
A aplicação de taxas extras e reajustes abusivos nas mensalidades em condomínios é grande dor de cabeça para quem mora em residenciais. A falta de transparência na prestação de contas e a imposição de valores sem aprovação adequada podem tornar as cobranças irregulares. Nesse cenário, conhecer os direitos garantidos pelo Código Civil e, em alguns casos, pelo Código de Defesa do Consumidor é essencial para evitar prejuízos e garantir uma gestão mais justa e transparente.
A taxa de condomínio refere-se ao rateio feito entre as unidades de moradores para o pagamento de despesas referentes à área comum, como água, luz, limpeza e conservação, manutenção, funcionários, obrigações trabalhistas, assim como a remuneração do síndicos ou das empresa contratada para administrar o residencial. Em caso de aluguel do imóvel, essas despesas são de responsabilidade do inquilino. É obrigação do dono do imóvel arcar com o pagamento das taxas extras, como obras de reforma, pintura de fachada, instalação de equipamento de segurança, de esporte e lazer, para decorar o condomínio ou para constituir o fundo de reserva.
“Por padrão a taxa ordinária é de responsabilidade do inquilino, conforme estabelece a lei do inquilinato. Já as taxas extras, que são destinadas para despesas não rotineiras como reformas, obras de melhoria e benfeitorias no prédio, devem ser pagas pelo proprietário do imóvel, salvo se o contrato de locação estabelecer o contrário”, explica Carla Simas, especialista em direito do consumidor.
A advoga avalia que, apesar de o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não regular diretamente os condomínios, a lei pode ser aplicada quando há uma relação de consumo, como nos casos de condomínios administrados por terceiros. "Caso haja indícios de abusividade, o morador pode questionar a cobrança tanto de forma administrativa, quanto judicialmente. Além do CDC, as relações condominiais são regidas pelo Código Civil e pela Lei Condominial", rechaça.
Manutenção
Tereza Guedes, nome fictício, mora em um condomínio na Asa Sul com 36 apartamentos. Segundo ela, atualmente, poucos proprietários residem no local. Ela conta que não há interesse por parte dos donos dos imóveis na manutenção do bloco, enquanto os inquilinos, que se revezam constantemente, não se envolvem nas questões do condomínio. "O prédio está mal cuidado, com infestação de insetos, e o síndico foi contratado, há anos, para administrar os problemas que vão surgindo. Ele continua no cargo sem questionamentos, pois os proprietários não comparecem às assembleias anuais (para eleição de síndico) e sua recondução vem sendo apoiada por um grupo de seis proprietários aliados", revela.
Tereza afirma que, neste ano, em uma assembleia com cerca de oito presentes, o síndico deliberou e aprovou a troca de todos os seis elevadores, o que acarretaria uma taxa extra de aproximadamente R$ 800 durante quatro anos. "As parcelas seriam corrigidas após o primeiro ano. Foram apresentadas propostas de duas empresas, sendo que uma delas faz a manutenção dos elevadores, que sempre estão com problemas técnicos", avalia.
De acordo com Tereza, diante da contestação de alguns moradores que tomaram conhecimento da situação, abriu-se uma nova discussão sugerindo a modernização dos elevadores, ao invés da troca dos equipamentos. "No entanto, essa proposta foi vetada pelos apoiadores do síndico. Diante da resistência de alguns condôminos, o síndico foi obrigado a recuar da compra, mas instituiu uma nova taxa extra de R$ 550, adiando a decisão para a próxima reunião do condomínio, prevista para o próximo ano", completou.
O quórum necessário para decidir sobre o reajuste da taxa de condomínio depende da convenção condominial, mas geralmente segue o Código Civil Brasileiro. "Para aprovar despesas ordinárias, que são aquelas do dia a dia, é exigida a maioria simples dos presentes na assembleia, conforme o artigo 1350 do Código Civil. Já para despesas extraordinárias, como reformas e obras de grande porte, é necessário o voto favorável de dois terços dos condôminos, conforme o artigo 1341 do Código Civil. Caso a assembleia não tenha o quórum necessário, a decisão pode ser questionada e anulada judicialmente. Assim, a participação ativa dos moradores nas assembleias é essencial para evitar abusos e garantir a boa gestão do condomínio. Além disso, se houver relação de consumo e administradoras terceirizadas, o Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicado", esclarece a advogada.
Jeferson Pereira, nome fictício, mora em um condomínio na Colônia Agrícola 26 de Setembro, uma área sem regularização no DF, e relata que paga taxas extras de reforma há quatro anos. "Quando acaba um serviço, inicia-se outro. Parece que nunca vou pagar apenas o boleto-base", reclama.
O morador afirma que já ocorreu de ele pagar por uma reforma no espaço durante um ano, mas o serviço precisou ser refeito, com novo custo para os moradores. "Foi cobrada uma taxa para um reparo destinado ao escoamento da água da chuva, que sempre acumulava no condomínio. Porém, o serviço foi mal executado e precisou ser refeito. E o dinheiro saiu do nosso bolso mais uma vez", completa.
Jeferson diz estar desconfiado sobre o destino dos recursos administrados pela direção do condomínio. "Como posso saber se dinheiro que pago está sendo aplicado de forma correta? Precisamos de mais transparência e prestação de contas. Afinal, é um dinheiro que faz falta no bolso", desabafa.
Cobranças indevidas
Segundo Carla Simas, o pagamento do condomínio de das taxas extras é obrigatório, mesmo que o imóvel esteja desocupado. No entanto, a advogada esclarece esses encargos podem ser considerados abusivos quando o valor cobrado não possui justificativa clara, não foi aprovado em assembleia, salvo em casos emergenciais, se não há previsão na convenção condominial, sem a devida prestação do serviço correspondente, caso o reajustes seja aplicados sem transparência ou com percentual desproporcional aos custos reais. "Também não podem ser cobradas multas excessivas, acima do limite legal de 2% sobre o valor do débito, conforme determina o artigo 1336, parágrafo 1º do Código Civil", explica.
Carla Simas orienta os condôminos que identificarem cobranças indevidas ou aumentos exagerados na taxa condominial a solicitar esclarecimentos ao síndico ou à administradora, exigir a apresentação de documentos que comprovem os custos que motivaram o reajuste, convocar uma assembleia extraordinária caso o aumento seja considerado injustificável e contestar a cobrança na Justiça se for comprovada a irregularidade. "Além disso, podem recorrer ao Procon ou a órgãos judiciais se a cobrança envolver relação de consumo com empresas terceirizadas. A transparência na prestação de contas é um direito dos condôminos e o síndico deve disponibilizar todas as informações sempre que solicitado", explica.
Para a especialista, não há um limite fixo determinado por lei para o reajuste das taxas condominiais, sendo o valor aprovado pela Assembleia de Condôminos com base nos custos do condomínio. "O artigo 1348 do Código Civil estabelece que o síndico deve prestar contas anualmente ou sempre que exigido pelos condôminos. Caso os moradores considerem que o aumento foi abusivo, podem solicitar esclarecimentos detalhados e convocar uma nova assembleia para discutir a questão", complementa.
Carla Simas explica que se o morador se recusar a pagar uma taxa que considera abusiva ele pode sofrer consequências jurídicas, caso a taxa tenha sido devidamente aprovada pela assembleia e esteja prevista na convenção do condomínio. "A recusa pode gerar cobrança de juros e multa, além da possibilidade de uma ação judicial de cobrança. O condomínio pode até protestar a dívida em cartório e, em último caso, ajuizar uma ação de execução que pode levar à penhora do imóvel, conforme previsto no artigo 1336, parágrafo 1º do Código Civil. Assim, antes de deixar de pagar, o ideal é contestar a taxa, buscar esclarecimentos e, se necessário, ingressar com ação judicial com pedido liminar para anular a cobrança", orienta.
De acordo com a advogada, o síndico tem a responsabilidade de apresentar as contas anualmente e sempre que for exigido pelos condôminos, conforme determina o artigo 1348 do Código Civil. "O síndico deve manter a documentação acessível e responder a todos os questionamentos sobre os gastos. Já a administradora, caso o condomínio tenha uma, deve gerenciar as contas, emitir os boletos e organizar os pagamentos, sempre sob supervisão do síndico. Os moradores podem fiscalizar as despesas solicitando cópias de recibos e contratos com fornecedores, participando das assembleias, criando comissões de moradores para auditorias independentes e denunciando irregularidades ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário", indica.
*Estagiário sob a supervisão de Márcia Machado