
Carlos Daniel Duarte era criança quando se descobriu interessado por assuntos não tão comuns ao universo infantil, como ciências e cura de doenças. Hoje estudante de biotecnologia na Universidade de Brasília (UnB), foi aprovado em curso remoto da Escola de Medicina de Stanford, nos Estados Unidos. Ao Correio, ele conta sobre a trajetória que o levou do Sol Nascente a uma das instituições mais prestigiadas do mundo.
Filho de mãe copeira e pai garçom, Carlos passou parte da infância sob os cuidados da avó, cuja casa ficava perto do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 13 de Ceilândia, onde ele estudou durante o início da vida. Foi nas aulas ministradas por lá que começou a se interessar por ciência, disciplina pela qual a paixão transbordou as barreiras acadêmicas.
A curiosidade sobre os poderes dos super-heróis favoritos evoluiu para querer entender de que forma o mundo funcionava — e para que a brincadeira favorita dele se tornasse montar e desmontar objetos, influenciado por pai e avô que já haviam sido pedreiros.
“Mini-batedeira elétrica, vulcão, lâmpada de lava, essas coisas de feira de ciência: minhas escolas não faziam então eu fazia a minha própria em casa mesmo”, relembra Carlos. “A casa dos meus pais fica bem perto de um lixão, então eu ia lá para pegar impressora e tirar o motor, computador quebrado, monitor, pedaço de pau, e levar para casa para construir minhas coisas.”
Se o ímpeto de construir veio de família, o interesse sobre o funcionamento da construção — “o porquê de um motor girar, uma luz acender” — surgiu a partir de canais no YouTube, podcasts e outros divulgadores científicos.
No Centro de Ensino Médio Escola Industrial de Taguatinga (Cemeit), onde passou a estudar após período no Centro de Ensino Médio (CEM) 10 de Ceilândia, a ciência esfriou um pouco, por falta ou instabilidade de professores de exatas. A curiosidade, porém, aguçava em Carlos cada vez mais.
Estimulado por atividades extracurriculares, como a projeção de um foguete de garrafa pet que voou 132 metros e aulas de artes e esportes, principalmente violino e jiu-jítsu, na Escola Parque Anísio Teixeira (EPAT), Carlos aprendeu técnicas que iam além da sala de aula: “Padrão, moral, ética, dedicação e principalmente como é bom ajudar outra pessoa”.
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Futuro
Com o último ano de ensino médio durante a pandemia, Carlos precisou decidir, em casa, sobre o futuro que seguiria. “Sabia que queria que o meu trabalho ajudasse alguém, de preferência alguém como eu, e que fosse algo mais ‘mão na massa’, seguindo a antiga profissão do meu pai”, esclarece.
Depois de ver reportagens sobre cientistas que curavam doenças e faziam bactérias produzirem remédios, portanto, ele escolheu a biotecnologia. O caminho até a entrada na sonhada UnB, porém, não foi fácil.
“Eu sequer sabia da existência de algumas matérias”, diz, sobre o período de preparação para vestibulares. Ele conta que estudava cerca de 11 horas por dia, além de aprender programação na mesma época.
Hoje estudante da universidade pública, Carlos conta que a distância de casa até a instituição — quatro horas diárias no transporte público — é a principal complicação, mas não o impede de se enveredar por diversos caminhos. Até o momento, foi parte de empresa júnior e, já no segundo semestre, iniciou no laboratório de tecnologia para terapias gênicas, coordenado pelo professor Ricardo Titze, onde ficou por quase três anos e fez dois projetos de iniciação científica relacionados à doença de Parkinson.
Carlos, porém, tinha mais dúvidas e curiosidades a respeito do tema, e descobriu que quem poderia resolvê-las era o campo de bioinformática. Ele começou a estudar o tópico sozinho, mas, depois de um tempo, passou a contar com a ajuda do professor Giorgio Papas, com quem fez um estágio voluntário.
“No meu laboratório antigo eu apenas conseguia analisar alguns genes”, explica. “Em bioinformática eu consigo analisar todos os genes, DNA, RNA, as proteínas, o epigenoma, o metabolismo, praticamente tudo sobre uma doença do aspecto genético dela.”
Bioinformática
Há cerca de um ano, Carlos estuda bioinformática com foco em doenças tropicais negligenciadas. Voluntário do Litro de Luz, ONG que leva energia solar para comunidades carentes, ele espera ajudar populações vulneráveis e negligenciadas também na área da saúde.
Foi com esse intuito que se inscreveu para um curso pago da Universidade Stanford, para o qual ganhou bolsa ao contar sobre história de vida e pesquisas que já havia realizado.
“É um campo muito promissor e muito importante para o Brasil”, afirma. “Oitenta por cento das pesquisas em genoma são feitas em populações brancas europeias. Estão criando modelos de IA para categorizar alguns genes de doenças, mas são baseados em populações homogêneas e o Brasil tem uma mistura de raças enorme.”
Remotas, as aulas que duram de cinco a oito semanas já começaram e já inspiraram Carlos a pensar mais longe: “Quero pegar essa oportunidade para fazer contatos com professores de Stanford e colaborar em suas pesquisas, e assim trazê-las para o Brasil”.
A inspiração vem não apenas daqueles com quem ele aprende em sala de aula, mas também, e principalmente, dos que, como ele, lutam para chegar aonde estão.
“Apesar de eu ter contato com pessoas muito admiráveis, como Ph.D.s e especialistas, as pessoas mais incríveis que eu conheço são de periferias, acordaram cedo e voltaram tarde todos os dias para ter o que comer”, finaliza. “Eu tive sorte junto com meu esforço. Mas eu gostaria de mostrar que é possível. Sair de onde não tinha nem asfalto e luz e chegar aonde os melhores do mundo estão.”