade.

postado em 21/04/2025 03:24