
Foi um momento emocionante para o plateia quando o ex-presidente José Sarney, do No plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), abriu seu discurso com menção aos "brasileiros e brasileiras" — que sempre usava quando presidente da República ao se referir à nação. E foi assim que Sarney agradeceu o título de Cidadão Honorário de Brasília, concedido, ontem, pela Casa. O "homem que fez a transição democrática para o Brasil", como deseja ser lembrado, foi aplaudido por autoridades da política e da Justiça, que ressaltaram seu legado para a democracia e para a capital federal.
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Prestes a completar 95 anos, Sarney é o mais longevo político da história brasileira. Foi deputado federal, governador do Maranhão, senador e, em 1985, tornou-se presidente da República, cargo que assumiu após a morte de Tancredo Neves. Durante seu mandato, convocou a Assembleia Nacional Constituinte, que resultou na promulgação da Constituição de 1988, e encaminhou o país à primeira eleição direta, após 21 anos de ditadura militar. Foi por meio da Constituição e da abertura política que o DF pôde eleger diretamente seus representantes, votando para governador e deputado distrital.
"Sou o parlamentar que por mais tempo ocupou mandatos no Brasil. Ocupei os cargos de vice-presidente e presidente da República. Por 40 anos fui senador. Aqui, vi a história, muitas vezes, encantar-se. A renúncia de Jânio, os episódios da posse de Jango. O movimento das Diretas e a transição democrática, de que fui protagonista. Democracia da qual estamos comemorando 40 anos. A liberdade é hoje um patrimônio nacional", ressaltou o ex-presidente.
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"Sonhos e esperança"
A estreita relação de Sarney com Brasília começou antes ainda da inauguração da capital. "Estive aqui pela primeira vez em 1958 e, em dezembro do ano seguinte, mudei-me definitivamente. Aqui passei mais de metade da minha vida. Fiquei profundamente ligado a essa cidade, onde estudaram e cresceram meus filhos, por tudo que ela representa de pioneirismo na história do Brasil", ressaltou. Na capital, Sarney morou no Palácio da Alvorada, no Palácio do Jaburu e nas superquadras da Asa Sul e da Asa Norte, destinadas à Câmara dos Deputados e ao Senado. Atualmente, reside no Lago Sul.
Sarney foi um dos poucos deputados do partido União Democrática Nacional (UDN) a apoiar a vinda da capital para cá. Em seu discurso, exaltou o trabalho do presidente Juscelino Kubitschek, de Lucio Costa, a quem chamou de "poeta urbanista"; e de Oscar Niemeyer, "o artista escultor das linhas belas e curvas dos monumentos". Brasília, como destacou o político, é um exemplo mundial de qualidade de vida, "cidade de sonho e de esperança".
"Resolvemos proteger (Brasília) e, em 1987, o decreto da Presidência regulamentou a Lei Orgânica do Distrito Federal, que foi a alavanca para que a cidade se tornasse Patrimônio Cultural da Humanidade. Foi a primeira cidade contemporânea a ser reconhecida pela Unesco, e o Brasil assumiu o compromisso de preservá-la", destacou Sarney, que é também responsável pela regularização da Vila Planalto durante seu mandato.
A iniciativa de destinar um espaço da capital aos pioneiros partiu do clamor da própria comunidade e foi representada por uma menina, então com de 10 anos, Leiliane Rebouças. "Ela me entregou uma carta para contar que seus pais estavam em vias de ser expulsos da Vila Planalto. Pedia a fixação daquela comunidade, um núcleo característico da construção de Brasília, habitada por candangos. Eu então criei a Vila Planalto, que até hoje aí está", contou o ex-presidente.
Presente na cerimônia, Leiliane, hoje com 49 anos, emocionou-se com a lembrança. "Foi graças ao empenho dele que conseguimos permanecer na Vila Planalto. O então governador do DF José Aparecido assinou a nossa fixação e o tombamento da Vila como Patrimônio Histórico de Brasília", relembrou. A hoje escritora contou com o apoio de Sarney para desenvolver seu livro, Vizinhos do poder: história e memória da Vila Planalto, o qual o ex-presidente prefaciou.
À reportagem, Sarney ainda destacou a importância do Correio para a história de Brasília. "Sou leitor do Correio Braziliense nesses anos todos que passei aqui. A primeira coisa que faço, ao acordar, é me dirigir à mesa, para tomar café, e abrir um exemplar do jornal", declarou.
Reconhecimento
Presente na cerimônia que homenageou José Sarney, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes elogiou a trajetória do político, que restabeleceu a eleição direta para presidente e legalizou partidos políticos até então proscritos, como aqueles de orientação socialista e comunista. "Mas talvez a sua mais notável contribuição tenha sido, em um ato de coragem, a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, que culminou com a promulgação da Constituição de 1998. O Brasil é o único país que construiu um Estado social sem passar por uma guerra", declarou.
O governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), destacou o carinho que Brasília tem por Sarney e ainda recordou do apoio que recebeu do político, na ocasião em que ficou afastado do governo do DF, após os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. "Um dos primeiros locais onde fui me aconselhar foi na casa do presidente Sarney. Naquele momento, ele disse: 'Meu filho, tenha calma. As coisas vão clarear e você vai voltar para o seu cargo'. Isso me ajudou muito naquela situação tão difícil", relatou. "José Sarney, vida longa ao senhor e muitos ensinamentos para todos nós", completou o governador.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Reinaldo Soares da Fonseca, declarou que "Sarney é sinônimo de democracia". Como orador oficial da cerimônia, o primeiro vice-presidente do TJDFT, desembargador Roberval Belinati, celebrou a ligação profunda do ex-presidente com a capital. "(Ele) chegou em Brasília em dezembro de 1959, antes mesmo da inauguração. Foi o primeiro parlamentar a fixar residência em Brasília. Sarney presenciou de perto o nascimento da cidade, viveu e vive toda a nossa história. O presidente Sarney é um filho de Brasília", enfatizou.
O presidente do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), desembargador Manoel de Andrade relembrou o apoio a Sarney, antes mesmo de ele se tornar presidente, e durante seu mandato. "Naquele momento, em que havia uma pulsação, aquela disputa política muito acirrada, eu me perfilei o tempo todo porque vi no presidente um homem capaz de dialogar".
A iniciativa para a homenagem partiu do deputado Wellington Luiz (MDB), presidente da CLDF. Ao Correio, o parlamentar disse que o momento é um "tributo à democracia e àqueles que ajudaram a escrever a história da libertação do povo brasileiro". "Sem dúvida, esse é um dos dias mais alegres da Câmara Legislativa do Distrito Federal", afirmou. O ex-governador Agnelo Queiroz lembrou do papel de Sarney na legalização dos partidos. "Foi uma transição que estabeleceu o período mais longo da democracia no Brasil", disse.
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