
A preservação do Cerrado foi tema do CB.Agro — parceria entre o Correio e TV Brasília. Em conversa com os jornalistas Adriana Bernardes e Roberto Fonseca, o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Daniel Vieira, professor de Ciências Florestais e Ecologia da Universidade de Brasília (UnB). Ele destacou como pesquisa e práticas inovadoras têm sido grandes aliadas, além de explicar que há pastagens degradadas situadas em lugares que podem ser convertidos em agricultura altamente tecnificada.
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Quais são os principais desafios em relação ao Cerrado?
O Cerrado é, hoje, um dos um biomas mais desmatados — em termos de proporção — do Brasil e o desmatamento continua, porque a agricultura é muito rentável aqui. No entanto, temos uma porcentagem muito pequena de áreas protegidas e bastante vegetação nativa com possibilidade legal de ser desmatada, que são os ativos — excedentes de reserva legal. Então, temos uma disputa grande pelo uso do solo. A agricultura está crescendo, mas, ao mesmo tempo, temos limitações de clima. Por isso, temos que ter um equilíbrio cada vez maior entre produção e conservação.
O Cerrado sofre com o desmatamento contínuo, mas ainda existem áreas excedentes legalmente disponíveis para desmate. Como explicar
essa situação?
Temos também áreas de preservação permanente, que são principalmente na beira de rios e com alta declividade e a reserva legal que toda propriedade rural tem que ter, que são os 20% de vegetação nativa, conservada ou restaurada dentro de cada propriedade. Há muitas propriedades que têm mais do que esses 20%. Então, por lei, eles ainda podem desmatar. O que fizemos, até agora, que foi converter 50% do bioma em agricultura, trouxe impactos para nossa agricultura, como secas severas. Há 40 anos, a estação chuvosa começava um mês e meio antes do que ela começa hoje. Então, a mudança climática está evidente, e começamos a ter risco de fazer agricultura em algumas áreas.
Como ciência e produção podem trabalhar juntas para preservar o Cerrado?
A ciência está tentando colaborar da melhor maneira possível com os produtores. Temos todo esse assunto das pastagens degradadas, que é, talvez, um dos mais importantes, porque 50% do que foi convertido do uso do solo do Cerrado são de pastagens e 40% dessas têm baixa produtividade. Uma das soluções é aumentar a produtividade nessas pastagens, recuperá-las, para que produzam mais. Assim, aumentamos a produtividade e salvamos áreas para que sejam conservadas. A Embrapa tem esse papel forte e outras instituições também. O governo federal tem lançado programas de conversão de pastagens degradadas em usos mais sustentáveis e tudo o que se sabe a respeito disso precisa ser repassado ao produtor.
Qual o momento ideal para restaurar pastagens no Cerrado e como o agricultor decide?
A verdade é que temos pastagens degradadas situadas em lugares que podem ser convertidos em agricultura altamente tecnificada. Inclusive, a Embrapa, no passado, lançou um mapa dessas áreas, ou seja, não há um deficit hídrico muito grande e as áreas não são declivosas, estão perto de infraestrutura para essa produção. No outro extremo, há áreas marginais, que nem deveriam ter sido desmatadas. A produtividade é baixa, as condições do solo não são propícias nem para fazer a pastagem. A aptidão agrícola dessas áreas é fazer restauração. Soma-se a isso outras camadas, como o quão degradada está a pastagem, o quão difícil vai ser recuperar essa pastagem para uso agrícola, qual é o potencial de conversão disso em recomposição da vegetação nativa etc. São vários atributos que a gente tem que ter em mente para termos bons mapas de planejamento do que colocar em cada área dessas.
Quais pesquisas inovadoras da Rede de Conhecimento do Cerrado auxiliam na restauração do bioma?
A Rede Biota Cerrado, coordenada pelo professor Guarino Colli, da UnB), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), é um uma rede de dezenas de pesquisadores que atuam em diferentes frentes, mas com essa linha de conhecer melhor a biodiversidade, entender como ela vai responder às mudanças ambientais, seja mudança climática, seja mudança de uso do solo, e tentar levar soluções para preservar essa biodiversidade. Ela é dividida em eixos de trabalho ou subprojetos, encontrando lacunas de amostragem e, então, preencher essas lacunas e entender também nesse mapeamento o que vai acontecer com a biodiversidade, à medida que o clima muda, e conhecer as áreas mais ameaçadas.
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