
O Dia Mundial da Água é celebrado hoje. Na data dedicada a conscientizar a população sobre a importância da água para a vida no planeta, além de alertar sobre a necessidade de preservação dos recursos hídricos, o Correio conversou com especialistas no assunto para saber quais são os desafios que devem ser enfrentados a fim de garantir o abastecimento na capital do país. Segundo eles, questões como as mudanças climáticas, o crescimento da população e a devastação do Cerrado podem contribuir para uma possível crise hídrica.
De acordo com o presidente da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), Luis Antonio Reis, com a proximidade da temporada de seca, a companhia tem feito investimentos. "O governador Ibaneis Rocha determinou que a gente não medisse esforços para afastar, cada vez mais, qualquer fantasma da crise hídrica para a população do DF", ressaltou.
Ele lembrou que, atualmente, o reservatório do Descoberto está com 100% de volume útil e o de Santa Maria, com 74,2%. "No ano passado, na mesma data, tínhamos 54% em Santa Maria. Isso significa que a gente está com uma folga, em relação ao ano passado, de 20%", afirmou. "Além disso, em 2024, tivemos a maior seca da história do DF. Por isso, estamos muito confiantes e vamos entregar obras no primeiro semestre, que vão dar a segurança hídrica para a população", comentou.
Uma delas, de acordo com Luis Antonio, é a Subadutora de Água Tratada (SAT) do Gama. "Ela traz água do Corumbá, abastecendo as regiões do Jardim Botânico, São Sebastião e Mangueiral", explicou. "Também estamos inaugurando no primeiro semestre o Sistema de Água Norte, um investimento de R$ 135 milhões. Essas obras, junto à reversível da EPTG, vão trazer água do Descoberto até a região central do Plano Piloto", acrescentou.
Reis disse que a capital do país não deve passar por uma nova crise hídrica. "A nossa equipe é muito competente, temos um corpo técnico qualificado e isso nos traz a tranquilidade de que estamos no caminho certo", avaliou.
Conscientização
O hidrólogo e professor da Universidade de Brasília, Henrique Leite Chaves, comentou que, com uma equipe da instituição, fez uma pesquisa para dar um prognóstico do reservatório do Descoberto, até 2070. "Durante esse período, teremos uma diminuição de 30% nas chuvas e de 50% no nível do reservatório", alertou. Só que, de acordo com o especialista, fatores climáticos, principalmente por causa do aumento das temperaturas, podem acelerar esse processo. "A população do DF precisa estar ciente dos desafios que vamos enfrentar, daqui para frente, se nada for feito", ressaltou.
Chaves destacou que é possível mudar esse "futuro tenebroso" por meio do reúso de água, captação pluvial e medidas urbanísticas (como trincheiras e jardins de chuvas, para abastecer os aquíferos do DF). "Também seria importante rever o plano distrital de recursos hídricos. Ele precisa ser analisado, levando em conta os riscos do aumento populacional e das mudanças climáticas para o abastecimento de água no DF", observou o professor da UnB. Por isso, segundo ele, é preciso que governo e sociedade se conscientizem. "As lições que tiramos disso é que temos que usar a água de forma consciente, caso contrário, poderemos sofrer as consequências", argumentou.
Fabiano dos Santos, síndico de um condomínio em Águas Claras, contou que há quase sete anos os moradores decidiram instalar um sistema de reúso de água. "Hoje, em média, captamos 5 mil litros de água, por dia. Dentro desse sistema, existe um sensor que detecta o pH da água. Quando está boa para ser utilizada, ela vai para uma máquina que faz a filtragem, junto com o cloro, e, por fim, é repassada para a caixa d'água. Utilizamos essa água para a área comum e jardinagem, por exemplo", explicou.
De acordo com ele, a instalação ocorreu tanto pela economia quanto pela questão ambiental. "Quanto mais conseguir economizar e ajudar o meio ambiente, melhor. Em nosso condomínio, além do reúso de água, temos placas solares e a venda do lixo seco", ressaltou. "Se pelo menos 1% dos condomínios de Águas Claras tivessem um sistema de reúso, teria uma melhoria muito grande na parte ambiental", avaliou. Fabiano calculou que, atualmente, a conta de água está, em média, R$ 500. "O sistema de reúso custou cerca de R$ 27 mil, que já foram recuperados por meio da economia na conta de água", disse.
Planejamento
O escritor Eugênio Giovenardi, 90 anos, sendo 50 dedicados à preservação de uma reserva do Cerrado dentro do DF, lançou um livro no qual apontou um cenário possível, caso a questão climática não seja levada a sério. Segundo ele, Brasília foi construída para ser uma cidade-parque. "Só que temos 74 pequenos parques que mantiveram as características do Cerrado. De resto, só temos arborização de embelezamento, não aquela necessária para a captação da água", destacou.
De acordo com Giovenardi, não existe um planejamento hídrico para preservar as nascentes do DF. "Atualmente, temos cerca de 70, todas malcuidadas", lamentou. "O que está faltando, para que essas águas permaneçam por aqui, é refazer o planejamento de captação das águas das chuvas, para que elas abasteçam nossos aquíferos", acrescentou.
Ele afirmou que o DF está sendo ampliado para "expulsar" as águas das chuvas. "Somos um desastre arquitetônico, no que tange esse quesito de captação. São muitos edifícios, principalmente no centro da capital, que impedem a infiltração da água", alertou. "Escrevi um livro, em 2005, anunciando que, se nada fosse feito, teríamos uma crise hídrica em 10 anos. Isso acabou ocorrendo, entre 2017 e 2018", lembrou.
Para o escritor, até 2040, poderemos ficar completamente sem água. "Vamos depender apenas da irregularidade das chuvas, sem o abastecimento das nascentes", avaliou. "Os administradores regionais não se preocupam com esse planejamento hídrico", opinou Giovenardi.
Volume dos reservatórios
Descoberto
Referência: 85%
21 de março 100%
Santa Maria
Referência: 51%
21 de março 74,1%
Fonte: Adasa