
Nascido em Formiga, interior de Minas Gerais, o chef Ocacyr Junior chegou em Brasília logo após a inauguração da capital, em 1961, com apenas um ano de idade. Foi no Planalto Central que o mineiro viu a paixão pela culinária aflorar. Ao lado do pai, passou a infância e a adolescência se aventurando na cozinha, aprendendo receitas e preparando pratos para toda a família, dentro da própria casa. A atividade, até então, não passava de um hobby — o cozinheiro, inclusive, exerceu a profissão de bancário durante os primeiros anos da vida adulta.
Oca conversou com o Correio para a produção desta reportagem e também gravou um vídeo. Confira:
Um acidente de carro, porém, mudou a trajetória de Ocacyr de forma permanente. Aos 23 anos, o mineiro começou a perder a visão gradativamente. Foram 35 cirurgias e 12 transplantes de córnea na tentativa de reverter o quadro que, após 10 anos, tornou-se uma cegueira definitiva. Oca, como foi apelidado carinhosamente pelos amigos, precisou se adaptar à nova realidade, e a gastronomia foi uma das suas principais aliadas.

Em busca de independência, o chef procurou escolas especializadas na cidade e participou de diversos cursos, como o de Orientação e Mobilidade, no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV), da rede pública. Em seguida, foi a vez de Oca buscar aulas voltadas ao que realmente queria. Matriculou-se no curso de gastronomia para deficientes visuais, ministrado pelo chef Dudu Camargo, experiência que o impulsionou profissionalmente.
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"Eu sempre gostei de comida, mas foi só depois do acidente que comecei a me desenvolver na culinária. Primeiro, trabalhei com salgados, vendendo para quiosques. Depois, fui me especializando em outras comidas", relembra.
Na cozinha, o mineiro substitui a visão pelos outros sentidos — pelo olfato, sabe se a pizza está pronta ou não, por exemplo. A audição o ajuda a ouvir as borbulhas do queijo, indicando a temperatura do prato. Com o tato, Oca garante que a massa esteja no ponto correto. No paladar, percebe se os temperos e demais ingredientes estão na medida certa. Ele não depende de recipientes diferenciados ou etiquetados em braile para guardar alimentos e consegue se ajustar a qualquer ambiente, inclusive em cozinhas que não conhece.

Hoje, o chef trabalha com encomendas e se adapta ao que o cliente pedir, seja comida árabe, japonesa, baiana ou capixaba. "Eu tenho um cardápio fixo, com empadas e empadões, por exemplo, e, na época do frio, caldos. Mas faço de tudo, o que for solicitado", assegura.
Arroz de polvo e camarões, feijoada, baião de oito (releitura do baião de dois), vatapá e quibes assados são algumas das opções que podem ser pedidas pelo telefone (61) 98208-6588 e pelo Instagram @ocacyrjunior.
"Às vezes, as pessoas querem as minhas receitas, mas eu não tenho. Eu não sei a quantidade de sal que eu coloco para fazer um prato, eu pego com a mão e sinto se esse punhado é suficiente ou não, e vou experimentando até chegar no ponto certo", detalha o cozinheiro.
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Em alguns momentos, porém, Oca é auxiliado pela esposa Juliana Cardim. "Ela é meu braço direito, meus olhos", confidencia. "Quando faço um vatapá, preciso que ela me diga como está a cor, para que eu não coloque muito azeite de dendê", exemplifica. A empresária também dá apoio quando o marido é convidado para cozinhar fora de casa.
O trabalho é desafiador, mas Oca garante que vale a pena. "Sinto uma satisfação enorme quando comem a minha comida e falam que está maravilhosa. É muito gratificante. Antes, fico naquela tensão, mas quando o pessoal come e elogia, é muito bom. Amo fazer um prato e saber que as pessoas gostaram", destaca.
A arte imita a vida
Morador do Guará, Oca tem o talento reconhecido nacionalmente. Em 2005, foi convidado do Programa do Jô, fez pizza ao vivo e arrancou gargalhadas do apresentador Jô Soares (1938-2022), e, 10 anos depois, foi inspiração para Edson Celulari compor seu personagem para o filme Teu mundo não cabe nos meus olhos.

No longa, o ator dá vida a um cego que herda a pizzaria do pai. Ao saber de Oca, veio para Brasília conhecer o chef. Celulari gravou o mineiro fazendo pizzas e até se vendou para saber como é cozinhar sem enxergar — o artista chegou a dizer ao pizzaiolo que tudo que aprendeu para o personagem foi com ele.
"Na ficção, Celulari volta a enxergar, mas não pode mais fazer pizza, tomar vinho ou fumar charuto, tudo que ele gostava de fazer no fim do dia. Aí, ele percebe que prefere ser cego do que abrir mão de tudo isso. E eu também me sinto assim", revela.
Na fila para a cirurgia de células-tronco, Oca questionou os médicos se, após operado, poderá seguir com esse trabalho. "Eu perguntei se vou poder continuar fazendo comida. Eles disseram que sim, então, eu quero voltar a enxergar. Senão, eu prefiro ficar cego", declara o chef.
Saiba Mais
FRASE
Sinto uma satisfação enorme quando comem a minha comida e falam que está maravilhoso. É muito gratificante. Antes, fico naquela tensão, mas quando o pessoal come e elogia, é muito bom. Amo fazer um prato e saber que as pessoas gostaram”