
O furto de três armas e mais de 1 mil munições em um prédio em área nobre do Plano Piloto, na SQN 110, abriu discussões para a guarda de armamentos em locais vulneráveis, como um apartamento. A legislação permite que colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs) mantenham armas em casa, desde que sejam de uso permitido, como era o caso da vítima de furto, que é CAC. No entanto, mesmo armazenadas em um cofre, as pistolas e as balas foram levadas por criminosos que fingiram ser moradores do residencial. Dados obtidos pelo Correio por meio do Exército Brasileiro mostram que, até 5 de março, o DF tinha o total de 8.219 colecionadores, 28.527 atiradores e 25.786 caçadores.
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As câmeras de monitoramento do edifício registraram parte da ação do grupo. O crime ocorreu na tarde de sábado e os moradores não estavam em casa. Às 16h17, a filmagem registra a chegada de dois homens com óculos escuros. Um deles usava boné. A dupla chega à porta de entrada e tenta apertar alguns botões para a liberação. Em determinado momento, um deles parece falar algo com o porteiro, que libera a entrada em seguida. O Correio apurou que o porteiro do dia era temporário e cobria as férias de um colega. Por isso, há a suspeita de o funcionário não ter desconfiado da ação.
Um terceiro investigado chega ao prédio às 16h27, quando os outros dois já haviam subido para o apartamento. Este também usa óculos escuros e veste uma jaqueta e calça jeans. Às 17h14, outra câmera de dentro do prédio grava dois suspeitos descendo as escadas com mochilas nas costas.
Experiência
A ação durou menos de uma hora. O suficiente para os envolvidos arrombarem a porta do apartamento numa ação tida pela polícia como "profissional", irem até o cofre e retirar três armas, 1 mil munições e uma quantidade expressiva de joias. Foram levadas: uma pistola Taurus 9mm, uma pistola Taurus .22, uma pistola Taurus 9x19mm, além de 1 mil munições de 9mm e 1 mil munições de .22. O valor dos itens valiosos ainda não foi estimado.
A 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte), que investiga o caso, afirmou não descartar nenhuma hipótese. A polícia diz não haver dúvidas sobre a premeditação do furto.
Proteção
Manter armamentos em casa é permitido em lei, conforme prevê o Decreto nº 11.615/2023. O limite de armas de fogo do atirador desportivo de nível 1, para aquisição, é de até quatro de uso permitido. Para os de nível 2, até oito armas; e os do nível 3, até 16, das quais até quatro poderão ser de uso restrito e as demais serão de uso permitido.
Mas como justificar o furto de um arsenal, mesmo que esteja protegido em cofres ou salas especiais? O advogado criminalista Adilson Valentim explica que a máxima proteção vai além de espaços destinados a esse fim. O ideal, segundo ele, é seguir boas práticas de segurança, como evitar divulgar a existência ou acesso. "A vulnerabilidade, neste caso, está no acesso não autorizado e no erro humano de, principalmente, mostrar. As redes sociais, por vezes, são usadas para esse exibicionismo, o que é um perigo."
O especialista da área criminal orienta. "Armas devem ser guardadas em cofres ou caixas fortes com travas robustas, preferencialmente certificadas. O uso de cadeados adicionais ou sistemas biométricos pode aumentar a proteção. É importante manter um controle rigoroso e atualizado de todas as armas, com números de série e responsáveis designados, facilitando a identificação de perdas ou extravios."
O quantitativo de colecionadores (8.219), atiradores (28.527) e caçadores (25.786) não corresponde ao número total de CACs no Distrito Federal, segundo o Exército. Isso ocorre porque algumas pessoas têm mais de uma atividade registrada no Certificado de Registro, sendo, portanto, contados em mais de uma categoria.
O Exército informou, ainda, o total de registros de armas de fogo ativos, em acervo de atiradores, colecionadores e caçadores: são 35.739 para atiradores, 4.309 para caçadores e 4.748 para colecionadores.
A competência para a fiscalização e controle sobre CACs pertencia, até então, ao Exército. As mudanças legislativas e os desafios estruturais fizeram com que esse serviço começasse a ser transferido para a Polícia Federal, em um processo que se intensificou a partir de 2023 e está previsto para se completar neste ano. Analisar os gargalos quanto aos buracos das fiscalizações é um tema complexo e objeto de debate, avalia o advogado. Durante o governo de Jair Bolsonaro, houve uma flexibilização significativa das regras para aquisição de armas, o que levou a um crescimento exponencial no número de CACs e de armas registradas. Dados mostram que a fiscalização do Exército foi insuficiente para acompanhar esse crescimento. Outro ponto crítico é a ausência de transparência. O Exército foi criticado por manter o Sigma como uma "caixa-preta", com informações descentralizadas em mais de 200 unidades militares e, em alguns casos, armazenadas apenas em formato físico", ressalta.
As falhas atreladas à facilitação de armas a organizações criminosas também devem ser consideradas, defende Valentim. Segundo ele, estatisticamente, as armas roubadas ou furtadas de CACs têm contribuído para alimentar o mercado ilegal e chegar às mãos dos criminosos, fenômeno este associado ao aumento de circulação de armas legais. "Porém, considero que esse não seja apenas um fator, porque as armas que chegam aos criminosos do PCC, do Comando Vermelho, normalmente são armas que já vieram com essa destinação, pela fronteira, por exemplo. O problema das armas do crime organizado no Brasil não são armas de CACs, são armas que foram compradas diretamente por essas facções criminosas e entram no Brasil já contrabandeadas", argumenta.
O Sistema Nacional de Armas da PF (Sinarm) dispõe de dados de apreensões de armas de fogo na capital. Entre janeiro e ontem, foram registradas 23 ocorrências de apreensão, recolhimento ou perdas de pistolas, revólveres e espingardas na capital. Quatorze foram apreendidas por órgãos de segurança, seis recolhidas na chamada Campanha do Desarmamento, duas foram recuperadas e uma foi extraviada. Em todo o ano passado, esse quantitativo foi de 442, sendo 148 como apreensões, 133 remetidas ao Exército para destruição, 51 recolhidas, 34 extraviadas, 34 recolhidas, 22 apostilada no Exército, 17 furtadas, duas roubadas e uma "sub judice" (sob julgamento).
ENTREVISTA | Bruno Langeani | consultor Sênior do Instituto Sou da Paz
O roubo/furto dessas armas aumenta os riscos de crimes, como homicídios, roubos e tráfico de drogas?
Sim. Pesquisas do Instituto Sou da Paz e de outras instituições públicas e privadas mostram que a maioria das armas usadas em crimes no Brasil — especialmente pistolas e revólveres — tem características muito próximas das armas do mercado legal, registradas por cidadãos, empresas de segurança e polícias. Parte dessas armas é desviada por meio de roubos e furtos e acaba sendo usada em crimes violentos, como homicídios e assaltos.
O que pode ser feito para evitar que isso aconteça?
É preciso ter critérios mais rigorosos para autorizar a posse de armas. Isso inclui checagens mais completas e a exigência de locais seguros de armazenamento. No governo Bolsonaro, por exemplo, foi revogada, em poucos meses, a exigência de cofre, que ajudaria a evitar não só furtos, mas também acidentes, como os envolvendo crianças. Uma medida positiva mais recente é a exigência, em vigor desde 2024, de renovação frequente do registro. Isso permite verificar se o proprietário continua apto a possuir arma e se o armamento segue em seu poder. Quem não renova pode ter restrições, como proibição de novas compras ou de emissão de passaporte.
Existem dados sobre o aumento de furtos e roubos de armas e munições de CACs nos últimos anos?
Sim. Apesar de muitos proprietários não registrarem corretamente o desaparecimento da arma, o Instituto Sou da Paz identificou, apenas no Estado de São Paulo, mais de 23 mil boletins de ocorrência entre 2011 e 2020, envolvendo o desvio de 33 mil armas. Já os dados do Exército — que subestimam o problema - também mostram crescimento: de 62 armas desviadas em 2018 para 181 em 2024. Fonte: Estadão.
Qual a relação entre a flexibilização das leis de armas e o aumento desses crimes?
O número de desvios acompanha o crescimento do total de armas em circulação. Durante o governo Bolsonaro, houve uma explosão no volume de registros, com liberação de armamentos mais potentes, em maior quantidade e com menos fiscalização. Isso abriu espaço não só para desvios acidentais, mas também para esquemas criminosos, como o uso de "laranjas" por facções, que compram armas legalmente e depois registram falsos boletins de furto. Casos assim viraram notícia frequente. Trata-se de uma política que, na prática, facilitou o armamento do crime.
Qual o destino das armas e munições roubadas? Há dados sobre quantas delas vão para o mercado ilegal?
Essas armas são rapidamente incorporadas ao crime. Geralmente permanecem circulando na mesma região onde foram desviadas. A pesquisa Desvio fatal, do Sou da Paz, mostrou que 54% das armas desviadas e depois recuperadas foram apreendidas em até um ano. Além disso, 32% estavam num raio de até 10 km do local do desvio.
Quais são as vulnerabilidades na legislação atual que facilitam o furto e roubo de armas de CACs?
Entre os principais problemas, estão os prazos longos para renovação de registros, a ausência de fiscalização presencial dos arsenais e a falta de exigência de locais seguros para guarda das armas.
A fiscalização do Exército Brasileiro sobre os arsenais dos CACs é eficiente?
Não. A fiscalização é precária e perdeu recursos nos últimos anos. Uma auditoria do TCU mostrou que o orçamento caiu de R$ 30 milhões, em 2018, para R$ 19 milhões, em 2022, justamente no período em que o número de CACs aumentou cinco vezes.
O Instituto tem propostas para melhorar a segurança no armazenamento de armas e munições de CACs?
Sim. Além da exigência de cofres e de uma fiscalização mais rigorosa, defendemos que a fiscalização dos arsenais de CACs passe para a Polícia Federal, o que já deveria ter ocorrido e agora está previsto para julho deste ano. Também cobramos que o Governo Federal cumpra duas promessas importantes: a de localizar e responsabilizar os proprietários de armas de calibre restrito, como fuzis, que não recadastraram seus armamentos, e a de implementar um programa de recompra de armas de uso restrito. Esse programa prevê que o governo compre essas armas de seus atuais proprietários, o que ajudaria a reforçar o armamento das polícias e a reduzir os riscos de uso indevido ou desvio para o crime. (LM)
Saiba Mais
"É preciso ter mais rigor"
O roubo/furto dessas armas aumenta os riscos de crimes, como homicídios, roubos e tráfico de drogas?
Sim. Pesquisas do Instituto Sou da Paz e de outras instituições públicas e privadas mostram que a maioria das armas usadas em crimes no Brasil — especialmente pistolas e revólveres — tem características muito próximas das armas do mercado legal, registradas por cidadãos, empresas de segurança e polícias. Parte dessas armas é desviada por meio de roubos e furtos e acaba sendo usada em crimes violentos, como homicídios e assaltos.
O que pode ser feito para evitar que isso aconteça?
É preciso ter critérios mais rigorosos para autorizar a posse de armas. Isso inclui checagens mais completas e a exigência de locais seguros de armazenamento. No governo Bolsonaro, por exemplo, foi revogada, em poucos meses, a exigência de cofre, que ajudaria a evitar não só furtos, mas também acidentes, como os envolvendo crianças. Uma medida positiva mais recente é a exigência, em vigor desde 2024, de renovação frequente do registro. Isso permite verificar se o proprietário continua apto a possuir arma e se o armamento segue em seu poder. Quem não renova pode ter restrições, como proibição de novas compras ou de emissão de passaporte.
Existem dados sobre o aumento de furtos e roubos de armas e munições de CACs nos últimos anos?
Sim. Apesar de muitos proprietários não registrarem corretamente o desaparecimento da arma, o Instituto Sou da Paz identificou, apenas no Estado de São Paulo, mais de 23 mil boletins de ocorrência entre 2011 e 2020, envolvendo o desvio de 33 mil armas. Já os dados do Exército — que subestimam o problema - também mostram crescimento: de 62 armas desviadas em 2018 para 181 em 2024. Fonte: Estadão.
Qual a relação entre a flexibilização das leis de armas e o aumento desses crimes?
O número de desvios acompanha o crescimento do total de armas em circulação. Durante o governo Bolsonaro, houve uma explosão no volume de registros, com liberação de armamentos mais potentes, em maior quantidade e com menos fiscalização. Isso abriu espaço não só para desvios acidentais, mas também para esquemas criminosos, como o uso de "laranjas" por facções, que compram armas legalmente e depois registram falsos boletins de furto. Casos assim viraram notícia frequente. Trata-se de uma política que, na prática, facilitou o armamento do crime.
Qual o destino das armas e munições roubadas? Há dados sobre quantas delas vão para o mercado ilegal?
Essas armas são rapidamente incorporadas ao crime. Geralmente permanecem circulando na mesma região onde foram desviadas. A pesquisa Desvio fatal, do Sou da Paz, mostrou que 54% das armas desviadas e depois recuperadas foram apreendidas em até um ano. Além disso, 32% estavam num raio de até 10 km do local do desvio.
Quais são as vulnerabilidades na legislação atual que facilitam o furto e roubo de armas de CACs?
Entre os principais problemas, estão os prazos longos para renovação de registros, a ausência de fiscalização presencial dos arsenais e a falta de exigência de locais seguros para guarda das armas.
A fiscalização do Exército Brasileiro sobre os arsenais dos CACs é eficiente?
Não. A fiscalização é precária e perdeu recursos nos últimos anos. Uma auditoria do TCU mostrou que o orçamento caiu de R$ 30 milhões, em 2018, para R$ 19 milhões, em 2022, justamente no período em que o número de CACs aumentou cinco vezes.
O Instituto tem propostas para melhorar a segurança no armazenamento de armas e munições de CACs?
Sim. Além da exigência de cofres e de uma fiscalização mais rigorosa, defendemos que a fiscalização dos arsenais de CACs passe para a Polícia Federal, o que já deveria ter ocorrido e agora está previsto para julho deste ano. Também cobramos que o Governo Federal cumpra duas promessas importantes: a de localizar e responsabilizar os proprietários de armas de calibre restrito, como fuzis, que não recadastraram seus armamentos, e a de implementar um programa de recompra de armas de uso restrito. Esse programa prevê que o governo compre essas armas de seus atuais proprietários, o que ajudaria a reforçar o armamento das polícias e a reduzir os riscos de uso indevido ou desvio para o crime. (LM)